Corbyn: Um apelo à ação carregada de utopia

Capitalismo semeia desespero e reações às cegas, com guerras, colapso climático, ruína econômica. Mas o próprio sistema é a crise. É tempo de agir, juntos, para superá-lo. Sair do abismo requer a ousadia de imaginar outro futuro

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Por Jeremy Corbyn, no CounterPunch | Tradução: Vitor Costa | Imagem: Xul Solar

Em abril, os especialistas climáticos da ONU alertaram que é “agora ou nunca” a tarefa de limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. Você quase pode ouvi-los gritando através de seus teclados, desesperados para que os governos realmente façam algo, quando eles descrevem a necessidade de cortes “rápidos, profundos e imediatos” nas emissões de CO2. Mas suas palavras não são apenas um aviso sobre o futuro; eles já descrevem a realidade atual de bilhões de pessoas.

O sul da Ásia está agora em seu terceiro mês de calor extremo, com temperaturas subindo acima de 40ºC dia após dia. E não é apenas o sul da Ásia que está sufocando. Em março, tanto o Ártico quanto a Antártida estavam, respectivamente, 30ºC e 40ºC acima de suas temperaturas médias habituais. O gelo está derretendo e o nível do mar está subindo. Trinta milhões de pessoas foram deslocadas por choques climáticos em 2020. E esses choques geram mais conflitos futuros ao destruir colheitas. As cadeias de suprimentos que conectam as fazendas, minas, fábricas, portos e armazéns do mundo já estão sendo massivamente desestabilizadas, mesmo antes que os efeitos completos do colapso climático sejam sentidos. Nessa economia capitalista global fortemente integrada, ruptura significa desastre. E hoje mais de 800 milhões de pessoas, 1 em cada 10 de toda a população mundial, já estão indo dormir com fome. 

O preço do trigo já dobrou este ano. E pode aumentar ainda mais à medida que os efeitos da invasão criminosa da Ucrânia pela Rússia e o resultante isolamento econômico parcial da Rússia forem sentidos em todo o mundo.

As guerras levam à fome, ao sofrimento mental, à miséria e à morte por anos após o fim dos combates. Deve haver um cessar-fogo imediato na Ucrânia, a retirada das forças russas do território ucraniano e um acordo negociado entre os dois países.

Se não houver, então não só o povo ucraniano continuará a enfrentar o horror de bombas, tanques e sirenes de ataque aéreo; não só os refugiados ucranianos sofrerão futuros incertos e deslocamento de suas famílias e comunidades; não só os jovens recrutas russos serão enviados para serem brutalizados no exército e morrerem em uma terra estrangeira por uma guerra que não compreendem; não só o povo russo sofrerá sanções; não só os povos do Egito, Somália, Laos, Sudão e muitos outros que dependem do trigo das nações beligerantes continuarão enfrentando o aumento da fome.

Todos na terra enfrentam a ameaça do Armagedom nuclear se a guerra na Ucrânia continuar. A ameaça de confronto direto entre as forças russas e da OTAN é um perigo claro e presente para todos nós. É por isso que é tão importante apoiarmos o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, que agora faz parte do direito internacional graças às campanhas inspiradoras dos países do Sul Global.

Não vai ser fácil. As empresas de armas se saem extremamente bem fora da guerra. Eles financiam políticos e think tanks. Eles têm inúmeros porta-vozes na mídia. Aqueles que lutam pela paz e pela justiça são vilipendiados porque por trás do conflito estão os interesses da máquina de guerra. Eles ameaçam a riqueza ilícita e o poder desses poucos.

Vimos isso com dolorosa clareza na pandemia, pois a Big Pharma se recusou a compartilhar a tecnologia de vacinas que foi desenvolvida principalmente com fundos públicos. Quem se beneficiou? Os executivos e acionistas farmacêuticos. Quem perdeu? Todos os outros. Mais mães e pais morreram. Mais meios de subsistência foram destruídos. E a ameaça de mutação viral paira sobre todos, vacinados e não vacinados.

O Estado é usado para sustentar a riqueza dos mais ricos. Os bancos centrais injetaram US$ 9 trilhões em 2020 em resposta à pandemia. O resultado? A riqueza dos bilionários aumentou 50% em um ano, quando ao mesmo tempo a economia mundial encolheu. Os bilionários e corporações afirmam odiar a ação do governo. Na verdade, eles adoram. A única coisa que eles odeiam são os governos agindo em seus interesses. E assim, eles lutam para manter os governos no bolso deles e tentam derrubar aqueles que não estão do seu lado.

Quando damos um passo para trás e examinamos todas essas dinâmicas, uma verdade surge em nós. Costumávamos pensar que havia uma série de crises distintas: a crise climática, a crise dos refugiados, a crise do déficit habitacional, a crise da dívida, a crise da desigualdade, a crise dos ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Tentamos isolar cada uma e resolvê-la separadamente.

Agora podemos ver que não enfrentamos várias crises separadas. O próprio sistema é a crise. O sistema global não está em uma crise que possa ser resolvida. O sistema é a crise e deve ser superado, substituído e transformado.

O fim do mundo já está aqui – apenas está distribuído de forma desigual. A imagem do apocalipse – bombas e ataques, derramamentos de petróleo e incêndios florestais, doenças e contágios – é uma realidade para muitas pessoas em todo o planeta.

A periferia é o futuro, não o passado. Disseram-nos que os países desenvolvidos dão ao mundo em desenvolvimento uma imagem de seu futuro. Mas a periferia está na vanguarda da história – onde as crises do capitalismo acontecem mais fortemente, as consequências do colapso climático chegam mais rapidamente e o chamado para resistir a elas soa mais alto.

Essa resistência é poderosa e inspiradora. Recentemente, o mundo testemunhou a maior greve da história, quando agricultores indianos e seus aliados operários resistiram aos projetos de lei neoliberais que o governo do primeiro-ministro Narendra Modi queria aprovar em seu parlamento. Os agricultores defenderam a si mesmos, seus meios de subsistência e as necessidades dos pobres. E eles venceram.

Ou veja a Amazon, a sexta maior empresa do mundo, que obteve lucros recordes durante a pandemia. Sua ganância e exploração estão sendo ferozmente combatidos por trabalhadores, comunidades e ativistas em todos os continentes do mundo. Eles se uniram para fazer a Amazon pagar.

Na América Latina, o povo está se unindo para apoiar os líderes políticos progressistas e dizer “basta” à dominação do imperialismo, à destruição de suas comunidades e à exploração abusiva de seu meio ambiente.

Mas não basta apenas resistir. Temos que construir um novo mundo cheio de vida, ligado pelo amor e alimentado pela soberania popular.

Como fazemos isso? Fortalecemos trabalhadores nas cidades e nos campos em suas lutas contra a exploração, apoiamos pessoas e comunidades em suas lutas por dignidade e unimos forças progressistas para mobilizar o poder do Estado. E nós os reunimos em uma poderosa aliança de pessoas com a capacidade de reconstruir o mundo. Se fizermos isso, criaremos esperança em vez de desespero.

Então, eu quero que você se comprometa hoje: dobre seus esforços nas lutas em que você está envolvido. Junte-se à campanha que você está pensando em participar. Mostre solidariedade real.

Eu quero que você seja capaz de olhar para trás no tempo de uma geração e dizer, sim, eu construí os sindicatos, as organizações comunitárias, os movimentos sociais, as campanhas, os partidos, as plataformas internacionais que viraram a maré.

Eu quero que você possa dizer, sim, nós produzimos e distribuímos os alimentos, as casas e os cuidados de saúde para que ninguém sofra a pobreza; preservamos e compartilhamos a sabedoria das pessoas deste planeta; espalhamos amor entre pessoas e comunidades; construímos o sistema energético para descarbonizar nosso planeta; desmantelamos a máquina de guerra e apoiamos os refugiados; refreamos o poder dos bilionários; e garantimos uma nova ordem econômica internacional.

Será fácil? Claro que não. Enfrentaremos uma enorme resistência. Claro que enfrentaremos.

Mas, como escreveu certa vez o grande e maravilhoso poeta chileno Pablo Neruda: “Você pode cortar todas as flores, mas não pode impedir a chegada da primavera”.

E a primavera, meus amigos, está chegando.

(Adaptado do discurso de Jeremy Corbyn na abertura da Cúpula da Internacional Progressista no Fim do Mundo em 12 de maio de 2022).

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3 comentários para "Corbyn: Um apelo à ação carregada de utopia"

  1. Non una parola sui nazisti dello stato fantoccio ucraino; andiamo bene.

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