“É um estupro”, diz Zelia Duncan sobre lei antiaborto

Milhares marcharam contra a PEC 181, que quer ampliar o controle sobre os corpos das mulheres, no Centro do Rio de Janeiro, nesta segunda-feira (13)

Reportagem de Luiza Sansão

“Minha filha é fruto do desejo e minha luta é para que as mulheres possam ter filhos com desejo”. A fala da psicóloga Paula Aguiar, de 34 anos, que levava sua pequena Olívia a tiracolo, sintetiza o sentimento das diversas outras mulheres que levaram seus filhos ao ato, em um gesto simbólico em defesa do direito da mulher a escolher pela maternidade ou não. “A opção por seguir em frente numa gravidez ou não é um direito das mulheres. Homens estão querendo decidir sobre o futuro e os corpos das mulheres, e nós precisamos barrar isso. O aborto precisa ser descriminalizado”, enfatizou Paula.

Jovens, senhoras, solteiras, casadas, lésbicas, heterossexuais, transexuais, mães, brancas, negras, artistas. Milhares de mulheres de todas as faixas etárias, classes sociais e orientações sexuais uniram-se em um só coro, no final da tarde de ontem (13), na Cinelândia, Centro do Rio de Janeiro, para bradar contra a Proposta de Emenda à Constituição que restringe ainda mais o direito ao aborto, a PEC 181, criminalizando-o até mesmo em casos de estupro. E também homens que endossam a luta das mulheres pelo direito ao aborto.

A psicóloga Paula Aguiar, de 34 anos, que levava sua filha Olívia em um sling. | Foto: Luiza Sansão

Originalmente, a PEC 181 trata do aumento da licença-maternidade para mulheres que tiverem filhos prematuros. Mas, no último dia 8, quando a proposta foi votada pela comissão que aprecia a matéria na Câmara dos Deputados, uma manobra da bancada evangélica determinou a inclusão de uma cláusula que proíbe o aborto em todas as circunstâncias. Na ocasião, 18 deputados, todos homens, votaram pela aprovação, enquanto somente uma deputada, a única mulher, Erika Kokay (PT-DF), votou contra a medida.

Hoje, o aborto é crime no Brasil, exceto quando a gravidez resulta de um estupro, quando a mãe corre risco de vida e, desde 2012, quando o feto é anencéfalo. Caso a proposta seja aprovada pelo plenário da Câmara, o aborto passa a ser proibido até mesmo nessas circunstâncias, o que representa um enorme retrocesso em relação a direitos historicamente conquistados pelas mulheres.

Ato #TodasContra18 reuniu milhares de mulheres no Centro do Rio nesta segunda-feira (13). | Foto: Luiza Sansão

“A aprovação da PEC já é, por si só, uma espécie de estupro”, disse a cantora e compositora Zelia Duncan, que participava da marcha, em entrevista ao Blog. “A gente não pode aceitar isso, temos que ir pra rua. Não tem outra solução. Para nenhuma outra questão no Brasil tem outra solução. Estou muito orgulhosa de estar aqui hoje”, afirmou. “A mulher é historicamente oprimida, então tem que estar historicamente à frente das coisas. E, se é pra estar, nós vamos estar”, completou.

Manifestantes posam para foto com cartazes em defesa do direito ao aborto. | Foto: Luiza Sansão

As ruas de outras das principais capitais do país também foram tomadas por milhares de mulheres nesta segunda-feira. No Facebook, o evento Todas contra 18 – Aborto em caso de estupro não pode ser crime!, convocado pela Frente contra Criminalização das Mulheres pela Legalização do Aborto – RJ, teve enorme adesão, registrando 10 mil comparecimentos no ato da capital fluminense.

“Eu não corro mais o risco de engravidar, mas tenho filha, tenho neta e a gente tem que estar aqui na luta por elas, por todas as mulheres e crianças”, disse a cozinheira Vera Regina Ramos, de 62 anos. “A mulher que sofre um estupro é obrigada a ter o filho? Esse filho, de uma vítima de estupro, não tem que nascer. A mulher tem que ter o direito de abortar uma criança que não foi desejada. Esses deputados só vêm contra nós, contra o povo trabalhador”.

A cozinheira Vera Regina Ramos, de 62 anos. | Foto: Luiza Sansão

Expressões e frases como “útero laico”, “lugar de estuprador não é na certidão de nascimento”, “aborte o seu fundamentalismo” e “deputados evangélicos apoiam todas as maldades de Temer” estampavam faixas e cartazes erguidos no ato, que começou às 17h, terminou somente por volta das 20h30. O grupo de manifestantes percorreu toda a avenida Rio Branco, passando pela Rua da Assembleia, parou por cerca de uma hora em frente à Assembleia Legislativa do Estado (Alerj), na Rua Primeiro de Março, e retornou pelo mesmo trajeto até a Cinelândia.

A pesquisadora Mariana Gomes, de 30 anos, definiu como “muita revolta” seu sentimento diante da manobra que levou à aprovação da PEC 181 na Câmara dos Deputados. “Se a gente não contiver esse retrocesso agora, a luta de séculos das mulheres será jogada no lixo. É preciso muita mobilização pra barrar esse governo ilegítimo e qualquer tentativa de retirada de direitos das mulheres”, defendeu.

A coordenadora de projetos Lola Werneck e a pesquisadora Mariana Gomes. | Foto: Luiza Sansão

Para a autônoma Nathália Vivaqua, de 32 anos, a PEC 181 é “um dos maiores golpes que as mulheres podem sofrer”. “É um absurdo as mulheres serem tratadas como subcidadãs. A gente não tem direito sobre nosso próprio corpo. Ninguém gosta do aborto, ele é uma necessidade para salvar a vida das mulheres. Não é uma questão de falta de compaixão com criança alguma, até porque a maioria das pessoas que defende o aborto defende que ele seja realizado até o primeiro trimestre de gravidez. Então é uma defesa da vida das mulheres mesmo. Principalmente diante de um retrocesso em relação a uma lei que já existe desde 1940”, indigna-se ela, que não acredita que a proposta será aprovada.

 

Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OutrosQuinhentos

Leia Também:

2 comentários para "“É um estupro”, diz Zelia Duncan sobre lei antiaborto"

  1. Liliane disse:

    O que permite o aborto em caso de estupro é a exclusão de ilegalidade contida no Código Penal. A PEC não mudará isto. Veja mais sobre a magia da concepção da vida aqui: http://carlosliliane64.wixsite.com/magiaeseriados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *