Resenha Semanal

31 de maio a 7 de junho 2019. Semana política redesenhada pelas mobilizações de rua. Alguma coisa mudou…

A semana abriu sob a sombra das manifestações dos dias passados. A torrente de obscenidades governistas continua, desde o guarda-chuva do ministro da Educação (e também sua gaita!) até o infanticídio programado das cadeirinhas de automóvel. Mas o fato incontornável é que o cenário mudou: tem rua. O perigo do golpe bolsonarista parece ter recedido, pois o grande mas disperso campo da oposição conseguiu romper parcialmente sua bolha e realizar pelo menos um finca-pé: ressurgiu um cenário para a política que não é o teatro de atrocidades de Brasília. Visto das ruas, é evidente que há respiro e caminhos por onde aproveitar as fissuras da necropolítica.

As narrativas das três manifestações (15M, 26M e 30M) expuseram contradições daqueles que apoiaram ou toleraram Bolsonaro mas que agora hesitam. O ato bolsonarista de 26 de junho foi muito manchetado antes e depois, com análises e prognósticos, na direita e na esquerda. Já os protestos contra os cortes da Educação foram preparados sob intenso silêncio da imprensa, mesmo depois quando erupcionaram as ruas. O 30M inclusive ganhou manchetes do tipo “menos numerosa que o 15M”, e foi rapidamente esquecido pela imprensa. Parece que as forças conservadoras que propiciaram Bolsonaro temem que ele acenda o país contra si, abrindo caminho para uma reação à destruição híperliberal que tomou conta do país… o fantasma de 2013 ainda assombra a política!

Vai ser divertido ver quem será contra Bolsonaro apenas quando ele não conseguir aprovar a Previdência.

Não que agora tudo esteja fácil – falta todo o resto: um programa de esquerda e correspondentes ferramentas de luta política. E também há contradições internas, por exemplo saber como estimular a oposição criativa, abraçar novos atores, propor pautas efetivas e angariar novos corpos e mentes sem abandonar antigos companheiros, renovando as formas de luta. Em resumo: como produzir um novo 2013, sem perder a pauta transformista e o protagonismo de esquerda, forçando a esquerda institucional a se abrir às bases e às pautas não laboristas, ganhando apoiadores fora da bolhas esquerdista, mas com defesa de Lula?

Sustento, quando em discussão com liberais, que o campo da esquerda hoje está muito mais interessante, por ela estar em uma crise maior do que a do liberalismo. Nós somos obrigados a imaginar um futuro completamente diferente e original, pois seria deprimente se, depois de toda a dor Temer-Bolsonaro, lográssemos apenas uma restauração tipo Dilma. Já eles estão presos ao contorcionismo moral e teórico que tenta explicar por que sua agenda liberal depende de um gangster miliciano. A atitude parece ser “Eu não gosto do Bolsonaro, mas….”. Em outras palavras, eles precisam explicar por que o liberalismo propicia e causa o fascismo, que lhe resolve as contradições com guerra e morte.

Estive nos quatro atos (incluindo um de secundaristas autonomistas). Clique nas fotos para os textos correspondentes ao 15M, 30M, 26M e 23M, respectivamente:

31 de maio

Silêncio na imprensona sobre o grande e energizante ato de ontem. Difícil obter números para fazer aquela média hipotética, mas fala-se entre 250 e 300 mil pessoas em São Paulo. Achei essa estimativa razoável. A vibração foi incrível.

Uma notícia bizarra: Newton Ishii, o “japonês da Federal”, condenado em segunda instância por facilitação de contrabando, foi depois perdoado e sua tornozeleira eletrônica removida. Newton hoje tentou forçar uma visita invasiva a Lula em sua cela. Ele foi barrado. O que será que isso significa? O policial corrupto de pena e tornozeleira extintas, filiado ao Patriotas, querendo visitar o prisioneiro político preso por “atos indeterminados”? Quero ver o Netflixou Padilha roteirizarem essa…

Continuam especulações sobre o futuro do presidente Bolsonaro e quais seriam as alternativas na mesa (impeachment, cassação da chapa etc).

1 de junho

O chefe da Secom, a Secretaria da Comunicação do governo, Fabio Wajngarten, recomendou o boicote à Globo.

3 de junho

foto © ig aronovich / Lost Art

No final de semana teve a Marcha da Maconha e o Festival Lula Livre. Não pude ir a nenhum deles. Adoro a Marcha da Maconha pois ela consegue, faz vários anos, trazer os personagens evasivos que todo mundo chama mas nem sempre vêm: jovens da periferia. A pauta consegue abrigar várias discussões, tais como Saúde, encarceramento, violência estatal.

Já o Festival Lula Livre, que foi realizado na Praça da República, foi bem grandão, com 70 mil pessoas, segundo os organizadores. A situação de Lula é bem delicada. Tecnicamente há possibilidade de passar para regime semiaberto, o que politicamente (e em termos de bem-estar) é muito bom. Mas tudo depende de composições de turmas e quem pega qual processo. Há, ainda, novo processo contra Lula.

Sérgio Moro teve seu telefone hackeado, por várias horas. Rere, seria incrível se ele sofresse o que fez com Dilma e Lula: o vazamento ilegal de áudios… Tchau, querido!

No contexto atual da liberação de armas e do aumento obsceno da quantidade de munição permitida para a compra por particulares, o Exército prendeu dois militares por desvio de mais de 1.350 balas de diversos calibres – principalmente de fuzis – da Brigada Paraquedista, na Vila Militar. Um dos presos teria dito que a munição desviada iria para as favelas do Complexo da Penha. Pacote anticrime, armas, milícias, bandidagem… eis a necropolítica e suas dramatis personae! Os cadáveres já fizeram sua macabra estréia.

4 de junho

O presidente sugeriu que o próximo membro do STF deveria ser um evangélico.

Sérgio Moro foi visto rondando goiabeiras…

Pensava sobre a posição reativa da esquerda e da oposição frente a torrente de notícias e à pauta dominada pelo clã Bolsonaro. Quando Trump ganhou as eleições, passei a ver o programa do Stephen Colbert, um comediante que lhe faz mordaz oposição. Depois de uns meses, achei que ele no fim também era uma engrenagem no sistema, pois ficava massageando os músculos doloridos da esquerda – mas só. Já o Gregório Duvivier acho um pouco melhor, pois ele baixa a velocidade da torrente de atrocidades e reflete sobre temas importantes com inteligência. Lembrei que T elogia o Portas dos Fundos por ser o único programa de humor que tem coragem de abertamente fazer piada com o religião.

5 de junho

Saiu que Olavo de Carvalho estaria discutindo o tema do “terraplanismo” pelo Twitter. Ele não tem posição fechada ainda e acha que este debate é fundamental. Já a ministra Damares criticou personagens de desenhos animados dos anos 50: “Falei, sim, do Pica-Pau. Um personagem arrogante, egoísta, malcriado, desobediente, malvado. Eu questionei o Pica-Pau há 30 anos atrás [sic], questionei o Popeye, tô questionando muita coisa agora”. Além disso, teria afirmado que a discussão sobre gênero nas escolas provoca o suicídio entre jovens.

Weintraub postou o vídeo da gaita. Não vi. Sua agenda gerl é de destruição e privatização do ensino, que são a mesma coisa.

Bolsonaro extingue a obrigatoriedade de exame toxicológico regular para caminhoneiros. É notório que parte dos condutores de veículos pesados acaba fazendo uso de drogas para aguentar os percursos estradeiros. É o popular “rebite”. Achei muito peculiar o campo da extrema-direita liberar o uso de drogas para caminhoneiros mas demonizar estudantes pelo uso da maconha!

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, afirma a inconstitucionalidade da proposta de reforma da Previdência do governo, pois fere o princípio da solidariedade estabelecido como núcleo central da Constituição Federal de 1988.

Mas, num país dominado pela aliança criptofascista em modo privatização, quem vai se importar?

A liberação massiva de agrotóxicos no Brasil, muitos deles (26%) proibidos na Europa, já impactou exportações. Uma rede sueca de supermercados boicota todos os produtos brasileiros. Eu, que adoro PFs em restaurantes populares, que faço?

Jair Bolsonaro sancionou a lei que autoriza a internação involuntária (sem consentimento) de doentes dependentes químicos sem a necessidade de autorização judicial. Medida é defendida pela extrema-direita e pelos religiosos fundamentalistas, que têm suas próprias “comunidades terapêuticas”. Profissionais de saúde e entidades de direitos humanos condenam o procedimento, pois a indústria que isso gera lucra por internação, então agentes públicos podem receber propina para encarcerar gente baseados apenas em sua opinião.

Bolsonaro está na Argentina. Teve protesto.

6 de junho

A Lava Jato espionou a defesa de Lula e grampeou conversas telefônicas de seus advogados. Notícia seríssima que traria abaixo todas as investigações. Mas…

7 de junho

Repercute a liberação pelo STF da privatização geral da Petrobrás, que não depende agora da aprovação do Congresso.

Dia 14 de junho tem greve geral!

Contato: [email protected]

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