Resenha Semanal

26 de abril a 3 de maio 2019. Repercutem a entrevista de Lula e um Dia do Trabalho fraco. Tensões e fricções no palco palaciano. Cortes radicais nas universidades buscam conter perigo iminente…

A semana fechou com as bombas das renúncias dos ministros Damares e Moro. Ao final não era bem assim: Damares negou que iria sair mas deixou a porta de sua saída aberta para renúncia futura. Já Moro apenas sugeriu que se sente cerceado pelo Planalto… Acho que é jogo de cena de Moro, mas esta zona de fricção entre a Lava Jato e Bolsonaro é de enorme interesse.

Além disso, saiu a lista de (215) agraciados com condecorações da Ordem do Rio Branco: mais de 10 militares, muitos ministros, dois filhos de Bolsonaro…

Mas tenho tentado driblar a torrente de atrocidades e cuidar da saúde mental.

Às vezes parece que enxergo o real tamanho e violência do regime em formação e apavoro. Olho em volta e ninguém está conseguindo confrontar as gritantes inconstitucionalidades, todas as instituições derreteram e não há defesa da democracia. Ninguém vai nos defender. Há um regime em construção-operação, e vai demorar muito para desconstruir. A violência do dia-a-dia aumentou.

M me contou que seus pais, militantes católicos de Piracicaba, romperam com o presidente, em quem votaram, por causa do “Golden Shower”. Já F e J contaram que M, vizinha e fã de Temer, antipetista feroz e bolsonarista de ocasião, teve que rever, um tanto desconcertada, sua visão sobre Sérgio Moro e a atuação da Polícia Federal, por ocasião da prisão ilegal e estapafúrdia do ex-presidente Vampirão.

Arrepender-se de viabilizar Bolsonaro já está ocorrendo, mas fazer o mesmo em relação a Moro vai demorar muito ainda, e vai ser tarde demais.

Notícia de gente que saiu do país me faz pensar qual seria o sinal definitivo que me convenceria a fazer o mesmo. Não sei.

Mas às vezes levo em consideração as contradições internas do governo e do projeto da ultra-direita, e me acalmo um pouco, confiando no imponderável. Nos dias realmente otimistas, recordo-me que a direita se organizou em apenas 5 anos, de 2013 a 2018, a ponto de fazer uma presidência.

Vai passar. Vamos atravessar esse regime.

26 de abril

Saiu a entrevista de Lula, concedida em Curitiba: repercutiu muito, um dos assuntos mais comentados na rede. Bombou no El País e na Folha. Mas a Globo e Record não noticiaram. No G1, ficou o ridículo de reportarem a reação de Bolsonaro (“pelo menos não é bando de cachaceiro”), mas não a provocação de Lula, na entrevista: “somos governados por um bando de malucos”.

Deu para ver porque a direita tem medo de Lula com voz: ele tem carisma, comunica bem e já se contrapôs a Bolsonaro. Um duelo aberto entre os dois resultaria na humilhação do capitão. É imperativo manter Lula preso e incomunicável a todo custo. Ele, solto ou acessível à imprensa, se tornaria referência imediata no debate atual. Seria a contraposição e oposição que ninguém na esquerda está conseguindo fazer. Tipo virar a opinião pública a seu favor num contexto de STF julgando segunda instância – e defender o legado da esquerda.

Por um lado, o impacto foi bom, ele passou uma imagem de luta e de indignação contra a injustiça, deu gás às militância e ficou de estadista em contraste com o Coiso. Por outro lado, deu um medão, pois está claro que tudo depende do Judiciário, em quem Lula é obrigado a confiar. Em contrapartida, o processo do sítio de Atibaia foi acelerado. Mais uma condenação arruinaria a já tênue possibilidade de soltura no caso do julgamento da segunda instância. Temo o pior.

O Atrozômetro (medidor de atrocidades) acusou hoje a avalização do presidente ao turismo sexual, mas desde que seja hétero: o presidente não quer o Brasil um centro do turismo gay. Além disso, parece que falou de pênis amputados por falta de sabão: não busquei detalhes, mas cobri o rosto com as mãos.

27 de abril

A imprensa internacional repercute a entrevista de Lula no exterior, mas aqui há pouco fora das redes. A Globo continua ignorando.

Li no Estadão impresso que a assessoria de Moro está contente com o Twitter do ministro, inaugurado faz pouco, com bom número de seguidores. E Kim Kataguiri conseguiu uma relatoria importante no Congresso por causa de seus meio milhão de seguidores. Mas li também que parte expressiva do fluxo das redes é produzida por robôs. Breve seremos governados por algoritmos automáticos em modo destruição.

28 de abril

Vi o vídeo postado pelo presidente em sua conta, onde uma aluna discute com professora de cursinho, ao mesmo tempo que filma a discussão. É muito sinistro isso do presidente da república postar um vídeo assim, e também de professor ter a aula filmada clandestinamente. Mas achei que o ponto principal da “denúncia” é bem passado pelo vídeo: a professora reage mal ao “bullying” da aluna e se coloca na defensiva. Apareceu depois que a aluna é coordenadora geral do PSL no interior de São Paulo, mas acho que ficou para o público em geral a “prova” da “doutrinação”.

29 de abril

Chico Caruso furou bloqueio da Globo com uma charge onde figura Lula, de super herói, checando seu relógio em sua cela, na primeira página.

O ministro da Educação Weintraub avalizou a gravação clandestina da aula e aplaudiu o gesto.

PF inicia investigação acerca de candidaturas-laranja do PSL em Minas.

Esquerda pode formar governo de coalização na Espanha: PSOE venceu, mas sem maioria. Aliança com Podemos é provável. Ufa!

Previsões de crescimento baixam e admite-se que a recuperação econômica é “muito lenta”, isto é: estamos estagnados. O confete jogado no governo Temer, a mentira do congelamento dos gastos como indutor da economia, a mentira da criação de empregos pela reforma trabalhista… tudo isso agora vem abaixo.

Bolsonaro diz que dono de terra vai poder matar quem ocupe sua terra.

30 de abril

Juan Guaidó afirma que o golpe na Venezuela está em curso e chama o povo para as ruas. Conseguiu a adesão de alguns militares. Vi parte da movimentação ao vivo na Telesur. Muita tensão e desinformação, difícil saber o que se passa. A cobertura da imprensa no Brasil foi péssima.

Ao final do dia, nada. Maduro proclamou vitória e a adesão militar não aconteceu. Fala-se em precipitação de Guaidó, que o governo brasileiro esperava o golpe só amanhã, e que a inteligência dos EUA não tinha informação atualizada… O chanceler Araújo viajou quase clandestinamente aos EUA ontem. Certamente falaram da Venezuela.

O ministro Abraham Weintraub corta verbas de 3 universidades federais em 30% e promete pressão sobre a “balbúrdia” que ele vê nas instituições. Insiste na oposição bagunça-produção acadêmica, acusando a UnB, UFBA e UFF de queda no desempenho por causa de bagunça. Mas foi fácil apontar que estas universidades têm boa posição no ranking nacional e mundial. Mesmo assim, Weintraub justificou os cortes, pois as universidades têm permitido que ocorram em suas instalações eventos políticos, manifestações partidárias ou festas inadequadas ao ambiente universitário: em resumo “bagunça e evento ridículo”, disse. Ele deu exemplos do que considera bagunça: “Sem-terra dentro do campus, gente pelada dentro do campus”.

A Globo continua com política de contenção a Lula, reforçando seu silêncio. Já a Folha publicou editorial contra a fala de Lula, que ela mesma publicou.

Uma ativista pró-aborto, evangélica, anunciou que vai deixar o país por causa das ameaças que tem recebido.

1 de maio

MEC vai cortar 30% de todas as universidades federais. De forma “isonômica”.

Assisti ao vivo os Jalecos Amarelos em manifestação em Paris. Parece que desta vez os autonomistas se juntaram em peso aos manifestantes. Incrível como esse fenômeno (os Jalecos) perdura, e pode ser que essa aliança de hoje (com autonomistas) puxe todo o cenário para a esquerda.

Um homem foi detido hoje em São Carlos, em São Paulo (SP), após postar comentários em sua página nas redes sociais. Ele fez críticas à atuação da Polícia Militar durante uma confusão na Festa do Clima, que aconteceu ontem, em que a PM fez disparos de bombas de efeito moral e balas de borracha e prendeu 11 pessoas.

Hoje aconteceram vários atos do Dia do Trabalho. Este ano traz a novidade da unidade sindical: todas as centrais, inclusive a pelega Força Sindical, uniram esforços para a campanha contra a reforma da Previdência.

Em São Paulo, o ato foi realizado no Vale do Anhangabaú. Eu fui mas achei fraco e sem vida. Não tinha muita gente, certamente não os 200 mil anunciados depois. Fiquei desanimado com a desarticulação e com a falta de imaginação política onde o campo sindical se acha afundado.

Fui também a um ato autonomista, na Praça da Sé. Apesar de bem pequeno e desmobilizado, ao menos tinha um bem-vindo bafo de imaginação política, digno do Dia do Trabalhador. A faixa que fechava a passeata trazia:

Aí sim!

Enquanto isso, no Anhangabaú, um show de cantores e cantoras sertanejas.

2 de maio

Repercute a fala do Paulinho da Força ontem, especialmente na direita: ele disse que busca articular com o Centrão uma desidratação da reforma previdenciária para impedir a reeleição de Bolsonaro.

Mourão teria realizado uma varredura em seu gabinete, com medo de grampos.

Universidades chamaram paralisações para o dia 15 de maio, e as centrais sindicais a greve geral para o dia 14 de junho.

O Financial Times se retirou da homenagem a Bolsonaro da Câmara Brasil-EUA. O jornal Guardian diz que é por pressão internacional do movimento LBGT. Um senador Democrata lançou pelo twitter a campanha “Cancel Bolsonaro”, em Nova Iorque.

A Polícia Civil realizou uma operação contra a milícia que atua na Muzema (RJ). Os milicianos seriam os mesmos que estáo associados ao assassinato de Marielle Franco.

Nassif lista os crimes do governo Bolsonaro e as violações à Constituição de seu governo. Quando houver clima político, as violações estão dadas, documentadas e concretas. Muito mais do que as pedalas fiscais de Dilma. Cadê os paneleiros!?

Parece picuinha: foi notícia que o governador do Rio Witzel passou mal e foi atendido em um hospital particular. É que durante a campanha ele tinha prometido só usar o serviço público. Parece picuinha, mas quando lembro que tinha coxinha em frente ao hospital Sírio Libanês gritando que Marisa, então às portas da morte, tinha que ir para o SUS , o sangue ferve (e uma médica do hospital postou na época que ela tinha mesmo era que morrer). E que o neto de Lula foi à rede pública e morreu de mal atendimento. E que coxinha protestava em 2014 pedindo “Saúde Padrão FIFA”, mas em 2018 e 2019 não defendeu a saúde pública.

Pesquisas feitas na época davam credibilidade à falácia de que os coxinhas em 2013 e 2014 tinham demandas republicanas por serviços públicos e não pautas emocionais reacionárias, como se verificou depois. As ditas pesquisas pareciam corroborar a opinião de que a arrogância petista impedia uma aliança da esquerda não-lulista com a legítima e republicana insatisfação coxinha. Isso achou voz dentro da esquerda, calcada nessa falácia metrificada, que rogou considerar a aliança proposta por Chequer, líder do movimento direitista VemPraRua, com setores não-petistas da esquerda. Isso não foi aceito pela canhota, e coxinha foi mesmo votar no programa de destruição Bolsonaro. As pesquisas continuam.

3 de maio

Hoje saiu na Veja que Damares pediu para sair do ministéio, mas depois ela negou parcialmente em entrevista. Moro também indicou em entrevista a site de direita que está cansado de ser tratado mal pelo governo – que não lhe dá a COAF que quer e que não faz andar seu projeto estagnado no Congresso – e ainda ter que jogar água fria no perdão a fazendeiro que matar em sua propriedade.

Caiu o pano.

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