EM MAPAS COLABORATIVOS, OUTRO OLHAR SOBRE O MUNDO

Pandemia, mobilidade e “cartografia de campanha”

Imagem: Antônio Heleno Caldas Laranjeira

Com pandemia, surgem diversas “cartografias de campanha”, desenvolvidas de forma local por ativistas, trabalhadores e pequenos comerciantes. Propõem reorganizar as rotas da quarentena e politizar o consumo, com Feiras Livres e Agroecologia

Por Antônio Heleno Caldas Laranjeira

Durante a pandemia da covid-19, em diversas cidades do Brasil, projetos de redes tem identificado-se com os mapas e tem realizado seus próprios mapeamentos com tecnologias de informação e comunicação. Sobretudo agora, quando nossa mobilidade, logística e transporte estão alterados pelo isolamento social em massa, passamos a questionar quais são os novos horários, os novos prazos e novos meios de entregas dos produtos e prestação de serviços.

É nesse contexto que os mapas locais e regionais estão ganhando destaque dos media na internet. Microempreendedores, médias empresas e, claro, os trabalhadores informais, que representam a maioria no Brasil, que ainda podem prestar um serviço ou comercializar um produto – conforme as regras de isolamento e higienização recomendados mundialmente – pode se evitar as aglomerações nos super e hipermercados nas suas localidades.

Mapeamentos de produtos e serviços essenciais

Um exemplo de mapeamento colaborativo que vem ganhando adesão, desde o início de abril, é a iniciativa de escala local da cidade de Salvador, capital do estado da Bahia, no Brasil, onde o projeto Vamos à Feira mapeou, com recursos básicos do Google My Maps, os locais e contatos telefônicos das feiras livres e entregas de cestas que propõem em maioria alimentos in natura, como frutas, hortaliças, legumes e raízes.

Durante o período de isolamento social, feirantes são drasticamente impactados e para isso o mapa indica os horários de funcionamento e as feiras suspensas temporariamente. Os produtos têm origem da Agricultura Familiar e da Agroecologia, uma rede de iniciativas que visam a qualidade de vida pela alimentação.

Outro exemplo, na escala nacional, é a campanha Apoie o Sistema Alimentar Local, que tem como meta fortalecer um cadastro atualizado, com destaque para os pontos de localização das cooperativas e produtores a partir da mediação do movimento Slow Food Brasil. Este mapeamento colaborativo tem como objetivo sistematizar e dar visibilidade às informações sobre os alimentos e as diferentes iniciativas desenvolvidas durante a situação do coronavírus na forma de camadas cartográficas.

Agricultores familiares, produtores artesanais e cooperativas (laranja), Restaurantes e ações do Slow Food (vermelho) e Iniciativas de solidariedade (lilás) e ações são as camadas visualizáveis na barra lateral (à esquerda do mapa). Foram mais de 400 cadastros em três dias via formulários que utilizam das ferramentas Google My Maps e do Google Forms.

Nestas categorias podem se cadastrar locais de interesse público, declarando informações relevantes e contatos telefônicos e eletrônicos para facilitar o acesso a uma alimentação saudável e dar suporte a famílias necessitadas. Esse mapa, que é de acesso público, também está aberto a colaborações que registrem iniciativas e compartilhem para facilitarmos as conexões de quem produz com quem consome, com o objetivo de fornecer acesso a uma alimentação “boa, limpa e justa para todos”.

Assim como os exemplos de mapeamentos locais e regionais, coordenados pela sociedade civil organizada e por organizações não-governamentais, também existem mapeamentos nacionais coordenados pelo governo. Agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) elaboraram o site SuporteBR com recurso de mapa online de pontos como oficinas, postos de combustíveis, lojas de conveniência e restaurantes.

O mapeamento contém cerca de 6 mil estabelecimentos, de todas as regiões do Brasil, com informações sobre seus horários de funcionamento com o objetivo de facilitar a logística dos caminhoneiros do país. O contato com a central de comando do mapeamento é realizado por e-mail.

Quem precisa de um mapa?

Das relações interdisciplinares entre os estudos sobre o espaço geográfico e sobre mídias, a partir da metade do século XX, com Harold Innis, com seu livro Empire and Communications (1950), os primeiros ensaios sobre o campo das “Geografias da Comunicação” indicavam que os “lugares” e as “localizações” são dois fatores definidores e definitivos para os estudos das relações entre economia, política, tecnologia e cultura das mídias.

Para o subcampo das Geocomunicações, “o núcleo de estudos do campo das Geografias da Comunicação no século XXI”, nas palavras do geógrafo Paul Adams em seu livro seminal Geographies of Media and Communication (2009), os mapeamentos colaborativos tornam-se cada vez mais relevantes midiaticamente por revelarem o “lugar e a localização de fala” do usuário dos mapas na sua tríplice relação de comunicação: com os mapas, com seus produtores e com seus territórios.

Afinal, quem mais conhece um território, sua paisagem e seus lugares, é quem menos precisa de mapas em condições de estabilidade social. Mas e quando os lugares mudam de localização com uma crise social? De certo que a opinião pública sobre os mapas e os mapeamentos, como os casos exemplificados, ganharam importância com os processos de colaboração em redes locais, regionais e nacionais de informação e comunicação em torno da pandemia da covid-19.

Em um grau mais elevado e veloz, quando experimentamos conviver com a limitação da nossa mobilidade espacial de modo massivo e na escala local, sentimos que a internet é capaz de produzir “mapas de campanha” para garantir uma inteligência coletiva e gerar com ela novas mobilidades virtuais, rotas para nos guiarmos com eficiência e segurança enquanto não garantimos uma nova estabilização do cotidiano em escala global.

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