O que fazer diante de outro 7 de Setembro?

Precisamos ser mais que espectadores – e agir. Pressionar pela punição do golpismo e da insubordinação militar ou policial. Frear pauta armamentista que avança nos estados. E, a partir de 11/8, encher ruas em defesa da democracia

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A língua portuguesa é realmente muito rica. Poucas expressões estrangeiras não têm uma versão equivalente melhor no idioma falado no Brasil. Mas tem uma expressão em inglês que gosto muito e acho difícil encontrar uma melhor em terras nacionais: wishful thinking. Ela significa algo como julgar a realidade de acordo com os seus desejos, tomar aquilo que você gostaria que fosse verdade como um fato, mesmo que não seja.

Em tempos de redes sociais, onde as curtidas muitas vezes falam mais alto que a razão, o wishful thinking impera na “metodologia” de muitos analistas políticos. Uma oscilação dentro da margem de erro de uma pesquisa vira uma montanha. A ameaça de um golpe vira um golpe certo. Um recuo estratégico de um golpista vira a certeza de um blefe.

Na política real, o wishful thinking não tem muito uso pra além da autopromoção. Na política real, vale mais olhar para determinada situação, imaginar todos os cenários possíveis decorrentes dela e pensar em diferentes soluções e estratégias para cada um deles. Sem bola de cristal para prever o futuro, mas também sem wishful thinking, é exatamente isto que esse artigo se propõe a fazer.

O Brasil tem uma situação dada: o presidente Bolsonaro faz constantes ameaças golpistas ao país e dá mostras de que suas palavras se materializam em articulações políticas. Atualmente, todos os seus discursos golpistas desembocam nos atos promovidos por seus comparsas para o dia 7 de setembro, sendo que já tivemos uma amostra do significado deste mesmo dia no ano passado. Isso tudo é um fato, não é desejo nem previsão.

Em 2021, as articulações bolsonaristas para o ato do dia 7 de setembro geraram alvoroço em suas bases radicalizadas. Até mesmo militares da ativa, entre as Forças Armadas e as Polícias Militares, se manifestaram em apoio ao Presidente. A movimentação chegou a gerar reunião entre governadores motivada pelo medo de que eles pudessem perder o controle sobre suas próprias polícias.

Para 2022, não há motivos pra acreditarmos que esse cenário não se repita. Ao contrário, há uma boa possibilidade de que ele seja ainda mais intenso, já que, dessa vez, ele ocorrerá em plena campanha eleitoral. Pra se ter uma ideia, no início de julho, São Paulo já contava com um número recorde de 135 agentes de segurança pública afastados para concorrerem na eleição, sendo, dentre estes, 80 policiais militares da ativa. Tudo indica que os recordes se repetirão em outros estados.

Sabe-se que boa parte das forças policiais que se candidata tem alinhamento político com Bolsonaro. No calor da campanha eleitoral, é de se esperar que os atos de 7 de setembro sejam amplamente explorados por essa base bolsonarista. Não é nenhum absurdo imaginar que estes candidatos-policiais possam promover um verdadeiro show de horror nas redes sociais “conclamando suas tropas a defender o país” para este dia, numa reedição ainda mais exagerada que a mesma data do ano passado.

Se essa agitação política das polícias, que já é uma realidade nos últimos anos do Brasil, vai originar um golpe derradeiro ou não vai passar de bravata, não podemos saber. Novamente, não temos bola de cristal. Mas ela existe e algo precisa ser feito. Na “menos pior” das hipóteses, ela será um problema grave herdado pelos próximos governantes do país.

No caso da ameaça golpista encontrar apoio, principalmente, nos candidatos-policiais, livres de certas amarras de suas corporações, seria interessante que aqueles que defendem a democracia trabalhassem pela via da justiça eleitoral. Sei que está difícil crer que alguma instituição tenha força ou vontade de frear arroubos autoritários no país, mas as leis eleitorais podem ter alguma eficácia. Em ação bem coordenada, a ameaça de cassação de candidaturas de policiais que bradem contra a democracia pode diminuir o tom do golpismo.

Nas fileiras policiais, a pressão deve se repetir pelo afastamento ou demissão daqueles que esboçarem insubordinação e apoio aos ataques antidemocráticos. Temos exemplos de que, com vontade política, esta não é uma tarefa impossível, como no caso do Coronel da PM paulista afastado por este motivo ano passado ou do Delegado Da Cunha, embora este segundo tenha sido justificado de outra maneira.

É importante também que, nos próximos meses, as casas legislativas consigam continuar segurando certos avanços da pauta armamentista, o que, ao contrário do que muitos pensam, vai para além do Congresso Nacional.

Desde o ano passado, há um movimento coordenado do bolsonarismo para flexibilizar o porte de armas para os CACs por meio de leis estaduais nas Assembleias Legislativas. No meio de abril deste ano, o Poder 360 já tinha contabilizado projetos com esse objetivo em 24 estados brasileiros, sendo três já aprovados e aguardando sanção e dois já sancionados (DF e RO). Embora claramente ilegais, eles seguem avançando, como no caso de SP, onde este PL já foi aprovado em duas comissões da casa.

A recente notícia de que os boletins da PRF mostram um aumento de CACs circulando ilegalmente armados nas ruas, bem como os quase diários casos de violência envolvendo CACs, mostram um pouco das consequências destas políticas, as quais podem ser ainda piores em clima de animosidade política.

Não seria estranho se deputados estaduais buscando reeleição coordenassem uma aceleração destes projetos como forma de campanha eleitoral. É dever da oposição ao menos ganhar tempo para que estes projetos só sejam analisados numa próxima legislatura, possivelmente menos reacionária.

Aliadas a estas posturas mais reativas, nada impede que a gente também possa agir. No próximo dia 11, quinta, está programado um dia de manifestações ao redor de todo o país em defesa da democracia brasileira. Movimentos sociais, partidos e candidatos devem colocar força neste ato para engrossar o coro popular contra o golpismo. Bem articulado, este é um evento que pode dar um pontapé inicial a um calendário de manifestações extremamente necessário, que ultrapassa as próprias eleições.

Antecipando uma movimentação que, em 2018, só surgiu às vésperas das eleições com o “Ele Não”, um calendário de ocupação das ruas pode vir a ser essencial não só para conseguirmos campanhas democráticas vitoriosas, mas também para a efetivação desses resultados no pós-eleição. O povo nas ruas é, sim, algo que pode baixar o tom do golpismo que tomou o país.

Mas, para que tudo o que foi dito aqui não fique apenas em discurso, é preciso agir. E, para agir, precisamos ser mais do que espectadores da história. O momento do país não pede “futurólogos” nem “videntes”. Pouco importam as análises daqueles que passam o ano inteiro divulgando mil previsões para acertarem uma e poderem dizer “eu avisei”.

Há uma infinidade de cenários possíveis a nossa frente. Devemos trabalhar para que aquele que imaginamos ser o melhor para o país vire realidade. Sem wishful thinking, sejamos atores de nossa própria história.

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