Outras Cartografias: Medo, mortes e resistência LGBTI+

Em mapa-síntese, uma ambiguidade brasileira: os estados com maior violência contra a população não-binária — e os locais onde ela, organizada, levanta bandeiras por seus direitos. Haverá relação entre crimes de ódio e ações afirmativas?

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Por Wilians Ventura, Mateus Sampaio e Carlos Feliciano, na coluna Outras Cartografias

A heterossexualidade é imposta a homens e mulheres na tentativa de controlar os seus corpos e vidas. O resultado dessa imposição é lamentável, já que diversas pessoas são impedidas de viverem sua plena sexualidade e liberdade. As práticas espaciais desses sujeitos também nos revelam o medo produzido a partir dessa imposição. A sexualidade não é um resultado meramente biológico, mas é construída a partir das relações e interações sociais que se dão cotidianamente. As sexualidades tidas como desviantes são colocadas à margem e categorizadas como pecado, crime e em alguns momentos da história até mesmo como doença. Existe, assim, um projeto de masculinidade e feminilidade vigente, que impele e coordena as maneiras de ser e de viver.

O mapa-síntese “Brasil: territórios da morte, do medo e da resistência LGBTQIAP+” apresenta um avanço significativo na compreensão das mortes e processos de violação, bem como no surgimento, permanência e continuidade das resistências dos sujeitos sociais que emergem para enfrentar e combater as práticas de violência. Utilizamos “Territórios da Morte” e “Territórios do Medo” para designar práticas criminosas cometidas contra pessoas LGBTQIAP+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais, pansexuais ou que não performam um padrão de feminilidade e masculinidade contidos na lógica binária e heteronormativa). Tais sujeitos, por se comportarem à margem desse padrão, são violentados cotidianamente em todos os lugares do país. Já o conceito de “Territórios de Resistência” faz referência aos locais em que a comunidade organizada levanta suas bandeiras em defesa de seus direitos. Alguns questionamentos podem surgir: quais são as aproximações existentes entre estes territórios? Onde os índices de mortes e denúncias são mais elevados, também haverá mais ações de resistência? Tais territórios são mutuamente excludentes entre si, ou estão diretamente relacionados?

O mapa apresenta dados desde o ano 2000 até 2019, ano em que o STF votou pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), até que o Congresso Nacional edite lei sobre a matéria. Diante deste panorama, os próximos anos permitirão produzirmos mapas de um Brasil com menos morte, menos medo, mais resistência e mais afirmação? É necessário superar preconceitos e aceitar a diversidade existente. Este é um desafio e um dever para todos os agentes de nossa sociedade, independentemente de sua sexualidade, credo religioso ou inclinação política.

Chaves para a interpretação do Mapa

O mapa destaca três modalidades (classes ou tipologias) espaciais: Territórios de Resistência, do Medo e da Morte. Apresenta onde cada um desses aparece com maior intensidade.

Os Territórios de Resistência são apresentados por círculos em cores do arco-íris. Quanto maior o círculo, maior o número de eventos em defesa dos direitos e do orgulho LGBTQIAP+ ocorridos e registrados pelo Grupo Dignidade. Esta informação é apresentada em nível municipal e representa a somatória dos eventos ocorridos entre os anos de 2006 e 2019 (exceto para 2015, 2016 e 2017).

Os Territórios do Medo são representados por uma textura de hachura (quadriculado). Esta informação é apresentada em nível estadual. Os Estados com essa textura são os que apresentaram uma quantidade de denúncias sobre violações (índice para cada 100 mil habitantes) acima da média nacional entre os anos de 2011 e 2017. Estes dados foram registrados pelo Disque 100. Estados sem hachuras também possuem violações, porém em quantidade abaixo da média nacional. O “Disque 100” utilizado para expressar os Territórios do Medo se utiliza de categorias para apontar processos violadores que ocorrem contra pessoas LGBTQIAP+. Entende-se por violação: abuso financeiro, econômico e violência patrimonial, discriminação, negligência, tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, trabalho escravo, tráfico de pessoas, violência institucional, violência física, violência psicológica, violência sexual e outros (como o cyberbullying).

Os Territórios da Morte são apresentados no mapa na cor cinza. Esta informação também é apresentada em nível estadual. Os Estados com essa coloração são os que apresentaram uma quantidade de mortes (índice por milhão de habitantes) acima da média nacional entre os anos de 2000 e 2019 (exceto para 2003, 2006 e 2007). Estes dados foram registrados pelo Grupo Gay da Bahia. Estados não pintados de cinza também possuem este tipo de crime de ódio, mas em quantidade abaixo da média nacional.

Mesmo trabalhando com três classes territoriais diferentes (Territórios de Resistência, do Medo e da Morte), é importante entendermos que todos os espaços mapeados contêm, em diferentes escalas e proporções, elementos das três tipologias espaciais. Vide por exemplo o caso do Estado do Mato Grosso, que está na tonalidade cinza, possui textura hachurada e apresenta quatro pontos com círculos coloridos. Ou o caso do Estado de São Paulo, que não está pintado na tonalidade cinza, não possui textura hachurada e apresenta um grande número de pontos com círculos coloridos. O importante é destacar: tanto Mato Grosso quanto São Paulo possuem crimes de ódio, violações e atos afirmativos – o que muda é a intensidade.

Feitos estes comentários, que cada leitor possa tirar do mapa suas próprias conclusões!

Wilians Ventura é granduando em Geografia FCT-UNESP, integrante do NERA, DATALUTA e SOMOS LGBTI+ de Presidente Prudente-SP. Mateus Sampaio é pesquisador PNPD/FCT-UNESP. Carlos Feliciano é professor FCT-UNESP.

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6 comentários para "Outras Cartografias: Medo, mortes e resistência LGBTI+"

  1. Marcelo Machado disse:

    Por gentileza, o link para o mapa em maior detalhamento não está funcionando. Grato!

  2. Beatriz Mercês de Souza dos Santos disse:

    Excelente trabalho!

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