Chegou a hora de abolir a aporofobia

Termo define o “horror aos pobres” e foi criado nos anos 90, em meio às perseguições a imigrantes na Europa. Entre apatia social e discurso de ódio, desvela perverso mecanismo psicológico: etiquetar (para, depois destruir) os “perigosos miseráveis”

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Vem surgindo na mídia, cada vez com mais frequência, o termo aporofobia, horror ao pobre, repúdio à pobreza (alheia, evidentemente). É uma palavra ainda não dicionarizada na língua portuguesa, mas aceita, desde 2017, no léxico do castelhano, com registro especificamente no Diccionario de la Real Academia Española de la Lengua, algo como um Oxford daquele idioma. Poderíamos trazê-la para a nominata das patologias sociais do nosso Aurélio ou do nosso Houaiss e, neste caso, a morfologia ajuda, pois o vocábulo poderia ser importado do castelhano sem qualquer alteração.

Este vocábulo é o sonho dos que estudam a origem e evolução histórica das palavras, pois tem fonte documentada de época e circunstância em que começou a ser usado, bem como – prêmio maior – de quem forjou a palavra. Foi em meados da década de 1990, diante do rechaço do espanhol (a rigor, do europeu) comum aos migrantes miseráveis em busca de sobrevivência na Europa, de onde, em passado não muito remoto, saíram aventureiros gananciosos em busca das riquezas das terras de onde hoje provêm esses migrantes; quem a criou foi a filósofa e professora espanhola Adela Cortina que cunhou o termo em artigos acadêmicos e jornalísticos.

Dando base teórica à natureza e às origens desse preconceito incomodamente visível e cuja ausência de nome tentava tornar comodamente invisível – por fim devidamente registrado no Diccionario de la Lengua –, a autora do neologismo “caminhou a segunda milha” e publicou, pela Paidós, de Barcelona, uma obra-prima, com o título Aporofobia, el rechazo al pobre, em maio de 2017. Começa Adelia Cortina com os elementos gregos constitutivos da novidade, áporos, pobre, e phobéo, temer – a este ponto voltarei oportunamente – e tem capítulos com títulos altamente sugestivos, como “delitos de ódio, discurso de ódio: duas patologias sociais”, “o pobre é, em cada caso, quem não é rentável”, “a pobreza é falta de liberdade”, “a pobreza é evitável”, “o direito a uma vida em liberdade”, “esmola ou justiça?”. Uma constatação óbvia, mas, nem por isso, menos genial: a aporafobia é irmã gêmea de um mecanismo psicológico sem base racional – a generalização leviana de males pontuais de grande impacto, como o crime cometido por um pedinte passar a etiquetar todos os que são vistos nas ruas em condições miseráveis como perigosos.

Não deixam de ter grande importância também – especialmente no limiar das campanhas presidenciais de 2022 – obviedades tratadas como temas complexos e insolúveis por acadêmicos de aluguel, tais quais a afirmação de que sempre haverá pobreza e miséria quando se mostra claríssimo que haver miséria é um sinal de certo grau de fracasso social. Bem, o tema merece muito mais e vou pesquisar um pouco para tentar produzir para os amigos e amigas um texto com alguma substância, algo digno da dimensão social do que anda se naturalizando como mais uma daquelas falsas inevitabilidades.

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