Perspectivas da economia para 2022

Tudo indica que inflação e desemprego continuarão subindo; PIB crescerá pouco mais de 1%. Copom prepara novo aumento da Selic. Lula lidera pesquisas; Bolsonaro agoniza, mas é preciso atenção à incógnita reação de uma fera acuada

Imagem: Aloizio Pedersen, em releitura de obras de Van Gogh
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As condições da economia brasileira ao longo de 2022 deverão jogar um papel fundamental na definição dos acordos em torno das candidaturas e dos próprios resultados das eleições de outubro do ano que vem. Em outras situações de maior “normalidade” da vida democrática e institucional, a situação econômica do país e da vida da maioria da população sempre atuaram de forma a favorecer determinadas coalizões ou complicar a vida de outras candidaturas. Assim, o aprofundamento do quadro de estagnação econômica, o retorno de índices inflacionários preocupantes e a permanência do desemprego em níveis inaceitáveis certamente ocuparão um papel relevante no debate sucessório.

O Comitê de Política Monetária (COPOM) acabou de promover mais uma elevação da taxa oficial de juros. O colegiado composto pelos próprios membros da diretoria do Banco Central (BC) decidiu em sua 243ª reunião, realizada entre 7 e 8 de dezembro, por fixar a SELIC no patamar de 9,25% ao ano. Na verdade, foi uma elevação de 1,5% sobre os 7,75 % que haviam sido decididos no encontro anterior, ocorrido em outubro. Esta trajetória confirma a opção por um programa extremista de austeridade e arrocho econômicos. Em março deste ano a taxa estava em 2,00%, quando teve início a escalada altista. Ao longo dos outros sete encontros sucessivos, a taxa referencial subiu mais de 350%, até atingir os atuais 9,25%. A título de comparação, não houve um único grupo de produtos dos índices de inflação que houvesse apresentado tamanha elevação.

Mas não contentes com o tamanho de tal arrocho monetário, os membros do COPOM resolveram também deixar anunciada a promessa de que no início de fevereiro, na próxima reunião, eles deverão promover mais uma subida de mesma magnitude que a mais recente realizada. Assim, é bem provável que a declaração oficial do dia 2 de fevereiro confirme o alerta exposto já no comunicado levado a público no dia 8 de dezembro.

(…) “Para a próxima reunião, o Comitê antevê outro ajuste da mesma magnitude. O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas, e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária” (…) – (GN)

Isso significa que o órgão responsável pela política monetária já antecipa com 45 dias de antecedência que vai subir a SELIC para o patamar de 10,75% anuais. A insistência em manter a trajetória altista tem por base um diagnóstico absolutamente equivocado a respeito da tendência atual de aceleração do fenômeno da inflação. Por um lado, é bem verdade que os últimos resultados do índice oficial têm apresentado valores bem acima da meta oficial estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Afinal, o centro da meta de inflação prevê um IPCA de 3,75% para o ano de 2021, com um intervalo aceitável de 1,5% para cima ou para baixo. Assim, a faixa deveria ficar entre 2,25% e 5,25% ao ano. Como a divulgação do índice de novembro foi de 0,95%, o acumulado dos últimos 12 meses já atingiu 10,74%. Ou seja, quase o dobro daquilo que o próprio governo estabeleceu como o limite máximo de seu intervalo a ser alcançado para o período de janeiro a dezembro.

E segue o arrocho monetário

Ocorre que a receita apresentada pelo COPOM não oferece nenhuma eficiência para atuar contra a atual alta dos preços. Não se trata daquilo que o economês chama de “inflação de demanda”, onde a alta de juros poderia provocar uma redução de consumo pelo fato de os agentes econômicos buscarem redirecionar seus recursos para a poupança, atraídos que ficariam pela maior taxa de juros. Além de ser bastante polêmica, tal abordagem não se mostra eficiente para processos inflacionários como o que vivemos nestes tempos no Brasil. A elevação dos preços foi influenciada por altas em preços de alimentos e “commodities” no mercado internacional, pela elevação das tarifas de energia decididas pela ANEEL e pelos preços dos derivados de petróleo, definidos pela própria Petrobrás, dentre outros. Os fatores mais relevantes estão pelo lado da oferta.

Ora, sob tais condições, não será a alta da SELIC que fará as pessoas consumirem menos gás de cozinha, comprar menos comida ou gastar menos energia elétrica. Esse movimento já ocorre em função da redução da renda das famílias e das empresas do setor real. Assim, o principal efeito de mais um arrocho monetário será o de prolongar a estagnação econômica que tem se arrastado há um bom tempo e dificultar ainda mais a busca do caminho da retomada das atividades da indústria, do comércio e dos serviços mais à frente. Além, é claro, de provocar também um aumento significativo nas despesas financeiras do governo, em razão da rolagem da dívida púbica. A lógica perversa do superávit primário e as limitações impostas pelo Novo Regime Fiscal da EC 95 concentram os esforços do ajuste fiscal sobre as contas não-financeiras. Daí a conhecida obsessão por comprimir tão somente as despesas com previdência, saúde, assistência, educação e similares.

Com isso, as possibilidades de um crescimento no ano que vem se estreitam a cada dia. Aliás, esta é a mesma previsão dos próprios agentes do financismo, aqueles que tanto pressionam o governo para se manter fiel à política do austericídio, independentemente dos custos políticos, sociais ou econômicos derivados de tal aventura irresponsável. A pesquisa Focus, realizada semanalmente pelo BC junto à nata de dirigentes do sistema financeiro, já apresentou uma reversão completa das suas expectativas de crescimento do PIB para 2022. Os mesmos que diziam ser essencial arrochar ao máximo em 2021 para assegurar o crescimento no ano que está chegando agora já reduziram suas expectativas de uma elevação do Produto de 2,1% para 0,5% no ano das eleições. Assim, a tendência é que continuemos caminhando sobre o pântano, sem perspectivas de encontrarmos um terreno firme para alavancar o crescimento tão urgente e necessário.

Incógnita da reação da fera acuada

A grande dúvida que permanece sem resposta refere-se a qual será o comportamento de Bolsonaro frente a esse quadro. As pesquisas que buscam aferir a popularidade do presidente e de seu governo seguem em queda, sendo que aspectos como inflação e desemprego continuam despontando como os mais críticos do ponto de vista da maioria da população. Além disso, as pesquisas que tentam antecipar tendências e resultados para as eleições de outubro são quase unânimes em apontar a vitória de Lula, ainda no primeiro turno, caso fossem realizadas no momento atual. É óbvio que na quadra atual da política brasileira, o período de dez meses que nos separa do pleito pode ser comparado a uma eternidade. Mas com toda a certeza a luz laranja já deve ter acendido nos painéis de controle do Palácio do Planalto.

Bolsonaro busca desesperadamente se reeleger para proteger a si mesmo e a sua família, além de aliados políticos mais próximos. Como o tempo da economia tende a ser bem mais lento do que o da política, começa a ser notado um movimento de abandono generalizado do barco bolsonarista para o pleito que se aproxima. Parte da base aliada não se sente nada segura e muito menos confortável em carregar o fardo de um governo que despenca em popularidade. É óbvio que a tentação oferecida pelo poder da caneta presidencial não deve ser desprezada, com a possibilidade generosa de oferta de verbas e cargos para os pretendentes a se reeleger daqui a dez meses. No entanto, exatamente por essa voracidade conhecida do fisiologismo, a pressão para flexibilizar a política fiscal imposta pelo teto de gastos deverá ser crescente ao longo dos próximos meses. Paulo Guedes já se dispôs a ser complacente com tal “heresia”, aos olhos do mais fiéis à ortodoxia, que bravejam e praguejam no interior do financismo. Em troca da promessa de permanência de mais algumas semanas no cargo de superministro, ele não deverá criar dificuldades para mais um abandono descarado de suas falsas bravatas em prol de uma rigidez doutrinarista.

Enfim, 2022 deverá ser mesmo um ano de muitas surpresas, inclusive em termos da dinâmica da economia. No entanto, muito dificilmente apresentará um crescimento do Produto superior a 1%, combinado com taxas de juros elevadas e um crescimento também dos preços. Ou seja, um cenário nada vantajoso para quem está no governo e busca a aprovação popular para permanecer por mais um quadriênio. As pesquisas de opinião já captam esse sentimento de arrependimento e de mudança de orientação de parcelas expressivas do eleitorado que haviam votado em Bolsonaro em 2018. A única certeza é que o presidente precisa encontrar alguma nova carta escondida na manga para tentar reverter o atual quadro de isolamento em que se encontra. É tarefa difícil, mas não deve ser subestimada. A exemplo da reação da fera acuada, a irracionalidade selvagem de Bolsonaro pode tornar o quadro ainda mais complexo e surpreendente. Afinal, as forças que patrocinaram o golpe em 2016 e ajudaram na eleição do capitão em 2018 não deverão assistir passivamente ao desenrolar da atual conjuntura e o retorno de Lula ao Palácio do Planalto.

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