O lawfare nas universidades 

Caso do ex-reitor da UFRJ, acusado de “desvio de recursos”, ilustra a perseguição a servidores públicos, a partir de interpretações administrativas e acusações frágeis. Injustiças como essa podem levar a tragédias pessoais e institucionais – como a de Luiz Carlos Cancellier

Imagem: David Parkins/The Economist
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Imagine ser condenado judicialmente por um suposto desvio de recursos públicos quando, na verdade, os valores devolvidos correspondiam a um simples saldo remanescente de contrato — um “troco”, como descreveu o próprio Tribunal de Contas da União.

Essa é a situação vivida por professores que dedicaram suas vidas ao serviço público, inclusive Carlos Levi, ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O caso, por seus contornos técnicos e institucionais, guarda semelhanças marcantes com a história de Luiz Carlos Cancellier, ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, cujo processo também se iniciou com uma acusação sem base consistente, gerando consequências pessoais devastadoras. Como no caso Cancellier, o lawfare contra servidores da UFRJ muito provavelmente também produziu uma morte inocente: Aloísio Teixeira morreu de infarto fulminante quando o peso de todas as denúncias mentirosas era quase todo colocado sobre seu peito.

A origem da denúncia remonta à atuação de um ex-professor da UFRJ que, após ser exonerado por condutas inaceitavelmente incompatíveis com o ambiente universitário, apresentou ao Ministério Público Federal uma acusação genérica sobre suposto desvio de recursos vinculados ao Contrato nº 52/2007, firmado entre a UFRJ e o Banco do Brasil, com intermediação da Fundação José Bonifácio (FUJB). A denúncia caluniosa afirmava que a FUJB teria subtraído valores milionários da UFRJ (cerca de 50 milhões de reais!), inclusive através do pagamento de uma “taxa de administração” sem ter prestado quaisquer serviços de apoio à Universidade.

Na verdade, o contrato que acabou criminalizado injustamente previa a destinação de cerca de R$ 40 milhões à UFRJ como contrapartida pela exclusividade dos serviços bancários do BB junto à comunidade universitária. Os recursos, por sua natureza extraorçamentária, conforme entendimento da AGU em parecer oferecido ao reitor Aloísio, foram geridos pela FUJB, conforme prática usual nas universidades federais e respaldada pela Lei nº 8.958/1994 e pelo Decreto nº 5.205/2004.

Durante a vigência do contrato, mais de mil projetos foram financiados, com destaque para ações de apoio acadêmico, eventos científicos, programas de fortalecimento institucional e importantes obras de infraestrutura, como o Restaurante Universitário da Ilha do Fundão.

Ao final do contrato, o TCU realizou uma Tomada de Contas Especial e verificou que parte dos recursos permanecia em conta da FUJB, devido à interrupção prematura de sua atuação como gestora financeira. Esse valor, conforme apurado, correspondia a um “saldo livre” não utilizado — e foi devidamente devolvido à Universidade, com correção monetária.

Apesar disso, uma sentença de primeira instância interpretou esse saldo como indício de desvio de finalidade, sustentando que a devolução seria prova de que a “taxa de administração” não teria sido corretamente justificada. Essa conclusão, no entanto, foi diretamente refutada pelas manifestações técnicas dos órgãos de controle.

O Acórdão 856/2014 do Tribunal de Contas da União foi taxativo:

“9.1 […] julgar regulares com ressalva as contas dos Srs. Aloísio Teixeira, Milton Reynaldo Flores de Freitas e Carlos Antônio Levi da Conceição.”

“30. Somados os valores mencionados […] chega-se ao total de R$ 2.980.852,12, que engloba saldos não utilizados nem provisionados.”AAAA Sugestões Sustenta…

Ou seja, o valor devolvido não se referia à taxa de administração, mas a recursos não aplicados após a interrupção da parceria com a FUJB. Essa leitura foi confirmada no Acórdão 1546/2015, que excluiu eventuais pendências e reconheceu a devolução do valor com correção:

“18. […] restando, portanto, o débito de R$ 2.346.640,93, referente à data de 6/7/2010.
19. […] o recolhimento, pela FUJB, do saldo existente na conta corrente […] importava em R$ 2.796.022,67.”Conceição_O Troco

A Controladoria-Geral da União, por sua vez, recomendou o arquivamento do processo administrativo, e reconheceu, no Parecer 294/2012, que:

“Todos os recursos foram aplicados em benefício da Universidade, com comprovação de custos e conformidade com procedimentos de seleção e execução.”AAAA Sugestões Sustenta…

Finalmente, a Advocacia-Geral da União, em Parecer nº 02/2023 – CFEDU/SUBCONSU/PGF/AGU, desmontou os fundamentos da sentença:

“66. […] em relação à gestão dos recursos do Contrato 52/2007 a FUJB recebeu sim remuneração em forma de taxa de administração no valor de R$ 1.819.500,00, pagamento esse que foi auditado pelo TCU […] e não recebeu qualquer censura.
67. […] Se a FUJB prestou os serviços de gestão, como restou constatado pelo TCU, a conclusão não poderia ser outra, senão a de que não há irregularidade.”AAAA Sugetões Sustentaç…

A comparação com o caso de Cancellier não se impõe apenas por se tratar de um reitor acusado injustamente. Ambos os casos ilustram como a desinformação e o excesso de zelo punitivista podem transformar interpretações administrativas em acusações criminais — e acusações frágeis em tragédias pessoais e institucionais.

Neste caso, não houve dolo, não houve desvio, e não houve dano ao erário. Houve, sim, a realização de centenas de projetos e ganhos concretos para a universidade.

A justiça, neste momento em que os recursos dos condenados chegam à segunda instância, tem a oportunidade de evitar que mais um nome seja indevidamente incluído na lista dos “outros Cancellieres” da história universitária brasileira.

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