Luta por moradia: A Ocupação e a Academia

No centro do Rio, prédio abandonado da Academia Brasileira de Letras foi ocupado por famílias sem-teto. Ações solidárias, biblioteca popular e cozinha coletiva deram vida ao local. Diante de ameaças de despejo, elas conclamam “imortais” à luta social

Foto: @yasalvesf/Esquerda Online
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Eliane, de 47 anos, até o ano passado, não tinha onde morar. Isso mudou quando apareceu uma oportunidade de morar na Rua do Rosário 158, no Centro do Rio, onde hoje é a Ocupação Almirante João Cândido, nome dado em homenagem a um militar negro que protagonizou a Revolta da Chibata. A ocupação é filiada à Frente Internacionalista dos Sem Teto (FIST), mas organiza suas atividades internas de forma autônoma.

Eliane foi de moradora de rua à coordenadora da ocupação, e a moradia passou a lhe garantir proximidade com o Centro, onde trabalha como panfleteira. Ela garante que essa é a mesma situação das outras dezesseis famílias que lá residem: todos trabalham no centro, mas não têm como arcar com um aluguel na situação financeira em que se encontram.

O imóvel estava ocioso quando houve a complementação da posse em fevereiro de 2021 pelos atuais moradores e, desde então, sofre tentativas de reintegração de posse por parte da Academia Brasileira de Letras (ABL), proprietária legal do imóvel. Segundo André de Paula, advogado da FIST, a ocupação se deu em uma ocasião em que a função social do imóvel não estava sendo assegurada, diferente do momento atual, em que os moradores organizam debates públicos, comida coletiva e, desde maio deste ano, administram a Biblioteca Popular Machado de Assis. “A ABL” – conta André – “contraditoriamente insiste na especulação imobiliária”, e aponta como argumento da contraditoriedade que a Academia teve entre seus fundadores um homem negro, a saber, Machado de Assis, e que ameaçam de despejo famílias em sua maioria negras.

Foto: Gabriela Ribeiro

A juíza responsável pelo caso havia, no ano passado, dado uma liminar favorável à ABL, mas voltou atrás depois que a equipe jurídica da FIST argumentou que não foi estabelecida uma audiência de mediação. Desde então, houve duas audiências de mediação e na segunda André afirma que foi reconhecido que o imóvel estava cumprindo função social. Desde então, a posse está assegurada pela juíza, aguardando novo julgamento. A ocupação está resguardada também pela decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso, estendida até outubro, que interrompe os despejos, desapropriações e reintegração de posse em contexto de pandemia. A ADPF 828 assegurava a posse até junho deste ano, mas como os casos de covid voltaram a subir Barroso estendeu a decisão até 31 de outubro. A Academia Brasileira de Letras não deu um retorno para esta matéria sobre a situação do imóvel e por que ele estava ocioso.

De Paula acredita que a situação é favorável para os moradores, pois as ações legais têm acontecido simultaneamente à pressão política dos moradores da ocupação e da FIST nas ruas. “A gente está na batalha. Mas vai depender muito da pressão, da sensibilidade da mídia, da juíza, da própria ABL”, diz ela.

No dia 12 de julho foi organizado pela FIST um protesto em frente à Academia Brasileira de Letras procurando sensibilizar os presentes sobre a incerteza que vivem os moradores da João Cândido. O dia da atividade foi escolhido pela ocasião de uma peça que a atriz Fernanda Montenegro apresentaria na sede. No ano passado, a atriz adquiriu uma cadeira na Academia e, neste ano, foi a vez de Gilberto Gil. Os moradores da João Cândido acreditam que se faz necessária uma posição destes dois imortais para que não seja manchada a história da instituição colocando famílias na rua.

Foto: Alan Fernandes

Só no Rio de janeiro, 3481 famílias estiveram sob ameaça de despejo durante a pandemia. 5590 foram removidas, sendo o segundo estado com mais despejos, estando atrás apenas de São Paulo. O último censo da Prefeitura do Rio sobre os cidadãos que vivem em situação de rua denunciava que havia 7272 pessoas passando por esta situação. 79% se identificam como negros ou pardos. Para chegar a essa soma, foi considerado o número tanto daqueles que estavam acolhidos por CAPS ou abrigos e os que dormiam nas praças ou frequentavam espaços improvisados de consumo de drogas. Segundo a Prefeitura, ainda, o bairro do Centro possui um Índice de Progresso Social mediano em comparação com outros bairros. O IPS é calculado com base em três eixos principais: oportunidades; necessidades humanas básicas; e fundamentos do bem-estar.

Apesar da decisão de Barroso ainda em vigor, o último balanço da Campanha Despejo Zero registrou que no Brasil, do início da pandemia até maio deste ano, foi observado um aumento de 393% de famílias despejadas e um aumento de 655% constituído por pessoas que estão sob ameaça de despejo. Nesse mesmo relatório, os pesquisadores acreditam que se não houvesse a prorrogação da ADPF o número de moradores de rua poderia quadruplicar.

Idosos e crianças fazem parte da ocupação. Foto: Carlos Augusto Lima França.

Os moradores da João Cândido planejam em breve inaugurar uma cozinha coletiva, destinada a distribuir alimentos para os moradores de rua da região. Os moradores da casa vem denunciando que policiais militares já ameaçaram invadir a ocupação mesmo sem mandado judicial. Perguntada sobre as expectativas para os próximos meses, Eliane desabafa: “A gente simplesmente quer moradia. Somos muitas famílias, faço um pedido, deixa a gente ficar!”.

Na data da escrita desta reportagem, a FIST se organizava para comparecer a uma reunião com o governador do Rio, Cláudio Castro, exigindo concessão real de uso para as ocupações Antônio Louro, Aldeia Maracanã e Carlos Lamarca. Além disso, pedirão a desapropriação em favor dos moradores da Almirante João Cândido, Frei Tito, Frei Lency, Marielle Franco, Luis Carlos Prestes, entre outros.

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