UPPs, especulação imobiliária e desigualdade

Valorização da terra, nas favelas “pacificadas” do Rio, atrai cobiça da Zona Sul e expulsa antigos moradores. Há saídas?

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Valorização da terra, nas favelas “pacificadas” do Rio, atrai cobiça da Zona Sul e expulsa antigos moradores. Há saídas? 

Poucos problemas no mundo são mais polêmicos e complexos que os que tratam a questão do uso da terra e a legalização de seu uso. Muitas religiões têm normas sobre a terra e a herança, a maioria das comunidades tem tradições culturais profundamente arraigadas e cada governo enfrenta o desafio da gestão da terra de forma diferente, com amplo conjunto de leis e diferentes níveis de vontade política.

Em muitos países as regras não favorecem as mulheres que possuem terras, por razões que vão desde a pobreza até os costumes. Nos países “ricos”, os registros da propriedade abarcam a maior parte do território e em geral estão bem guardados. Porém, poucos países em vias de desenvolvimento têm mais do 30% de suas terras cadastradas (1). E com frequência os arquivos da propriedade estão vinculados à classe média comercial.

Em muitos países, a corrupção em grande escala existe associada com a gestão da terra. Nas sociedades pós-conflito, a terra é um assunto fundamental, pois normalmente está muito vinculado com o próprio conflito, fazendo com que enfoques profundos sobre a governança da terra sejam primordiais para a construção da paz. No período pós-conflito, o valor da terra pode aumentar rapidamente, levando à grilagem por especuladores.

Foi assim que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) estabelecidas na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro revalorizaram suas áreas próximas com um enorme projeto de especulação imobiliária no cinturão nobre da cidade e nas áreas olímpicas.

De forma indireta, as favelas com UPPs sofreram dita revalorização. Alguns moradores passaram a ser donos, proprietários de um barraco revalorizado, gerando novas relações de poder com as instituições locais, assim como com seus vizinhos. O efeito deste progressivo enriquecimento de alguns foi acompanhado do surgimento de uma reestruturação dos status sociais e das desigualdades internas das vizinhanças.

As possibilidades que a propaganda das UPPs falsamente outorgou a todos os moradores das favelas estruturaram os procedimentos de uma meritocracia, pois aqueles que melhor se aproveitassem delas seriam os que, embora momentaneamente, se destacariam dos outros, acessando mais e melhores recursos na medida de sua ascensão (2).

Uma das principais tarefas é garantir para os moradores a segurança da terra ante o perigo de qualquer despejo consequente das revalorizações do terreno e da especulação imobiliária. A regularização dos assentamentos, além do reconhecimento das terras, deve ser acompanhado por um registro de seus ocupantes, outorgando um panorama mais complexo dos assentamentos e facilitando o reconhecimento de seus moradores como cidadãos de pleno direito.

O enriquecimento de alguns dos moradores da favela, a fiscalização, os contratos de moradia, o bem material em sua revalorização como motivo principal de conflito (a moradia, a terra, e os problemas que isso implica), a educação do favelado em seu caminho para converter-se num “autêntico cidadão de asfalto”, a insegurança da terra, a falta de títulos de propriedade, a privatização, a herança e as tradições culturais encaixadas em modelos sociais, aos quais a população deve aprender a adaptar-se, constituem os principais motivos de conflito pela terra nas “favelas pacificadas”.

A abordagem institucional tem sido a adotada para a resolução dos conflitos fundiários durante o programa de pacificação. É um dos pontos sensíveis que busca a cooperação dos diferentes agentes, tais como a Associação de Moradores, na entrega e certificação dos registros de terra e moradia. A este agente somam-se outros, como as próprias UPPs, através da mediação de conflitos tais como a coordenação das queixas que surgem após o reconhecimento de terras que, agora, possuem legitimidade muito valorizada. A estas duas instituições encarregadas de fazer a gestão e resolver a questão fundiária somam-se instituições que, paralelamente ao seu trabalho, desenvolvem importantes funções na etapa de transição para a “paz” (o pós-conflito) – o governo local, o poder judicial e as autoridades religiosas tradicionais.

Cada instituição está presente em diferentes níveis de legitimidade, e todas juntas, em sua interação e resultados, compõem o “governo da terra”, determinando seu uso e a forma pela qual as decisões são implementadas e executadas. Na questão da terra, as instituições tradicionais apresentam uma grande resistência às mudanças no “governo” do morro, pelo que sua voz fica latente independentemente de novas formas de resolução de conflitos. Porém, paralelamente às forças que as instituições tradicionais podem exercer sobre a população e a questão fundiária, o governo local desenvolve estratégias de desenvolvimento para estruturar os processos relativos a esta questão.

A construção de mecanismos para resolver os conflitos de terra passa pela colaboração entre distintas instituições, que atuam de modo distinto. As tradicionais, apesar de não serem encarregadas diretamente de resolver este tipo de conflitos, exercerão, por serem mais resistentes, uma influência que será considerada pelas outras instituições diretamente relacionadas com a questão da terra. O fortalecimento das igrejas como agentes dominantes neste contexto pode se traduzir no fortalecimento do impacto dos seus códigos morais nestas favelas.

O estudo da questão fundiária torna-se imprescindível, na medida em que o volume percebido de conflitos pela terra e moradia é muito numeroso, dentro das favelas com Unidades de Polícia Pacificadora. Requer-se, portanto, o fortalecimento da segurança de posse, de modo a evitar que o governo possa facilitar a expropriação de civis em favor dos investidores que estão surgindo em torno do “bolo da revalorização” que os grandes eventos fortaleceram. Sem essa segurança, a família desapropriada se empobrece, recebe uma compensação mínima ou nenhuma, e o analfabetismo infecta os setores mais desfavorecidos, podendo convertê-los em pessoas mais vulneráveis ante os abusos possíveis nesta terra de “presente e de futuro”.

Referências

BAYARRI, Gabriel. (2014) Entrevista con Luiz Eduardo Soares. In: Brasil con Ñ. Blog. Folha de São Paulo. Internacional. 20/03/2014http://brasilcomn.blogfolha.uol.com.br/2014/03/20/las-upps-no-se-tornaran-una-politica-publica-sostenible-y-universalizada-si-no-son-acompanadas-de-una-revolucion-radical-en-las-policias/

(3) KANT DE LIMA, Roberto; MOTA, Fabio Reis; PIRES, Lênin. Efeitos da Igualdade e da Desigualdade no espaço público da Amazônia. In: Deborah Lima (org). Diversidade Socioambiental nas Várzeas dos rios Amazonas e Solimões. Manaus: IBAMA, PróVárzea, 2005.

(1) UN. Land and conflict. Wealth, Sharing and natural resources. Environmental Mediation. 2012

Leia Também:

Um comentario para "UPPs, especulação imobiliária e desigualdade"

  1. Lisboa Elia disse:

    MORADIA POPULAR / VERGONHA NACIONAL
    A TERRA É UM DIREITO NATURAL QUE JÁ NASCE COM AS PESSOAS
    http://democraciadiretanobrasil.blogspot.com.br/2012/12/moradia-nacional-vergonha-nacional.html
    Não podemos nos conformar com um sistema extremamente injusto, expropiador, e especulativo. Injusto, porque beneficia quem não precisa: expropiador, pq faz um verdadeiro confisco de um direito de todos os cidadãos, a terra; especulativo, pq permite manipulações no mercado imobiliário, que garantem lucros exorbitantes aos especuladores, qu
    e não produzem absolutmente nada, mas se enriquecem.
    NINGUÉM INVENTOU, CRIOU, OU PRODUZIU A ÁGUA DA CHUVA
    NINGUÉM INVENTOU, CRIOU, OU PRODUZIU O AR QUE RESPIRAMOS
    NINGUÉM INVENTOU, CRIOU, OU PRODUZIU OS RAIOS DO SOL
    NINGUÉM INVENTOU, CRIOU, OU PRODUZIU A TERRA
    Como alguém pode vender a terra? Isso é o mesmo que vender a chuva, os raios solares, ou o ar que respiramos. É uma vergonha, não existe justificativa pra que pessoas morem embaixo de um viaduto, pq não tem um pedaço de terra, nem pra construir um barraco. Podem até vender a rede de esgoto, a canalização de água, a eletrificação da rua e sua pavimentação, mas nunca a terra. A terra é de todos, e não pode ser vendida.
    Todo o brasileiro maior de 21 anos ou casado, deveria ter direito a um pedaço de terra, nem que fosse a título de comodato, evitando fraudes, e comércio com os mesmos. A quantidade é uma coisa que deveria ser debatida por especialista, e o povo decidisse depois de ouvi-los; mas a meu ver, uma área de 125 metros quadrados estaria boa. Qdo um casal se unisse, ficaria com uma área de 250 metros quadrados. Para que 200 milhões de habitantes tivessem esse direito, admitindo que todos fossem adultos, seriam necessários 25.000 quilômetros quadrados de área. Para um país com uma área de 8.514.876 quilômetros quadrados, isso significa o mesmo que nada, menos de 0,3% de sua área total.
    http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartografia/default_territ_area.shtm
    MAS QUE PAÍS É ESSE?
    Isso é uma
    VERGONHA VERGONHA VERGONHA
    De quem são os outros 99,7%? Quem são os donos do país? Como podemos permitir uma discrepância dessas? A maior parte da população não tem a propriedade nem de 0,3% do nosso território. Estamos tratando as pessoas pior do que animais, porque muitas reservas florestais são criadas justamente pra que animais tenham um local para viverem. Uma parte é do governo? Porque então não distribui pra quem precisa?
    Que espécie de parasitas são esses, que estão roubando o
    DIREITO NATURAL DE TODO O SER HUMANO?
    Olhem bem pra eles, esse corja de corruptos, que se enriquecem sem trabalhar, às custas da miséria dos outros:
    http://deputadoamauri.com.br/new/wp-content/uploads/2011/09/materia_voto_secreto.jpgExiste
    Muita gente também está por trás deles, que não vemos. Eles são os responsáveis por essa vergonha, que coloca milhões de brasileiros em condições precárias, confiscando um direito, que todo o ser humano tem desde quando nasce. Essa prática vergonhosa, que torna precária a vida de nossos cidadãos, destrói os sonhos de nossos jovens, e promove um verdadeiro
    CONFISCO DE RECURSOS EM NOSSA INDÚSTRIA E COMÉRCIO,
    dá-se única e exclusivamente em benefício dos parasitas, os especuladores do mercado imobiliário. Uma classe que prospera como um verme, enriquecendo-se sem produzir absolutamente nada. Por isso eles compram os políticos, pagando suas campanhas eleitorais. Pq querem que esse verdadeiro
    CRIME ECONÔMICO E SOCIAL,
    além de protegido pela lei, também praticamente não pague imposto. O crime “legal” acontece, com os parasitas comprando vastas áreas de terra ao lado da área urbana das cidades. Eles tem recursos para montar uma empresa, investir no mercado de ações, ou simplesmente aplicar o dinheiro, que com uma oferta maior, traria juros mais baixos. Mas não, eles compram terras sem necessidade, apenas para especular, sem nenhuma função social. Como estão na área rural, praticamente não pagam impostos; já que a lei é feita apenas por eles, garantindo uma verdadeira isenção à especulação imobiliária. Grande parte da população acaba marginalizada criminosamente, pq isso é um crime contra a economia popular.
    Onde estão nossos juízes? Que justiça é essa que protege criminosos? Será possível que os integrantes dos mais altos tribunais não tem conhecimento disso? Porque será que eles são nomeados pelos presidentes e governadores? Quem paga a campanha política desses caras, que indicam juízes ao seu bel prazer? Onde está a função social dessas propriedades adquiridas apenas para especulação? Se a propriedade não exercer uma função social, ela não deveria nem ser protegida pela justiça, isso é um mandamento constitucional desrespeitado pela grande maioria de nossos tribunais. Que função social exercia, por exemplo, as terras do Pinheirinho, cujos moradores ocupantes foram violentamente removidos do local, e seus bens arbitrariamente confiscados e destruídos?
    QUE JUSTIÇA É ESSA QUE PROTEGE OS ESPECULADORES CRIMINOSOS?
    Precisamos agir, os parasitas políticos até hoje não trouxeram justiça à sociedade, regulamentando de forma equilibrada o que vem a ser a função social da propriedade imóvel. Isso deixa à livre interpretação da “justiça”, o que vem a ser essa função social; que tem considerado legais gigantescas áreas de especulação imobiliária.
    Vejam também:
    http://www.youtube.com/user/DEMOCRACIADIRETAJA?feature=mhee
    A especulação precisa não apenas ser combatida, mas também criminalizada, porque de fato constitui um crime contra a economia popular, que, com nosso atual sistema jurídico, só será caracterizada como crime, se estiver descrita no código penal com todas as letras. A especulação não produz nada, e constitui uma das práticas mais nocivas à sociedade. Na medida em que o especulador se enriquece, isso ocorre justamente, pq as pessoas precisam de um pedaço de terra, para fazer sua moradia, e não encontram nada que possam pagar; pois os especuladores compraram toda a área em volta da área urbana da cidade, e só vendem, quando seu valor estiver muito alto. Eles estão tranquilos porque o governo, por eles comprado, praticamente não lhes cobra imposto.
    Precisamos acabar com isso, e exigir que as áreas pŕoximas à área urbana também paguem IPTU. Por isso lutamos pelo direito de solicitar plebiscitos, porque acreditamos que os políticos corruptos e comprados jamais farão isso. No dia em que for cobrado mais imposto desses especuladores, eles venderão suas terras por qualquer preço. As pessoaś poderão comprar áreas de 500 metros quadrados por menos de 5 mil reais. E mesmo assim não conseguirão vender tudo, que será devolvido às prefeituras, as quais ficarão continuamente com áreas de terra sobrando, para doar à população de baixa renda.
    A ESPECULAÇÃO ACABA COM NOSSA ECONOMIA E EMPRESAS
    Os americanos, depois que se tornaram independentes da Inglaterra, em poucos anos ultrapassaram os europeus economicamente. Isso ocorreu porque enquanto todas as terras já tinham donos na Europa, nos EUA era só ir mais pro oeste, e pegar o quanto quisesse. Nem precisa ser economista pra perceber, nem contas são necessárias. Quando não tem o parasita, o especulador, todo dinheiro do bolso dos trabalhadores vai direto pra indústria e o comércio. O que transformou aquele país numa verdadeira locomotiva econômica, transformando-se no maior império da história mundial. Não estamos promovendo o modelo americano, que fazemos muitas críticas, mas o que tem de bom deve ser copiado e até aperfeiçoado. Os EUA mudaram muito, e adivinhem qual o estopim de uma das maiores crises econômicas de todos os tempos:
    A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA
    (Quem quiser conferir, leia o livro “A História da Economia Americana” da editora Record.)
    Nas relações de consumo os dois lados saem contentes, pois quem vende recebe o dinheiro, e quem compra adquire o bem. Na especulação, só o parasita é beneficiado. Vamos acabar com isso. Veja mais:
    http://www.youtube.com/watch?v=YC28AEXSU_g&feature=plcp&noredirect=1
    — em TRABALHADORES SEM TETO.
    O pessoal tem perguntado, como ficariam as construtoras nesse caso; preocupados com o fechamento delas, e o consequente desemprego.
    Ora, as construtoras o problema delas seria outro; e quem deveria resolver é o BNDES, já que precisariam crescer ainda mais. Se o povo, não precisar deixar a parte do parasita, vai sobrar dinbeiro pra fazer uma casa bem maior, e mais luxuosa. Os condomínios verticais praticamente acabarão, surgindo os horizontais. Pois nada impediria, que as prefeituras cedessem às empreiteiras vastas áreas de terra em volta da área urbana da cidade, com prazo para começar a pagar IPTU depois de, digamos, uns 2 anos. Em vez de latas de sardinha, eles construiriam bairros inteiros, com ruas largas e rotatórias em todos os principais cruzamentos, evitando o trânsito. As casas seriam em terrenos de no mínimo 250 metros quadrados, num padrão bem melhor que as habitações populares de hoje, já que as pessoas, uma vez que não fosse repassado o custo do terreno, teriam condições de comprar um imóvel melhor. Com a racionalização da construção, dificilmente alguém conseguiria construir individualmente por um preço mais vantajoso. O Brasil seria o paraíso da construção civil : )
    Outra medida importante para evitar a especulação imobiliária, seria o IPTU progressivo obrigatório, constitucional. Se você tem uma casa, vai pagar IPTU normalmente, se compra uma casa na praia, ou no campo (desde que não seja uma grande propriedade e considerada improdutiva) também pagará IPTU normalmente; mas se comprar uma segunda casa, aí já começa a especulação, e o IPTU deve dobrar, na terceira casa triplicar, na quarta quadruplicar, e assim por diante. Devemos ter tolerância zero com a especulação imobiliária, quem tem dinheiro sobrando deve montar uma empresa, ou ficar sócio de uma, investindo no mercado de ações. Caso contrário, os especuladores ainda podem comprar várias casas das construtoras, e deixá-las valorizando, além de explorar seus aluguéis.

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