Um corpo na Universidade

Além da censura, agora um cadáver foi usado, no Rio, para intimidar a resistência democrática. É preciso seguir as pistas da provocação e – em especial – derrotar Bolsonaro



Por Antonio Martins ! Vídeo: Gabriela Leite

Sexta-feira dia 26 de outubro. Boa tarde. Este é Outro Olhar, o programa de análises em vídeo e áudio do Outras Palavras. Um fato muito grave está ocorrendo nas universidades brasileiras desde a noite de ontem e culminou há poucas horas num fato inusitado, no centro do Rio de Janeiro, diante da Faculdade de Direito da Universidade Federal. Um corpo cravejado de balas, e desovado num carro, foi colocado ao lado do local onde os estudantes realizavam uma aula pública em defesa da democracia, contra o autoritarismo.
Este fato foi a sequência de um conjunto de atos de censura desencadeado ontem, pela Justiça Eleitoral e pela polícia, em outras universidades – duas do Rio (a Universidade Federal Fluminense-UFF e a Universidade Estadual do Rio-UERJ), uma no Rio Grande do Sul (a URFGS), três na Paraíba e a Universidade Federal do Pará. Decretou-se a proibição de debates, a entrada da polícia para pressionar professores que falavam contra o autoritarismo e o confisco de panfletos antifascistas.
No centro desta ação está a Justiça Eleitoral. Isso fornece uma primeira pista para compreender com precisão o que está acontecendo e de onde vêm essas ameaças. É importante lembrar o funcionamento da Justiça Eleitoral e do Judiciário de uma maneira geral. Nenhum juiz toma atitudes sem ser provocado por uma suposta parte em litígio ou o Ministério Público. Estes fatos – intervenções policiais a mando da Justiça Eleitoral, proibição de atos realizados nas universidades – nunca tinham ocorrido antes nas eleições, em tempos de democracia. Deram-se quase simultaneamente, na mesmo dia e com um pequeno intervalo de horas. Juízes eleitorais de
diversas partes do país emitiram ordens muito semelhantes. É preciso um trabalho de investigação jornalística. Mas uma hipótese muito concreta e provável é que uma enxurrada de pedidos de intervenção judicial tenham sido lançada ao longo do dia de ontem, provavelmente não apenas nas cidades citadas há pouco. Pediu-se que os juízes autorizassem medidas antidemocráticas. É bem provável, pela simultaneidade dos atos, que alguém (muito provavelmente ligado a um candidato que se sentiu prejudicado por essas manifestações democráticas) tenha demandado da Justiça centenas de medidas de censura ou de proibição de atos democráticos. As ações foram protocoladas todas na primeira instância. Alguém disparou centenas de pedidos, para centenas de juízes. Alguns desses juízes menos democráticos tenham aceito as petições e decretado as medidas de censura ou as medidas de proibição de atos.
Ou seja, a responsabilidade concreta é dos juízes. Mas há um fato anterior que precisa ser investigado. Nossa hipótese é que houve uma ação coordenada, para que da dezenas ou centenas de petições de censura, de apreensão de faixas e panfletos, de presença de polícia nos campi universitários, algumas dessas fossem aceitas pelos juízes. Portanto, há a decisão absurda de alguns supostos magistrados, mas há uma ação coordenada por trás disso.
Estes fatos relacionam-se, agora, com sangue – com o aparecimento de um corpo bem ao lado de onde os estudantes da UFRJ realizavam uma aula pública pela democracia, no centro do Rio. O jornal O Globo trouxe há pouco uma imagem espantosa, que mostra a proximidade entre o carro onde foi deixado o corpo de uma pessoa a cravada de balas e o local em que os estudantes estavam realizando essa aula pública. Ou seja, alguém tomou a decisão consciente de colocar um corpo bem diante de onde estava sendo realizado na assembléia para dar um recado; para dizer que lutar pela democracia pode agora significar a morte.
Temos um padrão que repete o que se deu em ditaduras latino-americanas dos anos 1960 e 70. Há participação de agentes do Estado – no caso,juízes eleitorais que determinaram a intervenção policial nos campi universitários. A estas decisões somam-se ações ilegais promovidas, no Rio de Janeiro, provavelmente por milícias para-policiais. É bem possível que o corpo tenha sido colocado diante da Universidade Federal por uma milícia, com objetivo claramente intimidatório.
Uma investigação tanto policial (que no Rio sob intervenção federal parece improvável) quanto jornalística (algo que os meios de comunicação tradicionais têm condições de fazer) poderia pesquisar o conjunto de petições apresentadas nos últimos dias à Justiça Eleitoral, pedindo proibição de atividades, apreensão de material e entrada da polícia nos campi universitários. É evidente que por trás disso tudo está uma tentativa de intimidação brutal, com a colocação de um cadáver simbolicamente indicando a disposição dessa gente de praticar todo o tipo de crime.
Esta investigação é importantíssima, porque não basta denunciar a escalada de violência. É necessário identificar aos mecanismos pelos quais ela se dá e, se possível, identificar os autores dessa enxurrada de petições de censura, de presença da polícia nos campi universitários e de proibição das atividades. A suspeita é evidente. Uma apuração jornalística poderá confirmá-la. Esclareceria muito sobre o que ocorreu nestas eleições nos últimos dois dias e meio. Demonstra a importância de um esforço ainda mais intenso, nas últimas horas que restam, para reverter a ameaça de um resultado indesejável e perigosíssimo nas eleições.
As últimas pesquisas mostram que é possível uma virada. A partir do momento em que começou a ficar clara, para setores mais amplos da população, a ameaça autoritária e fascista expressa pelo candidato Jair Bolsonaro; e em que foi ao menos reduzida a rede de difusão de notícias falsas via Whatsapp, Bolsonaro começou a declinar. A distância para Fernando Haddad diminuiu bastante. Fatos como o de hoje, quando um corpo foi lançado diante de uma assembléia de estudantes, deveriam servir de alerta e de mobilização, num grande esforço de última hora para defender a democracia e evitar a vitória do candidato fascista.
Voltaremos nos próximos dias, com mais informações e análises. Um abraço, bom esforço final. Podemos juntos evitar a derrota da democracia.

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2 comentários para "Um corpo na Universidade"

  1. se os indecisos e os arrependidos de ter acreditado em tanta mentira não reagem, embora seja só pelo medo do que vai acontecer com tudo brasileiro honesto…
    vão sofrer as consequências, ninguém poderá fugir do desastre

  2. gustavo_horta disse:

    COMPARTILHA PRA VALER!!!!!
    Saia de cima do muro, por favor!
    > https://gustavohorta.wordpress.com/2018/10/25/saia-de-cima-do-muro-por-favor/
    Eu me dirijo sobre tudo aos 30 milhões de brasileiras e brasileiros que se omitiram no 1º turno e que agora se analisarem com cuidado as duas propostas devem sentir que a omissão neste momento pode os jogar num fosso de violência e de atraso. Apresento aqui o resultado de minha leitura apenas com o objetivo de estimular que exatamente leiam as propostas para sentirem se vale a pena ficar omissos e deixarem que os outros decidam por si.  Mais do que isto, venham para a campanha para nos ajudar a evitar uma tragédia que permitir que os militares voltem a tutelar a nossa política. …. …

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