SP: três lições que a crise hídrica poderia ensinar

Consumo caiu consideravelmente e poderia baixar mais. Modelo de negócio da Sabesp favorece desperdício. Nova lógica precisa enxergar água como bem comum

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Por Edson Aparecido da Silva

Passado mais de um ano da crise de abastecimento de água que afeta muitas cidades do estado e toda a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), com mais de 21 milhões de habitantes, e após a divulgação do balanço de 2014 da Sabesp, já temos elementos para um breve balanço da crise.

A falta de chuvas e as altas temperaturas do verão de 2013-2014, com o consequente aumento do consumo de água, foram o estopim para o colapso dos sistemas de abastecimento, principalmente do Sistema Cantareira.

A pergunta que deve ser respondida é se, apesar dos fenômenos observados anteriormente, teríamos que estar passando por essa crise que afeta de forma mais significativa as periferias de nossas cidades. A resposta é não.

Isso se o governo do estado tivesse transformado em ações práticas os estudos e projetos existentes desde os anos 1990 e se tivesse atendido as recomendações contidas na portaria DAEE do ano de 2004, que autorizou a renovação da outorga do sistema Cantareira e que previa entre outras coisas o seguinte:

“Artigo 11 – A SABESP deverá elaborar, no prazo de 12 (doze) meses a partir da publicação desta Portaria, em articulação com o DAEE, a ANA e os Comitês PCJ e AT, um Plano de Contingência para ações durante situações de emergência.

Artigo 16 – A SABESP deverá providenciar, no prazo de até 30 (trinta) meses, estudos e projetos que viabilizem a redução de sua dependência do Sistema Cantareira, considerando os Planos de Bacia dos Comitês PCJ e AT.

Artigo 17 – A SABESP deverá manter programas permanentes de controle de perdas, uso racional da água, combate ao desperdício e incentivo ao reuso de água, apresentando, anualmente, relatórios ao DAEE e à ANA que disponibilizarão os dados ao Comitê das Bacias Hidrográficas do Alto Tietê e dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.”

Estas medidas não foram adotadas e o pouco que foi feito não apresentou resultado positivo.

Quadro atual e perspectivas

O racionamento que afeta a população da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) se dá através da chamada “redução da pressão na rede” de dez metros de coluna d’água (um valor determinado por norma técnica), para um metro de coluna d’água em 60% da área de cobertura da rede de distribuição. Nos outros 40%, devido a inexistência de válvulas redutoras de pressão, não há redução e sim o fechamento manual dos registros, direto nos reservatórios ou nas redes de maior porte. Na maioria das localidades, ocorre a partir da tarde e volta na manhã seguinte.

Essas medidas, somadas à concessão de bônus e a imposição de multa aos usuários, resultaram em redução do consumo e diminuição das perdas. As chuvas, que voltaram com forte intensidade em fevereiro e março, superando um pouco as médias históricas, não serão suficientes para recuperar os volumes armazenados nos reservatórios dos sistemas Cantareira e Alto Tietê a níveis que proporcionem segurança hídrica no próximo período de estiagem que se iniciou no final de abril.

Novo quadro do abastecimento de água na RMSP

Um novo parâmetro de consumo na RMSP se desenha a partir dessa crise. A produção de água na região baixou de uma média de 70m³/s (70 mil litros de água por segundo) para 51,71m³/s, diminuição de 26%. No sistema Cantareira, que é o maior, a produção baixou de 33m³/s para 13,70m³/s, ou 58,48%, demonstrando que a condicionante de redução da dependência do Cantareira, para a renovação da outorga em 2004, era possível. O consumo per capita na RMSP, que era de 163 litros por habitante por dia em janeiro de 2014, passou a 126 l/hab/dia no final de dezembro do mesmo ano. Isso mostra que há espaço para redução do consumo.

Faz-se necessário realizar um estudo que aponte qual seria a real demanda de produção de água para atender a população, garantindo o abastecimento de forma adequada para satisfazer suas necessidades. Isso porque a redução de produção e consumo, que observamos hoje, não reflete a realidade em razão do racionamento forçado. É a oportunidade que temos de tratar a gestão da água considerando não apenas a demanda mas também a oferta.

Sabesp em números

Em 2014, a empresa gerou uma receita líquida de aproximadamente R$ 11,2 bilhões e um lucro líquido de R$ 903 milhões. Seus ativos totalizam R$ 30,4 bilhões e seu valor de mercado era de R$ 11,6 bilhões em 31 de dezembro de 2014. Fornece água para 28,4 milhões de pessoas (25,3 milhões com distribuição própria e 3,1 milhões de pessoas que vivem nos municípios que compram água da Sabesp no atacado: São Caetano do Sul, Santo André, Mauá, Guarulhos e Mogi das Cruzes). Coleta o esgoto gerado por 22,4 milhões de pessoas e atende aproximadamente 67% da população urbana do estado de São Paulo.

A empresa oferece serviços de consultoria sobre uso racional da água, planejamento e gestão comercial, financeira e operacional. Atua no Panamá, Honduras e Nicarágua, sendo nos dois primeiros países em parceria com a Latin Consult. Apesar de prestar consultoria internacional de gestão comercial e uso racional da água, continua perdendo 29,8% da água que produz, divididos em 18,8% de perdas físicas e 11,0% de perdas comerciais, segundo dados oficiais da empresa que muitos especialistas consideram subestimados.

O estado detém 50,3% das ações da Sabesp, 24,9% são negociadas na bolsa de Nova York e 24,8% na Bovespa.

Reajuste de Tarifas

A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (ARSESP) decidiu acatar pedido de revisão tarifária extraordinária da Sabesp, alegando ser este um mecanismo previsto no inciso II, art. 38 da Lei Federal 11.445/2007, que estabelece a reavaliação das condições da prestação dos serviços e das tarifas praticadas “quando se verificar a ocorrência de fatos não previstos no contrato, fora do controle do prestador dos serviços, que alterem o seu equilíbrio econômico financeiro”. A revisão solicitada é de 13,8%.

Em nossa opinião não é justo que população arque com mais esse ônus causado pela incapacidade da Sabesp em adotar as medidas necessárias para evitar que a empresa enfrentasse a situação de desequilíbrio econômico e financeiro, que vive hoje, ocasionada pela queda do consumo e pela concessão de bônus. Ressalte-se que a justificativa adotada pela empresa relaciona-se ao aumento dos gastos com energia elétrica. Não concordamos com a tese de que a decisão adotada tenha relação com a “ocorrência de fatos não previstos”, já que, como demonstramos, as medidas necessárias para se evitar a crise não foram tomadas em tempo hábil.

A crise que ora enfrentamos significa a decretação da falência de um modelo de gestão do saneamento que há muito tempo trata os serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos como um negócio e, por isso mesmo, nunca se interessou em realizar campanhas permanentes de redução de consumo. Afinal, vender água tornou-se um dos objetivos-fins da Sabesp. Quanto mais água vende, mais receita e lucro obtém e mais dividendos distribui aos seus acionistas. Esse modelo de negócio prioriza as grandes obras e não se preocupa em atuar na compatibilização da demanda em relação à oferta. Investimentos em redução de perdas de água têm se demonstrado ineficientes e programas de reuso são pífios.

A falta de transparência e democracia tem sido a marca desse governo com relação à gestão dos recursos hídricos no estado. A falta de priorização do tratamento de esgotos que polui os corpos d’água que cortam as cidades da RMSP é, sem dúvida, um dos problemas a serem enfrentados para termos água em condições de tratamento para consumo humano. Construir uma empresa democrática, transparente com controle social e que trate a questão da água e do saneamento como um serviço público essencial deve ser um dos principais desafios colocados para o próximo período.

*Coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental e membro do Coletivo de Luta pela Água

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