Sinais da presença internacional do MST

Impressões de viagem: num campus universitário dos EUA, os sem-terra brasileiros inspiram iniciativas de agricultura orgânica e esforços para articular formação política e ativismo

Manifestação na Faculdade de Recursos Naturais da Universidade de Berkeley, em 7 de dezembro de 2017, contra destruição da horta comunitária para construção de um prédio -bandeira do MST à direita

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Por Celso de Alvear

Em uma segunda-feira à noite em Berkeley (California/Estados Unidos), no dia 16 de outubro de 2017, cerca de 15 jovens se reuniram em um república de estudantes para começar a discutir temas como Capitalismo, Socialismo, Neoliberalismo, Racismo, Feminismo e luta pela terra. No centro do capitalismo mundial, discutiam como podiam desenvolver ações revolucionárias em suas localidades, inspiradas pela luta do MST

Vim com minha família morar seis meses em Berkeley como professor visitante. Apesar de haver muitas lutas e reflexões de esquerda interessantes aqui, umas das coisas que me chamou mais a atenção foi como o MST é uma influência muito forte em grupos que trabalham com agroecologia e com a luta pela produção local de alimento e contra a especulação financeira na cidade.

Perto da minha casa, conheci o SOGA, uma horta agroecológica auto-organizada por estudantes da universidade de Berkeley. Nela, os estudantes produzem alimentos saudáveis, fazem atividades abertas aos moradores do bairro e promovem palestras e eventos culturais. Cerca de 400 kg de alimentos são doados por ano para um programa da universidade que ajuda estudantes pobres.

Uma dessas palestras foi com a militante Effie Rawlings, que tinha acabado de voltar de uma formação com o MST pela brigada internacional dos Amigos do MST e que havia estado na Escola Nacional Florestan Fernandes e em diversos assentamentos. O objetivo dessa palestra, além de retornar ao coletivo de estudantes sua experiência com o MST, era pensar estratégias de resistência para o SOGA, pois a universidade tem um projeto para construir novos prédios no terreno.

Aqui nos EUA, mesmo as Universidades Públicas são pagas (e são caras) e são gerenciadas com uma lógica empresarial, muitas vezes por reitores indicados por conselhos que têm como membros presidentes de empresas.

Manifestação em defesa da Horta Comunitária Gill Tract, (2012) em terreno que a Universidade de Berkeley pretendia desocupar

Effie já tinha passado por processo semelhante quando era estudante na Horta Comunitária Gill Tract em 2012, na mesma cidade. Ela e muitos moradores do bairro ocuparam um terreno da universidade para evitar que fosse vendido para gerar lucro à instituição. A ocupação enfrentou agressões policiais, processos na Justiça e, depois de muita luta junto com muitos moradores que entenderam a importância de transformar o terreno em uma horta comunitária, conseguiram negociar com a Universidade e a prefeitura sua permanência no local.

Assim, Effie se juntou com Rebecca (Becky) Tarlau, que fez doutorado sobre o MST em Berkeley, vivendo em acampamentos e assentamentos por quase dois anos entre 2009 e 2015, com Dasha Pechurina e Grace Treffinger, ambas estudantes da universidade e coordenadoras do SOGA, para pensarem um grupo de estudos de formação política. As quatro militantes, inspiradas pela metodologia do MST, formaram a CPP (Coordenação Político Pedagógica).

No dia 16 de outubro de 2017, começaram a primeira experiência desse grupo de estudos. Com duração de seis semanas, com encontros semanais nas segundas à noite, debateram temas como marxismo, neoliberalismo, globalização, racismo, colonialismo, feminismo, movimentos de resistência, soberania alimentar entre outros. Além disso, usaram a pedagogia do MST, realizando místicas no início de cada debate, com a contribuição de todos trazendo lanches, a turma dividida em Núcleos de Base e em, cada semana, um era responsável pelo trabalho manual, como organizar o espaço da aula e limpar a louça no final.

Assim, esse grupo tinha como objetivo ajudar na formação política para que os membros do SOGA possam entender melhor o contexto em que a luta deles está e também em formas de se organizar para resistir com mais força. O MST nesse sentido é uma grande inspiração pra todos, com sua organização, com sua metodologia de educação, com sua solidariedade internacional e com todas as conquistas que teve ao longo de sua existência.

Como atividade final do grupo de estudos, seguindo a metodologia de sempre unir teoria e prática, o coletivo realizou um ato na Faculdade de Recursos Naturais da Universidade de Berkeley, em 7 dezembro de 2017, com o objetivo de pressionar a administração a desistir do projeto de construção no local da horta comunitária. Nesse ato foram realizadas místicas inspiradas pelo MST, uma conferência de imprensa para publicizar o problema, para a qual o diretor da faculdade foi convidado a participar, e um debate público de forma a mobilizar mais pessoas a aderirem a essa luta.

A Horta Comunitária Gill Tract, em Berkeley

Aproveitei uma dessas reuniões para entrevistar a CPP e alguns alunos:

Celso: Como o atual contexto dos EUA com Trump afeta a agricultura familiar e a agroecologia?

Grace: Nós estivemos envolvidas em lutas locais pela terra e pela agroecologia nos EUA e isso sempre esteve à margem. Agroecologia e reforma agrária não são apoiadas por republicanos ou democratas, pois são eles que aprovaram o NAFTA em 1994. Nenhum partido apoia a agricultura em pequena escala nos EUA

Embora não sintamos em nossas organizações as consequências diretas da eleição de Trump, ele mudou o contexto, ajudando a articular um projeto supremacista branca mais abertamente racista. Um efeito que observamos foi este cenário ter levado a mais pessoas a se envolverem em ativismo. Por exemplo, há um aumento no engajamento na SOGA.

No que diz respeito a maiores efeitos na agricultura, Trump alimenta o medo dos trabalhadores agrícolas imigrantes com potenciais efeitos para a agricultura (grande e pequena). Nós não estamos sentindo diretamente essas consequências em nossas organizações.

As implicações não são claras, mas sentimos um retorno ao paradigma neoliberal clássico com uma curva fascista da supremacia branca.

Um pedaço de esperança é que os movimentos da terra e da soberania alimentar estão em melhor posição do que na década de 90 globalmente. Embora não tenhamos apoio dos partidos políticos, estamos trabalhando para a transformação dos sistemas alimentares.

Celso: Como vocês tiveram contato com o MST?

Rebecca: Primeiro, é importante dizer para os brasileiros que aqui nos EUA os movimentos sociais fazem ações, protestos, marchas, mas não há ações de educação e formação de seus membros em praticamente nenhuma organização. Os movimentos sindicais, que antigamente faziam essa formação política dos trabalhadores, atualmente só formam as pessoas para serem membros do sindicato.

Assim, meu contato com o MST tem a ver com essa frustração em relação aos movimentos sociais daqui e sua falta de ações de educação e formação política -e minha vontade de entender como os grandes movimentos sociais incorporam ações de educação.

Dessa forma, vim fazer doutorado aqui em Berkeley com o objetivo de estudar como MST incorpora a educação nas suas lutas. Desde 2009 comecei a frequentar assentamentos do MST, ou seja, durante aproximadamente oito anos pude aprender muito sobre como o MST insere a educação em sua luta, e mais do que qualquer outro movimento social que conheço consegue sempre envolver novas pessoas na organização, na liderança, ou seja são tantas lições para os movimentos sociais nos EUA. Pretendo agora trazer essas experiências para dentro dos movimentos sociais daqui.

Effie: Eu tive dois contatos com o MST. Minha primeira vez foi no congresso nacional em fevereiro de 2014 e minha segunda vez foi nesse ano junto com a brigada internacional dos Amigos do MST (Europa e EUA), na Escola Nacional Florestan Fernandes. Nessa brigada visitamos também quatro ou cinco ocupações e assentamentos e foi realmente inspirador ver o quanto o MST já conquistou em seus trinta e poucos anos, e me fez pensar como temos que agir em todos os níveis, elegendo candidatos, fazendo cursos dentro das universidades e fazendo ações direta como ocupações.

Vimos como isso funciona, vimos pessoas que cresceram desde crianças nos acampamentos, como uma mulher que conhecemos, que se formou em economia e hoje ajuda cooperativas do movimento, conectando assim diferentes espaços do movimento dentro de uma estratégia.

Então, ainda é difícil de imaginar que chegaremos lá, como o MST, mas nos serve de inspiração para tentarmos atingirmos nossos objetivos.

Rebecca: É importante dizer também que eu e Effie fazemos parte dos Friends of MST (Amigos do MST), que é uma organização dos EUA feita inicialmente em solidariedade e para ajudar o MST, mas que hoje também é um coletivo organizado que busca trazer lições do MST para os movimentos dos EUA, por ter esse papel importante, conectando organizações da a América Latina e por todo o mundo, com formações em inglês e para países da Africa, para Índia, EUA e outros.

Celso: Por fim, como vocês imaginam que esse grupo de estudos pode contribuir na luta de vocês?

Dasha: O grupo de estudos nos ajuda a dar contexto a nossas lutas locais, para podermos fazer uma análise conjuntural de onde estamos. E assim pensar como colocarmos em prática esses conceitos que viemos aprendendo. E, para mim, uma coisa que venho aprendendo muito é como estruturar e organizar nossos coletivos e realmente gosto dessa ideia de grupos de base e como comunicar as ideias e informações para que as coisas aconteçam, sendo o MST a grande inspiração.

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