Ronaldo Lima Lins: o intelectual e o artista

Ao driblar o esteticismo vazio, e rejeitar o niilismo, ele sustenta que na busca pelo saber sempre há uma ponta de esperança; no esclarecimento, uma via de saída

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Por Haron Gamal

Certa vez, debaixo de um sol a pino, um operário – desses que reparam o calçamento das ruas –, começa a destruir, numa atitude intempestiva, um bloco de granito, peça que é utilizada para delinear o que se costuma chamar de meio fio. Surpreso diante da fúria do rapaz, um senhor de aspecto jovial aproxima-se e pergunta qual a razão de tal atitude. O trabalhador levanta os olhos, interrompe a ação, mas não tem o que responder. Ou, quem sabe, tenha dito alguns palavrões e começado a se arrepender da ação que deixava rastros de pedras em torno da rua e do calçamento. O senhor que fez a pergunta era Ronaldo Lima Lins.

O episódio é o ponto de partida, como se iniciasse um romance, para um de seus livros de ensaios sobre o valor que se atribui ao Saber. Nele, o escritor procura realizar, de modo intenso, uma anatomia cujo objeto principal está centrado no conhecimento e os impulsos que a modernidade mantém ativos como uma verdadeira natureza.

O autor de A construção e a destruição do conhecimento, é um sujeito obstinado pela vida. E um intelectual sempre pronto a uma boa conversa, numa atitude prazerosa, ou mesmo como um meio capaz de levar à reflexão e à busca pelo saber mais refinado. Guarda, como poucos, uma capacidade de elaborar novas formas de se pensar o mundo e de sobre ele agir.

Professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ, da qual foi diretor duas vezes, Ronaldo Lima Lins é também poeta, ficcionista, dramaturgo, e autor de livros filosóficos, nos quais elabora reflexões sobre cultura, literatura e sociedade. Em sua tese de doutorado, O Teatro de Nelson Rodrigues: Uma realidade em agonia, defendida na Sorbonne (Universidade de Paris III), cria uma obra de fôlego ao tratar da obra de nosso maior dramaturgo.

Seus romances, como a Lâmina do espelho, As perguntas de Gauguin, João, o microscópio e a vida selvagem, assim com sua única peça teatral, Jacques e a revolução ou como o criado aprendeu as lições de Diderot, perscrutam o ser humano, a solidão em que se encontram e a ética talvez perdida.

São obras que mergulham na pólis, numa tentativa constante de rever e pesquisar as relações humano-institucionais, como a Política e a solidariedade.

Seus últimos livros no gênero teórico-filosófico são A indiferença pós-moderna, Crítica da moral cansada, o já citado A construção e destruição do conhecimento. Recentemente lançou O saber e os ventos do não saber, pela Mauad. Em seus textos, observamos uma elaborada reflexão que se escora entre epistemologia e existencialismo, escavando soluções para os problemas humanos. Estes observados tanto no plano individual como no coletivo.

De algum modo, a sua leitura de mundo, por intermédio da literatura, revisita autores como Ésquilo, Sófocles, Montaigne, Rousseau, Dostoievski, Tolstoi, Sartre, Camus, Beauvoir, Beckett, Saramago, Coetzze, permitindo reflexões através de uma requintada construção intelectual, que chega ao leitor, às vezes de forma clara, quase sempre intensamente provocadora, isto quando não se deixa revelar de imediato, criando suposições a serem elaboradas mais a frente. Mas as intenções mais significativas estão ali, a exigir um esforço intelectual do leitor, como quem afirma que o mundo não possui uma compreensão tão simples.

Realiza, de alguma maneira, uma conversa entre mestre e discípulo, sem a arrogância e o destempero de quem se imagina dono de um saber absoluto e inabalável. Um mestre, portanto, que está mais disposto a estabelecer um processo dialógico, capaz de ouvir mais do que a afirmar.

Lima Lins dribla todo tipo de esteticismo vazio, não flertando, do mesmo modo, com nenhuma espécie de niilismo. Na busca pelo saber sempre há uma ponta de esperança; no esclarecimento, uma via de saída. Assim como Sartre, acredita que a missão do intelectual é “colocar o dedo na ferida e apontar para os problemas, de modo a destacá-los e convidar às transformações”.

Mudar o mundo constitui a principal argamassa das investigações em torno do saber. Como afirma num dos ensaios de seu último livro, O saber e os ventos do não saber, “a literatura se adiantou às demais formas de pesquisa sobre o homem”, portanto tem como dever não fechar, mas abrir indagações.

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