Reforma Tributária, chave para outro projeto de país

Um dos maiores estudiosos dos impostos brasileiros propõe obrigar os mais ricos a contribuir, isentar as maiorias e promover uma revolução cidadã nos serviços públicos

Um dos maiores estudiosos do sistema de impostos brasileiro propõe caminhos para obrigar os mais ricos a contribuir, isentar as maiorias e promover uma revolução cidadã nos serviços públicos
Paulo Gil Introini, entrevistado por Antonio Martins | Imagem: Gontran Guanaes

Depois de vários anos de retrocessos e melancolia, teremos uma virada do ano de desafios e alguma esperança. A conjuntura brasileira mudou, nos últimos meses. Os responsáveis pelo golpe de 2016 ainda controlam o poder – político, econômico, midiático – mas agora, sofrem desgaste popular profundo e começam a viver divisões graves. Foram incapazes de aprovar a contrarreforma da Previdência, apesar dos rios de dinheiro oferecidos aos parlamentares. Já não se entendem no STF. Seus candidatos à Presidência não decolam.
Que fazer, neste novo cenário? Outras Palavras tem defendido a proposta dos Referendos Revogatórios. É hora de dialogar com a revolta da população, de desafiar a maioria conservadora do Congresso Nacional, de anular, por democracia direta, as leis malditas aprovadas por um governo e um Legislativo ilegítimos, cuja aprovação não passa dos 5%. Até 15 de janeiro estará pronto um site que ajudará a formar e alimentar Comitês Populares pelos referendos. Em 2018, a participação política pode ir muito além de escolher um candidato — e certas ideias perigosas podem unir apoiadores de diversas candidaturas.
Mas os Referendos Revogatórios são apenas um primeiro passo, defensivo. Eles nos libertarão do golpe. E então — o que fazer?
Outras Palavras prepara-se também, em 2018, para debater um novo projeto de país. O tempo de Temer é a agenda de horrores. Mas o período anterior — a primeira tentativa de superar 500 anos de governo das elites — demonstra a insuficiência e os limites das mudanças parciais. Num próximo período, vai ser preciso ir muito além da “inclusão” das maiorias. Será preciso questionar as estruturas de uma sociedade marcada, até hoje, pela colonização e pela dualidade Casa Grande – Senzala.
Escolhemos Reforma Tributária como primeiro tema em nosso esforço por um novo país. Entrevistamos um personagem especial. Paulo Gil Introini é auditor da Receita. Foi, durante vários anos, presidente do Unafisco — um sindicato raro, que sabia combinar luta reivindicatória com projetos de transformação social. Participa, atualmente, da Rede Justiça Fiscal e da Plataforma Política Social. Lá é um dos coordenadores de um projeto de Reforma Tributária para o Brasil contemporâneo. O trabalho estará pronto em maio
Na entrevista a Outras Palavras, Paulo Gil expôs as bases essenciais desta proposta. O Brasil precisa de um choque de direitos. Não será possível falar em democracia enquanto, por exemplo, as periferias conviverem com rios fétidos, muitas horas diárias perdidas no trânsito, filhos mortos pela polícia, Saúde e Educação de terceira categoria. Ou enquanto o país não for interligado por uma rede pública de trens de passageiros e não encarar o desafio de despoluir seus rios.
O discurso neoliberal, repetido pelos jornais todos os dias, assegura que se trata de tarefas impossíveis — pois não há recursos O trabalho que Paulo Gil coordena demonstrará o contrário. Não somos o país de “carga tributária mais alta do mundo”, como dizem alguns. Somos sim, uma nação em que a maioria paga tributos demais e os ricos quase não contribuem. Eis um dos muitos dados espantosos do estudo. Entre as famílias com renda superior a 320 salários mínimo a carga tributária é de apenas 5% — ou 2% no caso de serem empresários. Enqanto isso, cada brasileiro paga, na conta da energia elétrica ou do ceular, uma alíquota de ICMS de 25%.
A Plataforma Políticia Social mostrará, por exemplo, que é preciso tributar — como em todos os país civilizados — os dividendos que os capitalistas recebem sobre seu capital, hoje isentos de impostos. Só aí seria possível arrecadar 100 bilhões de reais, quase todo o déficit primário da União em 2017. Proporá também ampliar as alíquotas de imposto de renda — porque hoje quem ganha um milhão de reais por mês paga os mesmos 27,5% de quem ganha R$ 4600. Defenderá a tributação das grandes fortunas. Lembrará — aqui entra uma grande novidade — que nosso sistema de impostos ainda baseia-se na dinâmicas do capitalismo fordista. Por isso, deixa praticamente isenta a grande fonte atual de acumulação de riquezas, que são as movimentações financeiras.
A Reforma Tributária é essencial, por fim, por quebrar um grande mito. Não, não é preciso eliminar direitos previdenciários ou trabalhistas, nem privatizar os comuns. Não, o Estado não quebrará se deixarmos de fazer as contrarreformas. Porque sim, é preciso e é possível cobrar impostos de quem pode pagar.
No mundo moderno, a Revolução Francesa foi o momento em se tirou dos nobres, das cortes, dos que julgavam ter “sangue azul” o privilégio de não pagar impostos. O Brasil, esta revolução atende pelo nome de Reforma Tributária e por isso é tão importante compreendê-la.
Fique com a entrevista de Paulo Gil — é nossa mensagem de fim de ano a você. Outras Palavras entra em recesso. Volta dia 8 de janeiro, para um ano intenso — de eleições e de luta social, pelos Referendos Revogatórios e por outro país. Será um prazer estar em sua companhia. Boas festas e boas reflexões no fim do ano. Força e sorte para nós todos em 2018.

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3 comentários para "Reforma Tributária, chave para outro projeto de país"

  1. Excelente texto, Antonio. E o tema então, perfeito para iniciar a revogação das mentiras disseminadas irresponsavelmente por comentaristas co-optados pelas narrativas ortodoxas de um passado, agora, já distante e obsoleto. Como Paulo Gil coloca bem, o valor agregado financeiro, múltiplas vezes maior que o material, tem tido passe livre tributário num sistema que perde o bonde da história real enquanto esta vai sendo construída no presente.
    Só um detalhe divergente-provocador, já não vivemos sob o domínio do neoliberalismo, mas do ultra-liberalismo, apoiado naquele, mas transpondo os limites de qualquer tentativa de expressar algo aproximado com a verdade factual. Partiram de Hayek e Von Mises para se embebedarem em um até então desconhecido (um tal de Jonathan Buchanan) da Universidade da Virgínia, com ideias incrivelmente imbecis que alimentam a mente de gente como MBL, Kataguiri, Constantino e outras anomalias neo-conservadoras do Brasil.
    Democracia direta para reverter um estado de exceção é uma ideia forte, mas temo que o nosso caso seja peculiar e diferente. Cito abaixo, em minha tradução, o primeiro parágrafo do último livro do Comitê Invisível (The Invisible Committee. NOW. Los Angeles, Semiotext(e): 2017):
    “Todas as razões para se fazer uma revolução estão aí. Nenhuma está faltando. Os desastres da Política, a arrogância dos poderosos, o reinado da falsidade, a vulgaridade dos ricos, os cataclismos na indústria, miséria galopante, exploração nua, apocalipse ecológico – não somos poupados de nada, nem sequer ser informado sobre tudo isso. ‘Clima: 2016 quebrou novo recorde’, anuncia o Le Monde, o mesmo que quase todo ano. Todas as razões estão aí juntas, mas não são razões que fazem revoluções, são corpos. E os corpos estão em frente a telas.”
    Abraços solidários.

  2. Fernando Ribamar disse:

    Excelente tema! Pena que a entrevista só esteja disponível em vídeo, eu só estou com acesso a internet por 3g, assim como muitos outros leitores…

  3. Carlos Ernest Dias disse:

    Grande Antônio Martins, feliz Natal e ótimo Ano Novo para vc e para o Outras Palavras. O caminho é esse mesmo, irmão, está mais do que na hora da revolução brasileira acontecer, para o Brasil e para o mundo. Concordo que a reforma tributária é um dos primeiros passos,e que ela pode ser o princípio de um grande programa que a população brasileira terá que propor e construir para o país, com ideias e braços, enfrentando os poderosos grupos financeiros nacionais e internacionais.
    Abraço

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