Quem tem medo da sociedade civil

Setores do Legislativo atacam decreto sobre Participação Social. Querem proteger grupos que já têm acesso privilegiado ao poder… e manter-se como intermediários

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Por Felipe Amin Filomeno

A reação negativa das presidências da Câmara e do Senado Federal e dos partidos de oposição ao governo federal diante do decreto 8243 de 2014, que institui a Política Nacional de Participação Social, é uma tentativa de conter o avanço de uma democracia participativa no Brasil. Esta tentativa busca, fundamentalmente, proteger os interesses daqueles grupos sociais que, historicamente, já tem acesso privilegiado ao Estado, porém é apresentada ao público como defesa do princípio da separação dos poderes.

Contrariamente à oposição, juristas do porte de Fabio Konder Comparato, Celso de Mello e Dalmo Dallari entendem que o decreto respeita a Constituição Federal e não fere o princípio da separação dos poderes. Lendo o decreto, constata-se que a política se aplica apenas a administração pública federal, dando extensão e detalhamento a processos participativos já existentes e com menção explícita aos limites estabelecidos na legislação em vigor. Por exemplo, artigo 10 do decreto apresenta diretrizes para a constituição de novos conselhos e para a reorganização dos conselhos já constituídos “ressalvando o disposto em lei”. Já o parágrafo segundo do mesmo artigo afirma que a “publicação das resoluções de caráter normativo dos conselhos de natureza deliberativa vincula-se à análise de legalidade do ato pelo órgão jurídico competente”. Ou seja, tais mecanismos de participação operarão nos limites da legislação existente e não substituirão os representantes eleitos pelo povo na função de legislar. A democracia representativa pode ser também participativa. Além disso, são várias as regras voltadas a garantir a transparência, a responsabilidade, a diversidade e a rotatividade de representação nestes mecanismos de participação, o que minimiza o risco de se constituírem como objetos de cooptação da sociedade civil pelo Estado. Basta ler o texto.

Mais do que isto, o decreto é uma resposta direta da Presidência da República às mobilizações de massa que ocorrem no Brasil desde 2013. É uma medida que contribui para solucionar o problema do “você não me representa”. Não é à toa que a oposição principal ao decreto vem do partido DEM, um grupo político conservador, vinculado a oligarquias, que é também um desdobramento direto do partido dominante da ditadura militar (ARENA). Estes grupos conservadores tem procurado utilizar as mobilizações em massa apenas para desestabilizar o governo Dilma, sem terem um compromisso real com o povo. Afinal, quando surgem propostas para aprofundar a participação popular na democracia brasileira, eles trabalham contra elas (desde as propostas de reforma política à política nacional de participação social). Basta lembrar que o DEM, então sob a sigla PFL, esteve na base de sustentação do governo Fernando Henrique Cardoso, que, por anos, abusou das medidas provisórias para legislar sem precisar de aprovação imediata do Parlamento. Mas, agora, o DEM resolve defender a separação dos poderes e a independência do poder legislativo. Num nível mais prático, a própria tática utilizada pelo DEM para se opor ao decreto — a obstrução de votações na Câmara através do uso da fala em plenário e da ausência voluntária de parlamentares — já é sugestiva de uma política feita “na marra”.

Ao tentar conter a participação social na administração pública federal, mesmo quando se propõe que esta ocorra dentro dos limites da lei, a oposição e as presidências do Congresso Nacional só mostram, uma vez mais, que não nos representam. Afinal, quem tem medo da sociedade civil?

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9 comentários para "Quem tem medo da sociedade civil"

  1. Caá disse:

    Infelizmente Gilberto, a mobilização de 2013 não teve nada de tentativa de revolução. Foi um movimento que rechaçava partidos e por isso não teve direção. O tiro saiu pela culatra e obtivemos o congresso mais concervador em décadas, reforçando a idéia de que não havia revolução alguma em andamento e tampouco atitude política nas mobilizações, hava visto que a insurreição popular por si só já é um movimento de esquerda. O resultado das eleições, mostrou que o sentimento de incorformidade se concretizou em um movimento oposicionista pura e simplesmente. A mídia oligárquica, na sua insistência golpista de denegrir a imagem do PT, associando-o diretamente a corrupção, só fez com que o cidadão, que ainda tem na memória o quanto a direita é também corrupta, encarasse a classe política toda como sendo uma só. Quem perdeu com isso foram os partidos de esquerda que não conseguiram acolher as mobilizações populares e organizá-las a fim de trazer as reformas necessárias ou mesma a dita revolução que você falou. Ou seja, criou-se, com base na alienação política a tal da crise de representatividade que só pode ser transpassada com um enfrentamento à mídia ou com participação popular direta. O ideal é que haja as duas coisas. O decreto foi a primeira tentativa. Espero que não seja a única e que venha também a regulação da mídia.

  2. Vantiê Oliveira disse:

    Engraçado: fala-se tanto no oposicionista DEM, como um partido herdeiro da ditadura, e não se fala nada sobre o aliado PMDB, também herdeiro (posto que “oposição” consentida) da ditadura… Quem tem medo da verdade…?

  3. Ana Cordeiro disse:

    Acho uma grande falácia a história do voto obrigatório. O que acontece de vc não vota? Se gor a 50 km de onfe mora, justifica. Se não quiser ir, paga R$ 13 de multa! Onde está o problema? Se não quiser participar da escolha dos seus representantes é só não votar. Escolher bem quem nos representa é importante e isso depende do debate democrático que por sua vez depende da reforma política e da participação popular.

  4. Jose Carlos Gomes de Souza disse:

    O grande problema que eu vejo nessa medida, é a enorme diferença cultural que existe, para isso, primeiro o voto deveria ser facultativo, sendo assim, ficaria livre da influência da “política das dentaduras”.
    Por que não começar por consultas do tipo, podemos emprestar milhões a países que correm o risco de nos dar calote?

  5. Marconi Barreto disse:

    Acontece Sr. Gilberto Kujawswki, que HOJE quando se tenta respeitar ao artigo n.º 1 da constituição federal, os nossos representante seguem por linhas contrárias, esta seria a maior prova disso, e muitos deles ainda não sabem lidar com as ideias oriundas dos anseios populares. Quando partidos e políticos se opõem aos anseios do povo e não procura adotar fórmulas para atendê-los, hoje entendemos por razões próprias o que ocorreu em jul/2013. Vale ressaltar o filósofo Jose Arthur Giannotti qdo diz “….se a oposição não sabe o que pretende fazer com “essa gente”, por que diabos “essa gente” vai querer algo com essa oposição?”. Enquanto houver esse descrédito que leva a um grupo de político dizer “quem tem medo da sociedade civil”, reflete ao “quem nos representa??”. O povo dentro de um canal participativo era tudo se deseja, e como dito no artigo não tiraria a representatividade dos eleitos.

  6. João Felipe. disse:

    Onde está meu comentário que eu fiz?

  7. João Felipe disse:

    Quem tem medo da “sociedade civil”? Todas as forças políticas. Inclusive o PT, que através do governo federal patrocina o autoritarismo e a militarização, com as UPPs no Rio, e se vale das polícias militares e da Força Nacional na realização da Copa do Mundo e da Copa das Confederações. Falas de grupos políticos conservadores, mas as armas que eu vi apontadas para mim em junho do ano passado eram da Força Nacional e da polícia militar de um governo aliado da Dilma. Quem é a direita agora? Ou eu devo preferir o cacetete da esquerda? A “crise de representação” não vai ser resolvida pelos governos, eles são a crise. Qual é a farsa da vez? FORA TODOS!

  8. Gilberto de Mello Kujawswki disse:

    “O decreto é uma resposta direta da Presidência da República às mobilizações de massa que ocorrem no Brasil desde 2013. É uma medida que contribui para solucionar o problema do ‘você não me representa’ ”
    Perfeitamente. Em outras palavras, a Presidência da República, assustada com as jornadas de junho, nas quais o povo parecia tomar a cidade nas mãos, tratou de improvisar o tal decreto 8243 com a única finalidade de
    o governo petista fazer a revolução antes que o povo a faça. Pois se a Revolução escapara ao controle direto do PT, adeus o sonho de ganhar a próxima eleição e realizar o sonho de poder dos petistas – ocupar o governo
    indefinidamente, negar a alternância no poder e aparelhar o Executivo até o fim do século XXI. A estratégia do PT desde que apareceu foi sempre a mesma: sobrepor o partido ao país, na trilha estreita de um bolchevismo provinciano e sem utopia, como já denunciou José Serra. Em nome deste princípio, o PT foi contra a Constituição vigente, contra o Plano Real e tudo o mais que pudesse beneficiar e modernizar o país.
    Sobrepor o partido ao país significa trocar o povo pelas massas organizadas.
    Hoje não existe povo no Brasil, o povo ainda não tutelado por alguma instância autoritária que trata a população como menor de idade, como alguém que não sabe o que quer, capaz de se meter a besta para fazer a revolução ou as reformas antes que os donos do poder as façam.
    O PT não quer que exista povo, e sim a massa enquadrada rigidamente dentro dos quadros do partido, transformado em massa dócil e organizado
    pelos bonzos de Brasília (Bonzo, em sentido pejorativo significa “pessoa medíocre, ignorante, que se dá ares de superioridade”, Houaiss. )
    Gilberto de Mello Kujawski
    escritor e jornalista

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