Pré-sal: regime de urgência é "precipitação"?

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Por trás das queixas dos partidos de direita e da mídia, uma jogada “esperta”: manter a lei atual, que dá metade do petróleo às transnacionais

Exxon]

No episódio pré-sal, a ficha da velha mídia não vai cair tão cedo. É inacreditável, mas o UOL publica nesse instante, na área de destaque principal da home, um vídeo-manipulação sobre o tema. Entre outras bisonhices, inclui uma montagem que leva os internautas a pensar que a gafe de Vanuza com o Hino Nacional, foi cometida durante a cerimônia em que Lula anunciou o novo marco regulatório.

A ficha não cai porque há muitos interesses em jogo. Para alguns partidos e meios de imprensa, deixar de defendê-los é perder a razão de existir — tanto no sentido ideológico quanto no material. Algumas armadilhas estão montadas. Uma delas, que pouca gente ainda entendeu, é dizer que há precipitação, quando se pede regime de urgência para a votação, no Congresso, do novo marco regulatório do petróleo. Este argumento esconde o seguinte:

> *Já há* uma legislação em vigor. Sua peça principal, no momento, é a Lei 9478/97 — votada, como o próprio número sugere, nos tempos de hegemonia do neoliberalismo (é preciso mencionar em que governo?). Não se trata, portanto, de criar do nada, em 90 dias, regras novinhas em folha. E sim de *corrigir*, com urgência, enormes distorções que, se não sanadas, ou tornarão inviável a exploração do pré-sal, ou impedirão que a sociedade brasileira exerça controle sobre esta riqueza.

> A Lei 9478/97 estabelece, por exemplo, que o percentual *máximo* das receitas do petróleo a ser apropriado pela União é 40%. Somando-se mais 5% de royalties dos Estados, chega-se a 45%. Um estudo técnico de Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), revela que este percentual contrasta com um intervalo entre 85% e 90% praticado, por exemplo, em todos os países da OPEP.

> Além disso, a mesma lei transfere, para as empresas que firmarem contratos de concessão com o Estado brasileiro, a *propriedade* sobre o petróleo extraído. Se a legislação permanecer, elas terão, por exemplo, o poder de definir o *ritmo* da exploração. Poderão, entre outras decisões, acelerar a extração de petróleo, para atender a seus próprios interesses de mercado, menosprezando o do país.

> Por suas características geológicas singulares, o pré-sal é, ao mesmo tempo, uma área de exploração dificílima e de perspectivas excepcionais — tanto em volume de petróleo, quanto em qualidade. A Petrobrás é a única empresa que se capacitou para explorá-lo adequadamente. Companhias internacionais adquiriram, nos leilões estabelecidos pela Lei 9478/97, participação em cerca de 30% das áreas. Porém, não se mobilizaram para localizar jazidas. A Petrobrás investiu, só no poço descobridor da província, 260 milhões de dólares. Depois, furou mais onze vezes, com índice de êxito de 100%. O comportamento das estrangeiras tem sido seguir as pegadas da empresa nacional. Evitam os investimentos pesados. Compram áreas nos leilões, esperam e depois vão atrás de trilhas abertas.

> Numa área em que há certamente *dezenas de bilhões* de barris de petróleo, de qualidade elevadíssima (vale ler, a respeito, a excelente reportagem de Consuelo Dieguez em “Piauí”, manter o regime estabelecido pela Lei  9478/97 seria, este sim, um crime contra a democracia e sociedade e brasileira. Ela seria obrigada a se satisfazer com 45% da receita do petróleo, quando o padrão em províncias petrolíferas de igual qualidade e dimensão chega a 90%.

> Fernando Siqueira tem alertado, em palestras e textos, para o intenso trabalho de lobby desenvolvido há um ano, no Congresso Nacional, por consultores internacionais do Big Oil, o novo cartel internacional que surgiu na indústria do petróleo, em substituição às antes célebres “seis irmãs”. São mega-corporações, cada uma delas muito maior, financeiramente, que a Petrobrás, mas com um pé de barro assustador. *Perderam*, nos últimos anos, o controle sobre quase 100% das reservas de petróleo que detinham (ler, no “Le Monde Diplomatique”, A nova era do Petróleo estatal. Precisam, desesperadamente, reconquistá-las, seja onde for.

> No Brasil, o modo mais fácil de tentá-lo é *manter* a Lei 9478/97. Quem fala contra a suposta “precipitação” de uma nova norma, *esconde* que apóia a que está em vigor; e, principalmente, o que ela pode causar. É uma manipulação mais ou menos tão grosseira quanto o vídeo que o UOL destaca agora, em sua home.

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