Por que Dilma constrangeu os hipócritas

Votação no Senado parece a cada hora mais farsesca. Mas presidente legítima marcou um ponto, ao lembrar que está em curso a derrubada, pela elite, de um projeto apoiado nas urnas

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Por Antonio Marcos Roseira e Cristina Fróes de Borja Reis

Dilma Vana Rousseff chegou ao Senado para a sessão do seu julgamento de impeachment em 29 de agosto de 2016 com a postura de uma verdadeira chefe de Estado: altiva, destemida e transparente. Opondo-se a ela, um plenário de senadores — em sua maioria homens, brancos e ricos — apáticos e encurralados pela presença da única mandatária julgada pelo Senado na história do Brasil. Trata-se de uma postura em ampla sintonia com o comportamento obscuro e insidioso do presidente interino, que concentra sua atuação em conchavos políticos e intrigas palacianas, ao mesmo tempo em que se esconde das vaias, foge do debate público e solapa um projeto popular em construção de Brasil.

No início do discurso, Dilma retoma sua trajetória: “(d)ediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de preconceitos e de discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça”. Para barrar esses avanços, os golpistas estão agredindo em primeiro lugar a justiça, pois defendem a condenação de uma inocente. Mais ainda, subvertem o rumo do modelo democrático com justiça social. Afinal, os projetos e decretos de leis do governo interino atentam contra a educação, a saúde, a habitação, a cultura, a redução das desigualdades sociais e regionais e a soberania.

Em seguida, Dilma relembra que não é a primeira vez em que um golpe contra a democracia ocorre no país. “Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se empreste aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos”. Portanto, o Congresso organiza um falso processo jurídico para assaltar o poder, já que nas últimas décadas se fortaleceu como o espaço político privilegiado dos interesses conservadores do velho Brasil.

Indo aos autos do processo, Dilma explica que não cometeu crime, argumentando que a política fiscal não desrespeitou a lei, que o déficit primário de 2015 resultou da queda da atividade econômica e não do descontrole de gastos. Lembrou, também, que a Presidenta da República não pratica nenhum ato em relação à execução do Plano Safra. E esclarece:“[h]á uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta ocasião. Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. (…) Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime”. Logo, não houve crime de responsabilidade fiscal. Essa tentativa de criminalização da política econômica objetiva sobretudo solapar a atuação do Estado, sob o discurso neoliberal do grande capital.

Ao final do discurso, Dilma solicita que os senadores votem sem ressentimentos em relação ao impeachment. A justiça deve imperar sobre os interesses políticos, esta é a prerrogativa de um tribunal. Contudo, a trágica ironia é que a sociedade tem testemunhado um grande “simulacro de júri”, cujo intuito essencial é pavimentar o caminho para o desmantelamento do projeto de país estruturado nos últimos doze anos.

A destituição da presidenta Dilma Rousseff resulta em consequências perigosas, algumas imprevisíveis. Porém, muitas já se fazem presentes, como o enfraquecimento do Poder Executivo, justamente o lugar em que, via eleições diretas, encontraram representatividade nos governos de Lula e Dilma os diversos grupos sociais tradicionalmente à margem do poder: pobres, trabalhadores, negros, LGBTs, índios e mulheres. Mais além, como lembra a presidenta, o impeachment abriria o terrível precedente de se condenar o Executivo sem provas substantivas. E a política atropelaria definitivamente a justiça, forçando a retomada de um projeto de país conservador, desigual e ilegítimo. O desrespeito ao voto de 54 milhões de eleitores significa a exclusão sumária de todos aqueles historicamente alijados do acesso à justiça social “Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços”.

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