Para conhecer Ronaldo Lima Lins

“Outras Palavras” homenageia obra de um ensaísta, dramaturgo e poeta provocador — quando se encena, no Rio, a possível síntese de suas inquietações

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“Outras Palavras” homenageia obra de um ensaísta, dramaturgo e poeta provocador — no momento em que se encena, no Rio, “Jacques e a Revolução”, possível síntese de suas inquietações

Por Sérgio Nazar David

Essa é uma introdução ao capítulo “Obedecer ou dissimular”, do livro “Violência e Literatura”, de Ronaldo Lima Lins. Para ler o texto original, clique aqui

Leia o perfil do autor Ronaldo Lima Lins e a resenha de “Jacques e a Revolução”, sua obra em cartaz no Rio

Jacques e a revolução e o abre-alas do seu autor

Outras Palavras inicia hoje pequena série sobre o escritor, ensaísta, poeta e dramaturgo Ronaldo Lima Lins, autor da peça “Jacques e a revolução ou Como o criado aprendeu as lições de Diderot”.

A série coincide com a temporada da peça no Parque das Ruínas (Rio de Janeiro), durante todo o mês de outubro. Procura-se, de algum modo, desenvolver espécie de um programa de teatro online, aberto ao público leitor deste site. Assim, como não poderia ser diferente, irão aparecer os grandes temas que estão por detrás dessa obra extremamente instigante e provocadora.

“Jacques e a revolução” surge, inicialmente, como se fosse um diálogo sensível com o romance, “Jacques, o Fatalista, e seu amo”, escrito por Diderot, iluminista francês. Mas isso é apenas, como muitas outras do texto, mais uma pista falsa. De fato, o autor avança, por sua conta e risco, e instala uma discussão intensa, dentro do contexto da modernidade, sobre as relações pessoais e sociais, com as periódicas permutas entre o opressor e o oprimido.

A peça pode ser considerada como criação que se aproxima de uma síntese dos principais temas que têm sido objeto de reflexão desse escritor, interessado em combinar os sensos crítico e estético numa visada que impressiona. Estão presentes o grande problema da verdade, a violência como motor central de nosso processo civilizatório, a construção do conhecimento em nossa sociedade, e os dilemas que a modernidade nos legou. Não é pouca coisa.

Numa iniciativa que procura reinventar uma ação realizada anteriormente, por ocasião da encenação de Crônicas de nuestra América, de Augusto Boal, o leitor de Outras Palavras poderá conhecer e apreciar as escolhas desse grande escritor, conforme elas apareceram em alguns ensaios e artigos.

Acompanhados de textos introdutórios, elaborados por pesquisadores importantes, os textos selecionados ajudarão a tornar mais bem conhecido um autor cuja obra precisa ser compreendida em seu conjunto pelos múltiplos componentes em que se manifesta.

Lembramos que Outras Palavras publicou, recentemente, artigo em que Ronaldo Lima Lins comenta o seu encontro, quase 30 anos depois, com a peça escrita ao final dos anos 80. Feita a introdução, fique com o texto em que (Theotônio de Paiva)

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Obedecer e dissimular – Violência e Literatura

Ronaldo Lima Lins publicou Violência e Literatura em 1990, pela editora Tempo Brasileiro. Na dedicatória do meu exemplar, de 11/1/1991, o autor escreveu: “Para Sérgio, este passeio pelo mundo, que é sobretudo também uma viagem interior.”

Tomo a dedicatória como epígrafe de todos os meus exemplares da obra ensaística de Ronaldo Lima Lins. Exatamente por isso, substituo aqui a conjunção alternativa – título do capítulo do livro (“Obedecer ou dissimular”) – pela aditiva: “Obedecer e dissimular”.

A tese principal do capítulo ergue-se sobre o estreito fio que liga e separa verdade e mentira. No ímpeto revolucionário, inúmeras vezes projetos sérios, quando se impõem no campo do social, se transformam rapidamente em asfixia. Também nas artes, quase sempre a verdade oferecida sem senões, sem arestas, não sobrevive ao crivo do tempo. Os grandes artistas nunca abdicaram da dúvida, da dissimulação, da experimentação, do não saber.

Lembra-nos Ronaldo – evocando o nosso maior escritor, Machado de Assis – que “a dissimulação pode ser exercida na sua mais alta perspectiva”. “Foi a receita que escolheu o nosso escritor dos bairros mais pobres e o transformou numa figura nacional, acima dos preconceitos.” Num outro extremo, alguns autores, na “ânsia de defender um ponto de vista sério contra a maioria ou contra os limites que nos cercam, [falham] como Quixote brandindo armas contra moinhos de vento”, “fazem mais sociologia, história e economia do que literatura”.

Para Ronaldo Lima Lins, melhor seria, sempre que necessário, proteger e ocultar, nunca dissimular o saber. Do mesmo modo, face às “iras repressivas do aparato oficial ou legal”, a dissimulação, quando utilizada, exige “criteriosa competência”.

O ensaio de Ronaldo Lima Lins faz lembrar o chiste do velho Freud, já com 82 anos, em 1938, tendo de deixar, sob coação dos exércitos nazistas, a sua casa na rua Berggasse, número 19, em Viena. Antes de partir para Londres, o autor d’A Interpretação dos Sonhos teve que assinar um documento atestando que não fora molestado pela polícia de Hitler. Freud assinou, mas não se eximiu de acrescentar: “A todos recomendo a Gestapo.”

Fiz a mudança da conjunção alternativa para a aditiva porque o ensaio de Ronaldo Lima Lins evoca situações da vida em que será preciso dissimular obediência, não por ceticismo ou por desdém, mas para proteger uma – frágil que seja – verdade. Não é fácil. A viagem pelo mundo que chamamos vida e que é também viagem interior impõe sempre uma perda. Entre a bolsa e vida, será melhor escolher, seja como for, a vida. A vida, anyway. (Sérgio Nazar David)

Leia “Obedecer ou Dissimular”

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