O Modernismo visto por Oswald em 1945

Duas décadas após início do movimento, autor ressalta seu papel literário-político e vê Antropofagia em diálogo com Marx e Nietzsche

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Duas décadas após Semana de Arte Moderna, escritor revê movimento, ressalta seu papel literário-político e vê Antropofagia em diálogo com ideias de Marx e Nietzsche

Por Oswald de Andrade | Imagem: Tarsila do AmaralBatizado de Macunaíma

Quereis saber com certeza como é que se produziu a Semana de Arte de 22?

Vou dizer:

Oswald de Andrade

 

“Informe sobre o Modernismo” de Oswald de Andrade, é o texto de uma conferência realizada em São Paulo, em 15 de outubro de 1945, em que o escritor traça o longo percurso dos princípios que nortearam a nossa vanguarda.

Naquele novo contexto do pós-guerra e nas vésperas da deposição de Getúlio Vargas[i], com o fim do Estado Novo, assistimos ao surgimento de uma nova geração de poetas e escritores.

Por seu lado, Oswald de Andrade, na condição de um artista e agitador cultural profundamente familiarizado com a irreverência peculiar aos novos, sentia-se “à vontade para adverti-los, uma vez que não admitia, sob qualquer pretexto, o desconhecimento da contribuição oferecida pela tradição”.[ii] Assiste-se aí a um curioso movimento de rotação, que agora incluía os modernistas numa outra perspectiva cultural.

O artigo nos traz ainda um Oswald de Andrade completamente consciente do papel atribuído à sua geração: “Nós fizemos paralelamente às gerações mais avançadas da Europa todas as tarefas intelectuais que nos competiam”.

Além disso, o escritor revê o clima cultural anterior à Semana de 22, recuperando a participação do seu velho amigo e editor, Monteiro Lobato, através do episódio envolvendo a pintura de Anita Malfatti.

Essa conferência persegue, numa outra chave, as grandes questões desenvolvidas em “O movimento modernista”, por Mário de Andrade, publicado no Outras Palavras, em duas parte: [aqui] e [aqui]. (Theotonio de Paiva, editor de “Oswald 60”)

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Informe sobre o Modernismo

TRÊS SÉCULOS DE LITERATURA AO PAR

A palavra “moderno” pertence a qualquer época. Foram modernos os iniciadores de todos os movimentos estéticos e filosóficos, de todos os movimentos científicos e políticos. O tempo encarrega-se de tornar os modernos clássicos ou de destruí-los. Da primeira esperança viveu mais um modernista de São Paulo, esperança expressa naquele verso:

“Seremos os clássicos do futuro.”[iii]

O crítico do Renascimento Giorgio Vasari não exaltava o classicismo dos seus contemporâneos, ao contrário, punha em relevo a “maneira moderna” de Giotto e Leonardo.

O poeta, o pensador e o artista são as vozes da sociedade. Quem não o sabe? São os semáforos cujas antenas captam o ar dos tempos novos. São muitas vezes procelárias na tempestade. Assim, nada mais fomos no Brasil de 22 do que os anunciadores das transformações que o século testemunhava.

De 1914 a 1918 o mundo mudara. Desmascarara-se o pacifismo em que se acobertavam os interesses das últimas dinastias e dos primeiros imperialismos. Em 14 abre-se a era das conflagrações mundiais. Em 17 consuma-se o primeiro ato da revolução bolchevista. Com a queda das forças residuais da Santa Aliança – as dinastias do Direito Divino que eram os Romanov, os Hohenzolern e os Habsburgo – triunfa o espírito liberal do ocidente. Consolida-se a revolução burguesa de que são pioneiros os países industrializados: a Inglaterra, a França e a América do Norte. E já um mundo que a Comuna de Paris anunciara planta o seu marco na Rússia de Lênin.

O Brasil possui três séculos de literatura ao par. Desde Gregório de Matos através dos inconfidentes e dos românticos, nos mantemos com segurança, respondendo com Castro Alves a presença de Whitman na América e produzindo no deserto inicial do século XX as duas figuras que fazem o pórtico da nossa era moderna – Machado de Assis e Euclides da Cunha. Deles e de alguns outros como Raul Pompéia e Aluísio, longinquamente decorreria o que até hoje realizamos.

Ao desaparecimento desses mestres sucede um clima de servidão intelectual e adesismo político que estiola a Academia e empesta os salões e os cafés. É a era dos Bilac exaltando o marechal Hermes e Frinéia [iv] e de Coelho Neto levando até a Câmara de Deputados as suas ninfas e os seus centauros para pregar o reflorestamento. O cronista João do Rio é um gênio desses galãs do Chiado e da Avenida. E só arrasta anônimo a sua dignidade e a sua cachaça. Eis quando paradoxalmente o Modernismo pinga da pena de um de seus maiores opositores. Como se diz que a literatura russa começou com O Capote de Gogol, pode-se também afirmar que a nossa modernidade começou no Jeca Tatu de Lobato. Aí havia duas cousas evidentemente novas – o tema e a expressão –, o homem vítima da terra e a escrita nova. Qualquer estética vos dirá que nada se produz em literatura ou arte sem alguns elementos essenciais: o impulso, a técnica, a expressão, a crítica. Faltava a Monteiro Lobato a técnica atual que vinha através das sugestões da mecanicidade (o rádio, o cinema, o jazz) abolir a literatura explicativa. Faltava-lhe também a crítica, antes sobrava-lhe o mofo em que se consolidara a sua formação de bacharel. Eis aí o paradoxo. Ele, que produz o primeiro estilo novo sobre o tema novo do brasileiro, é quem ataca e quase destrói a primeira manifestação de arte moderna que tivemos com Anita Malfatti, na sua exposição no ano de 17.

COMO SE PRODUZIU A SEMANA DE ARTE MODERNA

Quereis saber com certeza como é que se produziu a Semana de Arte de 22? Vou dizer: Antônio foi à casa de Paulo, que o levou ao quarto de José, que lhe mostrou os versos de Pedro, que lhe contou que João era um gênio e que Carlos pintava. E saíram todos para descobrir Maricota. Apenas, esses indivíduos entre outros chamavam-se Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Di Cavalcanti, Heitor Villa-Lobos, Anita Malfatti.

Em fevereiro de 22, Paulo Prado e Graça Aranha enquadram o nosso grupo e o do Rio de Janeiro. E manifestamos no Teatro Municipal, ao lado de músicos e artistas. Somos vaiados num dilúvio. Resistimos. O “terror” modernista começa. É preciso chamar Antônio Ferro de gênio e Carlos Gomes de burro. Chamamos.

Curiosa nota cronológica. Nesse mesmo ano de 22, que marca o primeiro centenário da nossa independência política, o brigadeiro Eduardo Gomes está entre os dezoito oficiais e soldados que revoltaram o Forte de Copacabana. E Astrojildo Pereira funda o Partido Comunista do Brasil.

Até o ano de 28 vai tudo em estado de noivado. Em São Paulo, depois da ação do comando, que é a Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade, o movimento “Pau-Brasil” anuncia o slogan “Poesia de exportação contra poesia de importação”. E Gilberto Freyre abre o seu apostolado nacional em Recife, criando para o Brasil uma sociologia afetiva e totêmica.

Os elementos que utilizamos contra os velhos recursos da poesia sabida e metrificada são a plena liberdade da criação, a valorização do inconsciente, do cotidiano e do mecânico. Do cotidiano que vai até o vulgar estão o popular e o revolucionário. No inconsciente escondem-se o primitivo, o nativo, o geográfico e o telúrico. Nesses caminhos se cria a poesia nova do Brasil.

O romance que começara em 22 com Os Condenados tem agora Erico Veríssimo. A crítica está com Tristão de Athayde, Prudente de Morais Neto e Sérgio Buarque de Hollanda.

Chamei de divisor das águas do Modernismo à crise que nos separou em 28, prenunciando as agitações econômicas e políticas que dariam a era revolucionária de 30.

AS SUBDIVISÕES DO MODERNISMO

De fato, data de 28 o movimento que lancei com o nome de Antropofagia e que inicialmente não passava dum aprofundamento do sentimento nacional de “Pau-Brasil”. Tendo dado a direção da Revista de Antropofagia a Antônio de Alcântara Machado, eu e o grupo que comigo fazia o movimento com ele nos desavimos. Fundamos então uma segunda Revista de Antropofagia que se publicou no suplemento do Diário de São Paulo. Houve ainda uma terceira fase com a participação de Flávio de Carvalho, mas isso depois de 30. Tanto “Pau-Brasil” como a Antropofagia tiveram ao seu lado, desde os primeiros instantes, a colaboração de Tarsila.

No começo de 25, havia penetrado um autêntico clandestino no Modernismo. Era o sr. Plínio Salgado, que exibia o passaporte falso do seu romance O Estrangeiro, plagiado das Memórias Sentimentais de João Miramar, segundo a opinião de Prudente de Morais Neto. Ele encabeça a reação e prepara o fascismo nacional. Unidos, os senhores Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia haviam fundado o grupo “Verde-Amarelo”. É o centro. Do lado oposto, forma-se o grupo liberal. Estão à frente Mário de Andrade, Sérgio Milliet, Guilherme de Almeida, Couto de Barros, Paulo e Fernando Mendes de Almeida. Dirigem-se para a revolução paulista de 32. Na extrema esquerda ficariam os que vão ter pequenos aborrecimentos como cadeia, fome e ilegalidade. São os antropófagos. Chamam-se: Osvaldo da Costa, Pagu, Jaime Adour da Câmara, Clóvis de Gusmão e Geraldo Ferraz. Eu me acho com eles, e segue também conosco para tomar depois o caminho solitário de Rimbaud o poeta Raul Bopp.

Estamos em 30, em 35. Já se pode falar em pós-modernismo. O sr. José Américo de Almeida publicou A Bagaceira. Aparece o nordeste e seus romancistas. José Lins do Rego, Jorge Amado e Graciliano Ramos. Afirma-se na poesia Carlos Drummond de Andrade, na prosa Aníbal Machado. Aparece Vinícius de Morais. Na pintura vem Cândido Portinari, na música Mignoni, na arquitetura Warchavchik e Oscar Niemeyer. O ensaio e a crítica têm Astrojildo Pereira e Álvaro Lins.

Com a ditadura Vargas, acentuam-se as tendências esboçadas — a dos integralistas de Plínio Salgado, a dos estado-novistas e uma terceira ala que, unida, se bate pela democracia. Nela se encontram antropófagos, comunistas e liberais. E o Modernismo atinge suas últimas consequências políticas no I Congresso de Escritores[v], que, com a sua declaração de princípios, precede e encabeça a luta pela anistia e a subsequente queda da ditadura. E também chegam às suas últimas consequências estéticas a prosa de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, o romance de Otávio de Faria e o balé “Yara”, que reúne em equipe a música de Mignoni, o cenário de Portinari e a fábula de Guilherme de Almeida. Nesse longo período a pintura criou seus jovens e seus mestres no caminho aberto por Anita Malfatti, Tarsila, Segall e Portinari. Faz-se na crítica o nome de Antonio Candido. O teatro teve um renovamento com Décio de Almeida Prado. E aparecem os chatoboys, de que é um grande exemplar o sr. Lourival Gomes Machado.

NIETZSCHE RECUSA SUBIR AS ESCADAS DA CHANCELARIA DO REICH

O fim da guerra e a derrota do fascismo, longe de apaziguar, carregaram de nuvens o horizonte próximo. E a inquietação do intelectual dos tempos modernos está longe de se ter acomodado. Aparece por toda parte uma senha nova — o existencialismo. Que é o existencialismo? Que consequência pode trazer para nós? Qual a posição a tomarmos diante dele?

Não se trata de nenhuma escola nova. Antes, é o coroamento filosófico e estético duma velha corrente que podemos chamar de intuitivista ou de irracionalista, a qual se opõe com uma vitalidade crescente às soluções teóricas e à ideia de um homem conformado e pacífico habitando mais um presepe do que a terra. A primeira precaução que devemos ter ao entrar neste assunto é evitar a fácil acusação de que o existencialismo é uma máscara do fascismo. Na verdade, o fascismo bebeu muito nas fontes do existencialismo e procurou turvar suas águas. Mas uma coisa é certa: se Hitler visitou a casa de Nietzsche — um dos patronos do existencialismo –, Nietzsche nunca subiria as escadas da Chancelaria do Reich. E teria sempre preferido a altitude solitária de Sils-Maria [vi] às alturas blindadas e turvas de Berchtesgaden [vii]. E na Itália habitaria o azul da Marina Pizzana e não a corte do conde Ciano [viii].

Porque Nietzsche foi sobretudo um grande honesto. Nele se consubstancia historicamente a primeira consciência do homem autônomo que o individualismo iria dar. Com ele e o dinamarquês Sören Kierkgaard inicia-se a desagregação de um pesado processo histórico intelectualmente iniciado por Sócrates nas ruas de Atenas. Só no século XIX e no ápice do Romantismo um homem poderia denunciar a moral de escravos que vinha há milênios realizando a marcha técnica da história. Quando já de outro lado, Carlos Marx previa e analisava a catástrofe da sociedade baseada na escravatura do trabalho.

NIETZSCHE, KIERKEGAARD, MARX E O EXISTENCIALISMO

Em Nietzsche e Kierkegaard, inicia-se no século XIX um dramático protesto humano contra o mundo lógico de Hegel e a sua terrível afirmação de que tudo que é racional é real. Hegel, que completa a metafísica clássica de Kant, promete e sagra a imagem dum mundo hierarquizado e autoritário que terminará nas delícias do Estado Prussiano e dialeticamente em Nüremberg. Com ambos tudo acabaria azul e legal, em catecismo e presepe. Dialeticamente, de Hegel iam brotar porém duas poderosas reações — o marxismo e o existencialismo que hoje nos ocupa.

No paroxismo a que atingiu a filosofia existencial, processa-se apenas uma exaltação do primitivo. É no fundo uma revalorização do homem natural que se produz contra os quadros esclerosados do homem histórico, do homem civilizado, do homem vestido, enfim, do homem cartesiano. E não poderia isso se dar em outra fase, pois que somente agora, com a física nuclear e o gigantismo potencial da era atômica, deve realizar-se a síntese que a marcha do homem procura.

“O homem, transformando a natureza, transforma a sua própria natureza”, já ensinava Marx. Vejamos isso em termos dialéticos. Havia qualquer coisa antes da queda do homem, antes da árvore do bem e do mal — tema existencialista, caro a Kierkegaard e a Chestov. Essa qualquer coisa foi turbada pelo conhecimento, conceituado nas ruínas da Pólis grega pelos achados de Parmênides e Pitágoras e organizado por Aristóteles. Daí a origem do progresso científico e do progresso técnico. Na Alexandria do século II anterior a nossa era fizera-se a tradução da Bíblia pelos setenta. E é nesse Egito helenístico que se produz o grande encontro dos mitos mosaicos com o pensamento platônico. Está fundado o Cristianismo. É a doutrina da domesticação do homem cujo destino é o céu, prossegue na escravatura, na sociedade solidamente dividida em classes e na justificação do Estado, cujo primeiro modelo sacerdotal, guerreiro e legislador tinha sido dado a Moisés de dentro das nuvens do Sinai. A necessidade exigia. “A escravidão naquelas circunstâncias foi um grande progresso”, afirma Frederico Engels no Anti-Dühring. A opressão e a liberdade em marcha dialética têm a sua mecânica. “Cada benefício para uns foi necessariamente um prejuízo para outros; cada grau de emancipação conseguido por uma classe, um novo elemento de opressão para outra”, acrescenta o companheiro de Marx.

A MODERNA POSIÇÃO DA ANTROPOFAGIA

Na moral de escravos se forjaria a técnica e se desenvolveriam as forças produtivas da sociedade e, por oposição, suas forças libertárias.

Hegel, no que tem de excelente, dizia que a contradição existe na raiz do próprio movimento. Vida é contradição, vida é conflito. E, na formulação dos atuais temas da Antropofagia, é a dialética o seu maior instrumento. O russo Chestov, depois de constatar que havia qualquer coisa antes da árvore do bem e do mal, isto é, que havia a Idade de Ouro, pergunta se o homem não vive um mau sonho e se não será possível que um dia acorde e redescubra o que perdeu. A Antropofagia responde que sim, dialeticamente. Ela vê na tese o homem primitivo, na antítese o homem histórico e na síntese o homem atômico com a capacidade adquirida pelo milagre da técnica de jogar fora a opressão mítica do Sinai junto com as opressões econômicas que o afligem. É ainda Chestov quem afirma que Aristóteles está mais próximo da verdade do que Bergson porque está mais próximo dos deuses, isto é, da Idade de Ouro, onde justamente se situa a Antropofagia como comunhão do valor adverso. Pois é evidentemente primordial que se restaure o sentido de comunhão do inimigo valoroso no ato antropofágico. O índio não devorava por gula e sim num ato simbólico e mágico onde está e reside toda a sua compreensão da vida e do homem. Trata-se apenas de transformação do tabu em totem, isto é, do limite e da negação em elemento favorável. Viver é totemizar ou violar o tabu. O outro lado da operação, a criação do tabu, isto é, da limitação, do metro, do nomos, da lei e em geral de toda a adversidade que nos encara, é dada à Antropofagia pelo inglês Edington, recentemente morto, o qual em seu admirável estudo sobre o mundo físico situa-se, no limiar da era atômica, com o problema essencial da transformação do mundo, não métrico em mundo métrico.

Aí está a operação de Parmênides criando a primeira lógica, a de Pitágoras achando a matemática. Para a totemização que foi a marcha histórica do homem, no Sinai houve a totemização de Jeová, o tabu terrível de Moisés a favor de seu povo. Apenas aí entram os elementos que constituíram mascarados até a psicanálise a psique do homem histórico, baseada numa consagração do suborno e da nulificação da pessoa humana. Deus que, antes do êxodo, os povos primitivos sabiam que era inimigo – o Deus inventado de Feuerbach e de Dostoiévski – foi subornado no Sinai pela moral de escravos. Passou a ser o capanga do povo eleito à custa da humilhação cega que daria o drama de Jó. Era preciso salvar a opressão. Trinta séculos depois do Sinai, um pequeno dinamarquês renova a angústia de Hamlet, e exige a repetição do milagre bíblico de Job e quer que Deus lhe restitua a namorada perdida e acaba concluindo que a divindade é o nosso inimigo mortal.

É este o lado pessimista do existencialismo, pois o filósofo, o teólogo e o místico de Copenhague não descrê, angustia-se, espera sempre e atrás do absurdo coloca sempre Deus. Em Jean-Paul Sartre já o existencialismo evolui. Da sua primeira visão negativista da vida que não admite conexão nem lógica e dá ao próprio progresso do homem um sentido de coincidência, Sartre passou a um humanismo mais doce, em que faísca uma disponibilidade para a Idade de Ouro anunciada pela Antropofagia.

A FALA DO HOMEM DO EQUADOR

Foi isso o que mais ou menos eu disse no recente Congresso de Escritores realizado em Limeira.

Numa conferência também recente Gilberto Freyre muito bem distinguiu modernidade de modernismo, isto é, o que houve no movimento de 22 de realmente renovador e o cacoete, a repetição e o papel-carbono que tanta gente utilizou e utiliza.

Hoje há os coronéis do modernismo, os usufrutuários da Semana. Mas há também a voz curta e poderosa do autor de Casa Grande, afirmando que a Antropofagia salvou o movimento de 22. Diz Heidegger que toda filosofia autêntica é no seu começo imatura. A Antropofagia ainda balbucia, mas propõe-se a depor no tumulto dramático de hoje. Ela leva às suas conclusões o que há de vivo no existencialismo e no marxismo. De um velho caderno que tem cerca de vinte anos tiro o seguinte: “Pela primeira vez o homem do Equador vai falar!”

Conferência realizada em São Paulo

em 15 de outubro de 1945; (IEL-Unicamp)

Notas

[i] É interessante observar, conforme podemos constatar na cronologia de O Brasil no tempo de Oswald, algumas coincidências nas biografias desses dois personagens: Getúlio Vargas e Oswald de Andrade.

[ii] Boaventura, Maria Eugenia. “Do órfico e mais cogitações”. In: Andrade, Oswald. Estética e política. São Paulo: Globo, 1992, p. 10.

[iii] “Porque somos os clássicos do futuro”, verso do poema “Boxe”, de Sérgio Milliet, dedicado a Oswald; Poesias, Porto Alegre, Globo, 1944, p. 44.

[iv] Frinéia, cortesã grega, amante e modelo do escultor Praxíteles.

[v] Congresso de Escritores, São Paulo, 1945.

[vi] Sils-Maria, estação suíça de esportes de inverno e verão, onde Nietzsche viveu uma boa temporada.

[vii] Berchtesgaden, estação de inverno nos Alpes, onde Hitler tinha sua residência predileta — o Berghof.

[viii] Conde Ciano (1903-1944), político italiano, genro de Mussolini e seu ministro.

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