O governo enxergará sua única saída?

O golpe de Estado em curso é difuso. Alimenta-se da crise do Lulismo e da deriva neoliberal de Dilma. A chance de combatê-lo seria uma nova aliança

O MTST, na manifestação de São Paulo, em 16/12.  A favor da legalidade, mas contra os retrocessos do governo Dilma

MTST, na manifestação de S.Paulo, em 16/12. A favor da legalidade; contra retrocessos do governo Dilma

.

Há um golpe de Estado em curso, mas é difuso. Alastra-se como um câncer, alimentando-se da crise do Lulismo e da deriva neoliberal de Dilma. A chance de combatê-lo seria uma nova aliança

Por Felipe Amin Filomeno

A crise política por que passa o Brasil hoje é complexa demais para ser compreendida pelas formulações maniqueístas que predominam nos debates cotidianos. Tanto a tese da presidenta corrupta quanto a tese do golpe cuidadosamente orquestrado pela oposição são demasiado reducionistas. Há um golpe de Estado em curso, mas ele é difuso, paulatino e contingente. O golpismo atual é como um câncer para o governo Dilma: espalha-se de forma sorrateira de um setor para outro da sociedade, ora se retrai por causa de ações do governo e da mobilização de segmentos da sociedade civil, ora se fortalece pela ação dos partidos de oposição, do judiciário partidarizado, da mídia oligopolista e dos especuladores financeiros. É doença oportunista e difícil de tratar.

A crise política atual não é uma crise do segundo mandato da presidenta Dilma, é um agravamento da crise do Lulismo como conjuntura da economia política brasileira. O primeiro sintoma do esgotamento do Lulismo foi a onda de manifestações de rua ocorrida em 2013, ainda que o conteúdo destas manifestações tenha sido ambíguo e não apenas direcionado contra o governo federal liderado pelo PT. Paradoxalmente, as manifestações de 2013 e a insatisfação corrente de parte da classe média com a administração da presidenta Dilma são, em parte, resultado do desenvolvimento econômico socialmente-inclusivo que ocorreu nos governos do PT. Com a barriga cheia e a carteira de trabalho assinada, os “emergentes” passaram esperar mais do Estado brasileiro. A crise se aprofundou com a persistência da recessão econômica mundial, especialmente com a desaceleração da economia na China e o fim do “boom” das commodities. Depois de uma vitória apertada nas eleições presidenciais e da eleição de um parlamento mais conservador em 2014, a adoção de uma política econômica neoliberal não foi suficiente para acalmar as elites do país, intensificou a recessão econômica e começou a alienar atores que historicamente compunham a base de sustentação social do PT (sindicatos, parte da classe média e movimentos sociais).

Diante desta crise do Lulismo, táticas que a oposição vinha adotando desde que Lula assumiu a presidência da república passaram a surtir efeito. A primeira tática é a oposição midiática, em que grandes empresas de comunicação realizam uma cobertura jornalística que maximiza os problemas e minimiza os avanços do país e do governo. No mesmo sentido, casos de corrupção envolvendo políticos da oposição quase nunca chegam às manchetes e são logo esquecidos pelos jornalões. Aqui está em jogo a opinião pública. A presidência de Lula sobreviveu ao escândalo do mensalão, mas o mesmo não se pode dizer do segundo mandato de Dilma, diante dos atuais escândalos de corrupção num quadro de crise econômica. A segunda tática é a judicialização da oposição, em que certos atores no Ministério Público, na Polícia Federal, no Tribunal de Contas e no Poder Judiciário intensificam a severidade em processos contra membros do PT ao passo em que relaxam o rigor em processos contra membros dos partidos de oposição. No Congresso Nacional, que provavelmente é a instituição mais desmoralizada do país, a oposição partidária tira vantagem de ambas as táticas e adota as suas próprias. A política de chantagens do presidente da Câmara Eduardo Cunha é exemplo emblemático. Subjacente a tudo isto, está o histórico anti-petismo das elites e da porção conservadora da classe média. Trata-se de preconceito da “casa grande”, levemente contido durante o período de bonança econômica, mas que voltou com força, inclusive com tom macartista, impulsionado pela valorização do dólar (um dos principais “termômetros” da opinião pública da classe média brasileira). Estes vetores, embora contingentes, parecem estar se fortalecendo e  convergindo.

Por um lado, o noticiário extensivo sobre casos de corrupção e a punição de políticos corruptos (às vezes acompanhada de recuperação parcial de recursos públicos desviados) são sinais de fortalecimento das instituições políticas brasileiras. Quem conheceu bem o Brasil anterior ao ano 2000, sabe que hoje o combate à corrupção é muito mais intenso, que o Estado, com todos os seus problemas, é muito mais transparente. Pensar que as notícias de corrupção se proliferam apenas por causa da suposta improbidade do PT é ingenuidade ou viés de oposição. Entretanto, as duas táticas de oposição enfatizadas acima são sinal de que duas instituições fundamentais para o bom funcionamento de uma democracia – a mídia e o judiciário – são débeis no Brasil, pois não tem independência e são partidarizadas.

Diante da progressão do câncer golpista, o governo precisa tentar novas terapias. Minha aposta é que, no final das contas, são as ruas que definirão o resultado. Se a mobilização das bases históricas de sustentação do PT for igual ou mais forte do que a mobilização da oposição, Dilma terá chances de concluir seu mandato. Lula, o PT, os sindicatos e os movimentos sociais progressistas precisam fazer, rapidamente, uma ameaça crível para a oposição, para o vice-presidente Michel Temer e para os membros vacilantes da “base governista” no Congresso. Precisam demonstrar, nas ruas, que, com um impeachment, o país ingressaria numa situação de caos persistente e que nenhum presidente que substituísse Dilma seria um presidente feliz.

Leia Também:

9 comentários para "O governo enxergará sua única saída?"

  1. José de Oliveira Filho disse:

    Se as instituições hoje são claramente fruto do PT e indicações em sua maioria, não acredito e não somos ingenuo o bastante para achar que as falcatruas da oposição não estão sendo reveladas e julgadas, o que existe na verdade e uma quadrilha de bandidos no Poder destruindo o Pais com a bandeira do socialismo, e ajuda aos pobres, isto e elementar e precisa ser escrito de forma clara e objetiva, não com dedos e medo de se tornar de direita ou esquerda, precisamos de jornalismo corajoso e isento.

  2. Leonardo disse:

    O PT É o verdadeiro golpe na vida do povo!

  3. Augusto Ribeiro disse:

    A direita nunca aceitou, nunca vai aceitar perder p\ as thurmas das esquerdas junto com as thurmas de moderados e ainda mais c\ as thurmas de corruptos, irão utilizar todas as formas p\ tomar o comando

  4. Gabriel disse:

    “(…) reconhecer o alcance da vigência da lógica do privilégio, que ordena a sociedade brasileira, e que o PT foi incapaz de reconhecer e de peitar”. Concordo, é bem por aí.
    As limitações e o fracasso não se originam somente do “congresso conservador” ou da má conjuntura econômica. O PT não teve estratégia política e nunca fez disputa de hegemonia. Como obter respaldo das ruas para algum tipo, mesmo brando, de ruptura, a essa altura?
    A resposta ao título do artigo, infelizmente, já está dada.

  5. Carlos Delgado disse:

    De nada adiante pensar que se pode pilotar curvas econômicas se a política de infraestrutura desmantelou a economia. Os governos do PT destruíram a indústria brasileira e reprimarizaram a economia. Falar de mercado interno nessas condições não é mais que uma farsa de republiqueta de terceiro mundo.

  6. Carlos Delgado disse:

    A Dilma já se mostrou, de forma reiterada, impressionantemente burra e arrogante para ser capaz de compreender coisas que escapem da sua obtusidade e do seu estilo autoritário. Nenhuma esperança pode ser depositada nela. Se houver esperança, ela deve ser investida em outro lugar, mas não na Dilma nem no PT.

  7. FERNANDO disse:

    Se a moeda interna é fraca, com pouca circulação devido ao alto juros para conseguir crédito consequentemente, a moeda externa se fortalece diante da primeira. Com a moeda externa fortalecida, aumenta-se o valor de produtos importados ou com componentes exteriores. Esta política de alta taxa de juros para descreditar o mercado interno ou diminuir o crédito no mercado interno graças as altas taxas de juros, descredita o mercado interno. O mercado interno assim como sua moeda fica bastante descreditada, necessitando a criação de bancos públicos ou a dminuião dos juros através de políticas públicas em bancos privados. O Brasil tem a terceira maior taxa do mundo e que vem aumentando, a inflação dos produtos com origem exterior também só vem aumentando. E como o mercado interno não cresce quando descreditado; é sucateado e dependente de produtos importados com o valor cada vez mais inflacionado devido a diminuição do valor da moeda e do mercado interno descreditado pelo próprio país. Isto não beneficia em nada o país, a não ser que dependemos de commodities e exportação de poucos produtos, por toda a eternidade. A vantagem, mesmo que mínima, seria que com a dificuldade de conseguir crédito e de criarmos empresas ou produtos; importassemos produtos exteriores com alto valor inflacionado com a baixa cotação da moeda e facilitassemos a entrada de multinancionais que aproveitariam a demanda reprimida do país pela alta de juros encima da moeda. Teriamos uma avalanche de dólares e multinancionais, e seriamos todos escravos assalariados de multinacionais e mudariamos nossa moeda para o dólar. Seriamos um anexo dos EUA; seria uma possibilidade. Com o baixo valor da moeda e a alta taxa de juros até poderiamos criar uma industria, e aproveitar o baixo valor da moeda para exportar máquinas como exportamos soja; mas creio que isto seria difícil devido a pouco mão de obra barata e escrava que teriamos vendendo o país e a meda do mercado interno para as multinancionais e o dólar do mercado externo. Quer dizer, se vendermos o país para as multinacionais e adotassemos o dólar como moeda, eles até poderiam exportar máquinas brasileira como exportamos soja; pois teriamos um estado sucateado e o povo provavelmente teria fazer-se de mão de obra barata para sobreviver. Isto tudo é resultado do mercado interno descreditado e com alta taxa de juros, que sucateia a moeda e inflaciona produtos exterior; pois sem mercado interno, não produzimos nada e importamos tudo. Que empresa vai buscar crédito com uma taxa de juros na altura? A que pegar muitas vezes será derrubada pelos juros e fechará, comprometendo ainda mais o país.

  8. Ricardo C. disse:

    É claro que há “o histórico anti-petismo das elites e da porção conservadora da classe média”. E é claro que se trata “de preconceito da ‘casa grande'”. Mas essa retórica de vitimizar o PT é ou ingênua demais ou cínica demais.
    O grande culpado pela crise do lulismo são as limitações do próprio lulismo, sua incapacidade de oferecer um projeto convincente que não seja mais que cosmética consumista, sua limitação atávica de não ir além do conformismo. E agora, essa realeza de araque está nua.
    Dizer isso não é dar asas a arrebatamentos esquerdofrênicos, nem é querer reiterar aquela velha lenga-lenga sobre o “capetal”. É simplesmente se esforçar por reconhecer o alcance da vigência da lógica do privilégio, que ordena a sociedade brasileira, e que o PT foi incapaz de reconhecer e de peitar.
    O terreno que o PT perdeu foi o terreno do fazer política. Por isso o PT corre o risco de perder sua razão de ser como força política, passando a subsistir apenas como etiqueta saudosista de alguns fanáticos obtusos. Esse PT está ficando cada vez mais com a cara do velho brizolismo.
    As urnas do próximo ano seguramente darão a resposta devida a essa miopia retórica de vitimização do PT, da mesma forma como acabou de acontecer na Venezuela.
    Enquanto nossos analistas não se derem conta disso, continuarão repousando candidamente sobre não mais que wishful thinking.

  9. Vitor Oliveira disse:

    Desde o resultado das urnas, já restava claro que a única forma de governar seria para e com as ruas. Dilma preferiu dar as costas aos seus eleitores, e conversar com a direita. Erro, por 2 motivos: a direita jamais aceitaria o PT mais uma vez, fossem qual fossem os argumentos; e, politicamente, uma irresponsabilidade sob o ponto de vista da representatividade. Ela não tinha mandato para conduzir as coisas como foram conduzidas. O resultado óbvio foi que, sem qualquer apoio, surgiu a crise política, que aprofundou a crise econômica. Com o impeachment, o contexto político volta a se assemelhar a 2014. Caso Dilma escape, as ruas terão dado a ela, novamente, um mandato. E, novamente, só vai ser possível governar com as ruas. Espera-se que, dessa vez, ela tenha compreendido.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *