Corte o gasto social, torre o dinheiro em prisões

Está demonstrado: quanto mais se desmonta o Estado de Bem-Estar social, mais se multiplicam os gastos insanos com o Estado Prisional

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Fartos estudos internacionais demonstram: quanto mais se desmonta o Estado de Bem-Estar social, mais se multiplicam os gastos insanos com o Estado Prisional

Por Laura Carvalho

Depois de 134 mortes registradas nos últimos 15 dias em prisões brasileiras, o presidente Michel Temer anunciou na terça-feira (17) a liberação das Forças Armadas para atuar em presídios estaduais, lembrando os tempos da monarquia, que reservava ao Exército tarefas típicas dos capitães do mato, como a prisão de escravos em fuga.

Além da falta de preparo dos militares para esse tipo de situação, a medida recebeu a mesma crítica que o anúncio da abertura de novas vagas em prisões feito anteriormente: nenhuma delas ataca a origem do problema.

Como bem descreveram Julita Lemgruber e Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, não há solução estrutural para o problema prisional que não passe pela redução do número de presos provisórios, cuja maior parte está presa ilegalmente, e pela revisão da atual política de drogas, que, além de superlotar presídios com usuários e pequenos traficantes, confere cada vez mais poder a facções criminosas.

A experiência internacional aponta uma terceira precondição para evitar o problema da superlotação carcerária, algo que certamente não está no horizonte do governo Temer ou, o que é ainda mais grave, do debate político-econômico brasileiro atual.

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Conforme sugere o estudo empírico seminal dos sociólogos Katherine Beckett e Bruce Western, que utiliza dados dos Estados norte-americanos entre 1975 e 1995, a taxa de encarceramento costuma ser maior onde o Estado de Bem-Estar Social é mais fraco.

A conclusão dos autores é que a redução dos programas sociais nos EUA durante os anos 1980 e 1990 refletiu a emergência de um novo sistema de administração do que chamam de “a marginalidade social”.

O achado vai na linha do que havia exposto o sociólogo Loïc Wacquant em “As prisões da miséria”.

Em vez da redução da intervenção estatal na vida social, a opção por “menos Estado” econômico e social, que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva nos vários países, leva à necessidade de “mais Estado” policial e penitenciário.

As evidências apresentadas por Richard Wilkinson e Kate Pickett no best-seller “The Spirit Level”, publicado em 2009, parecem conferir generalidade a tais argumentos. Os dados compilados para um conjunto de países ricos indicam que, quanto maior o nível de desigualdade, maior também é a taxa de encarceramento por habitante.

O cruzamento de dados mais recentes de encarceramento apresentados pelo ICPR (Institute for Criminal Policy Research) com o índice de Gini divulgado pelo Banco Mundial sugere que essa relação positiva vale para o conjunto de países do G20 e que o Brasil não foge à regra.

Em uma sociedade como a nossa, que nunca deixou de estar entre as mais desiguais do mundo, a opção por medidas de redução estrutural da rede de proteção social, em vez da via da tributação mais justa e do fortalecimento do Estado de bem-estar social, renova a escolha por uma abordagem exclusivista e punitivista de administrar a marginalidade social.

A proteção aos mais vulneráveis sempre pode caber no Orçamento, mas o genocídio jamais caberá na civilização.

Enquanto a insustentabilidade do sistema previdenciário em meio à elevação da expectativa de vida for vista pela maioria como mais dramática do que a insustentabilidade de um sistema penitenciário em meio à produção de um número cada vez maior de excluídos, estaremos condenados à barbárie.

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Um comentario para "Corte o gasto social, torre o dinheiro em prisões"

  1. PRIORIDADES NOS GASTOS PÚBLICOS EM TEMPOS DE CRISE
    Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista, pesquisadora da FAU – USP
    Folha/Uol, 15 de junho de 2016
    “[…]
    “Resolvi, então, examinar os números oficiais do Orçamento do Estado para 2016. Primeira surpresa: a previsão de receita do governo estadual para este ano –de mais de R$ 207 bilhões–, proposta no final de 2015, quando já estava claro que enfrentamos uma crise econômica, é maior que a dos anos anteriores. Ou seja, os recursos estaduais não exatamente despencaram, embora certamente não tenham crescido, considerando a inflação e eventuais erros de previsão.
    “Examinando então os gastos previstos –que é onde podemos identificar as prioridades–, de fato, o orçamento da segurança pública, com quase R$ 25 bilhões previstos para 2016, cresce sem parar, enquanto outras áreas têm previsão de receitas reduzidas em relação aos anos anteriores.
    “A maior parte do orçamento da segurança pública é destinada ao policiamento (cerca de R$ 17 bilhões), mas chama a atenção o fato de que o volume de recursos investido somente no sistema penitenciário (R$ 4,3 bilhões) é maior do que o de áreas como cultura (R$ 822,5 milhões), desenvolvimento social (R$ 928,5 milhões), habitação (R$ 1,6 bilhão) e saneamento e recursos hídricos (R$ 1,8 bilhão). O orçamento da segurança pública é muito próximo ao da educação e maior que o de uma área fundamental como a saúde, que conta com R$ 21,3 bilhões de acordo com o orçamento de 2016.
    “Na área de transportes, nota-se que os investimentos no Metrô sofreram uma queda de mais de 20%, considerando o que foi realizado em 2015 e o que está previsto para 2016 (de R$ 3,9 bilhões para R$ 3,1 bilhões). Também os investimentos na CPTM sofreram cortes: R$ de 1,77 bilhão para R$ 1,63 bilhão.
    “Analisando esses dados, que estão disponíveis no site da Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão, a pergunta que não quer calar é: por que os gastos em policiamento e no sistema penitenciário são a grande prioridade do governo Geraldo Alckmin (PSDB)? Isso reflete uma lógica que prioriza a repressão e punição, minimizando a importância de investimentos em áreas fundamentais para o desenvolvimento humano, como saúde, educação, habitação e cultura, cujos efeitos na segurança certamente são muito maiores que o da repressão e o do encarceramento.
    “A crise das escolas públicas, onde faltam condições básicas para um ensino-aprendizagem de qualidade, e das universidades públicas estaduais, onde muitos funcionários, estudantes e professores estão em greve; o lentíssimo ritmo de expansão da rede de transporte coletivo de massas, que faz com que os sistemas do Metrô e da CPTM operem com muitos problemas de superlotação e desconforto para os usuários, sem contar o alto custo da tarifa; a grave crise habitacional que atinge especialmente a população mais pobre são apenas alguns exemplos que mostram os efeitos das escolhas de prioridade do governo. Mais do que nunca, em momentos de crise, é necessário discutirmos abertamente a priorização dos gastos públicos.”
    http://www1.folha.uol.com.br/colunas/raquelrolnik/2016/06/1781923-prioridades-nos-gastos-publicos-em-tempos-de-crise.shtml

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