Brasil, país de 40 mil alambiques

Além de parte da cultura brasileira, cachaça é meio de subsistência. Produção, capilarizada, emprega mais que indústria de automóveis. Mas enfrenta preconceito e falta de políticas públicas

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Alambique formal no Rio Grande do Sul

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Por Felipe Jannuzzi

Para muitas famílias, geralmente localizadas nas regiões mais pobres do Brasil, produzir cachaça é uma questão de subsistência. De maneira informal, sem qualquer registro do ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ou conhecimentos técnicos avançados, esses produtores não destilam por amor ao ofício. Nestes lugares, cachaça é atividade para complementar a renda familiar.

Grande parte das bebidas informais não é feita com o compromisso de agradar paladares. O consumidor que passa pelo alambique e leva a sua PET cheia de pinga não compra para degustar – o que se espera são apenas os efeitos entorpecentes ou recreativos do álcool. Não existe a alquimia de um produtor que escolhe a cana a dedo, que cultiva a sua levedura com cuidado ou inventa um blend de madeiras nacionais. Por essa falta de compromisso, apesar de muitas vezes serem perfumadas ou até saborosas, as cachaças informais podem ter elementos indesejáveis e perigosos como o metanol e o cobre.

Mas mesmo assim, nas minhas próximas viagens quero colocar um ou outro alambique informal no meu roteiro de visitas.

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Alambique informal de cachaça no interior de São Paulo

No Brasil são registradas mais de 4 mil marcas de cachaça de alambique – número bastante expressivo. No Mapa da Cachaça já mapeamos centenas de produtores na nossa ferramenta de cadastro colaborativo.

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Ferramenta de cadastro de alambiques

Se formos considerar as cachaças de alambiques informais, podemos multiplicar esse número por 10. Em algumas cidades do norte de Minas Gerais, por exemplo, são encontrados centenas de produtores fazendo 5 a10 mil litros de cachaça por ano no quintal de casa. Esse cenário se repete em muitos outros estados brasileiros.

Os motivos para existirem tantos produtores informais são simples: cachaça barata vende e os impostos inviabilizam a formalização do pequeno produtor.

O produtor familiar tem seu preço condicionado pela grande indústria de cachaça que chega a pagar menos de R$1 por litro de pinga produzido. Um desses produtores da cachaça curraleira (como também pode ser chamada essa aguardente) me disse que o preço depende muito da safra e que muitas vezes são reféns dos valores impostos pela indústria.

No final da produção caminhões passam por essas pequenas cidades e se abastecem com centenas de milhares de litros de cachaça que depois serão padronizados ou até mesmo redestilados em alambiques formais. Pelo preço barato da cachaça comprada de terceiros, a indústria consegue colocar no mercado uma cachaça formal com preços muito competitivos. Em muitas dessas empresas, a cachaça comprada chega a representar até 70% da produção. Partindo de fontes informais a cachaça espalha-se por todo o Brasil com rótulos, selos de conformidade e algumas até premiadas por quem mais condena a pinga curraleira.

Deixar de falar desses produtores informais ou apenas destacar seus pontos negativos é excluir toda uma economia da cachaça, que possui mais trabalhadores do que a indústria automotiva nacional. Com o mercado desinformado, quem sai perdendo é principalmente o pequeno produtor formalizado de cachaça artesanal – que não consegue justificar para o consumidor o valor agregado ao seu produto. Além de ter custos de produção muito mais elevados, o produtor artesanal formalizado ainda tem que arcar com impostos que ultrapassam 80% do valor em que cachaça é comercializada.

Para quem quer entender sobre o cenário de produção de cachaça no Brasil é fundamental olhar para os informais. São eles os responsáveis pelo abastecimento de muitas prateleiras; são eles que tornam plural a produção de alambique. Torcer o nariz e condenar o pequeno produtor ilegal é uma grande hipocrisia. Afinal a cachaça com registro que você tomou no bar pode ter sido destilada no curral de algum produtor da cachaça artesanal informal.

Cachaça Weber Haus Amburana

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Para essa semana, escolhemos uma cachaça artesanal formalizada do Rio Grande do Sul, estado que vem se destacando com excelentes cachaça de alambique.

A cachaça Weber Haus é produzida em Ivoti, localizada mais ou menos a uma hora de Porto Alegre. Como o nome da cachaça sugere, é uma cachaça produzida por descendentes de alemães — traduzindo, seria algo como “A Casa dos Weber”. Evandro, filho de Hugo Weber e neto de José Weber Filho, é o atual responsável pela produção da cachaça.

A história do alambique começou em 1948, quando Hugo e José produziam a cachaça Primavera. O nome foi dado porque esta era a estação do ano mais agradável para os recém chegados da Alemanha. A cachaça também era carinhosamente chamada na região de Cachaça 48 por causa da localização do alambique no endereço Picada 48 Alta (o número faz referência à quantidade de lotes recebidos pelos primeiros colonos de Ivoti). Em 2001, a Primavera passa a se chamar Weber Haus.

A seleção dessa semana é a cachaça Weber Haus Amburana, edição envelhecida pelo menos 1 ano nessa madeira brasileira. A Weber Amburana exemplifica bem o estilo de cachaça produzido hoje pelos gaúchos: baixo teor alcoólico (38º, o menor para cachaça), uso de leveduras selecionadas durante a fermentação e a preferência de envelhecimento em amburana, destacando suas características adocicadas, com notas de baunilha e canela.

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2 comentários para "Brasil, país de 40 mil alambiques"

  1. Gostei do assunto de sua divulgação, gostaria de ver se é pertinente para meu site.

    Saudações.
    Att.

  2. R. Dantas disse:

    Quero conhecer mais sobre a produção de cachaça, bem saber as diferenças entre aguardente e cachaça. Assim como fazer da produção de cachaça um negócio para a família.

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