Brasil: o grande ataque aos serviços públicos

Tramitando sem debate entre a sociedade, escondida pela velha mídia, a PEC 241 ameaça devastar SUS, universidades públicas, Previdência e muito mais. Veja como

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Tramitando sem debate algum entre a sociedade, escondida pela velha mídia do público, a PEC 241 ameaça devastar SUS, universidades públicas, Previdência e muito mais. Veja por quê

Por Grazielle David, do Inesc

O artigo 3º da Constituição Federal esclarece quais são os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Para isso, o artigo 6º elenca os direitos sociais: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

Para assegurar especificamente os direitos à Saúde, à Previdência social e à Assistência Social, foi definida a Seguridade Social. Segundo o artigo 194 da Constituição, ela é um sistema de proteção social que visa garantir que os cidadãos se sintam seguros e protegidos ao longo de sua existência, provendo-lhes a assistência e recursos necessários para os momentos de infortúnios.

A Seguridade Social representa uma forma de organizar a sociedade com base no princípio da fraternidade e na garantia constitucional dos direitos. Ela conta com orçamento próprio composto por uma diversidade de fontes de receitas (artigo195), provenientes do orçamento da União, dos Estados e Municípios, e das contribuições sociais feitas pelas empresas e pelos trabalhadores. Entre estas fontes, destacam-se: Contribuição Previdenciária para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL); Contribuição Social Para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); Contribuição para o PIS/Pasep; Contribuições sociais sobre concurso de prognósticos (exemplo: as loterias).

Apesar dos alardes contrários, o Orçamento da Seguridade Social é superavitário. Consequentemente, os orçamentos da Saúde, da Previdência e da Assistência também são. Em 2014, por exemplo, a Seguridade Social teve uma receita de R$ 686 bilhões e uma despesa de R$ 632 bilhões, tendo como resultado um superávit de R$ 53 bilhões.

Gráfico 1: Orçamento da Seguridade Social

Captura de tela de 2016-07-04 15:50:46

Entretanto, esse superávit não tem sido revertido para a própria Seguridade Social. É perceptível a necessidade de um maior investimento para seu adequado funcionamento e garantia do direito à Saúde, à Previdência e à Assistência Social com qualidade para a população brasileira.

Por exemplo: ainda é muito baixo o valor per capita aplicado em Saúde no Brasil, sendo bastante inferior ao que é aplicado por outros países com modelo de Saúde universal — o mesmo do Sistema Único de Saúde (SUS) –, como Canadá e Inglaterra. Apesar das tentativas de garantir um melhor financiamento para a Saúde desde 2000, com a Emenda Constitucional 29, foi somente em 2012, com a Lei Complementar 141, que foram aprovados os valores mínimos a serem aplicados em ações e serviços públicos de Saúde por cada um dos entes federados (União, Estados e Municípios). Apesar de ainda limitada, especialmente por parte da União, essa garantia de financiamento mínimo representava um avanço. Avanço esse que durou muito pouco.

Em 2015, com a Emenda Constitucional 86, o financiamento da Saúde pela União foi novamente alterado, o que agravou e constitucionalizou seu quadro de subfinanciamento. A União, que em 2015 aplicou 14,8% da Receita Corrente Líquida (RCL) em Saúde, tem em 2016 a obrigação de aplicar apenas 13,2% da RCL, uma perda de R$ 10 bilhões que deveriam servir para salvar vidas, realização de exames, consultas, cirurgias, promover a saúde e prevenir doenças transmissíveis, entre outros. É ainda mais assustador que essa redução de orçamento ocorra inicialmente em um ano em que o Brasil enfrenta uma grave situação: a zika e seus efeitos, como a microcefalia.

Mais absurdo ainda é que os ataques à Seguridade Social (Saúde, Previdência Social, Assistência Social) e aos demais direitos sociais não param. A bomba mais recente e extremamente agressiva é a PEC 241/16. Ela determina que as despesas primárias terão, a cada ano, um limite. Ele será fixado tendo por base o valor limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação da inflação.

As despesas primárias são aquelas realizadas com as políticas públicas que garantem os direitos. Se a PEC 241 for aprovada, seu orçamento oscilará apenas segundo a variação inflacionária, desconsiderando o que deveria ser sua base: as necessidades da população brasileira. Também será desconsiderado que as receitas arrecadadas pelo Estado (impostos e demais tributos) existem para atender o interesse público, as necessidades sociais — e não a uma meta fiscal estabelecida de forma aleatória e abusiva para pagar, aos rentistas, uma das maiores taxas de juros do mundo. Será a inflação, e não mais as necessidades do povo brasileiro, o que determinará o valor a ser aplicado na Seguridade Social e nas demais políticas públicas. Isso representará uma alteração dos princípios norteadores da Constituição Federal Cidadã de 1988, uma ruptura com os alicerces e objetivos constitucionais do Bem-Estar Social, uma completa e absurda inversão de valores.

Para piorar o cenário, a PEC 241/16 prevê também que não haverá, por vinte anos, aumento real do que é investido nos direitos sociais, nas políticas públicas e na Seguridade Social. Tomando a Saúde como exemplo: como a população brasileira crescerá 9% e dobrará sua população idosa em duas décadas, de acordo com as previsões do IBGE, isso exigiria um aumento real do valor destinado para a Saúde; entretanto, isso não ocorrerá. Em valores reais, o mesmo montante de recursos aplicado em 2017 será aplicado em 2037, havendo apenas uma correção monetária. O resultado será uma aplicação per capita cada vez menor no SUS, já que a demanda por serviços aumentará e o financiamento não, o que implicará em piora da oferta e da qualidade dos direito à Saúde para os brasileiros. Esse exemplo da Saúde é real para todos os demais direitos: Educação, Previdência, Assistência, Transporte, todos serão cada vez mais sucateados. Se a PEC 241/16 estivesse em vigor desde 2003, por exemplo, a Saúde teria sofrido uma perda acumulada de R$ 318 bilhões, conforme demonstra a tabela abaixo:

Tabela 1: Despesa com saúde EC-29 e PEC-241*

Captura de tela de 2016-07-04 15:51:02

Avaliando a porcentagem do PIB aplicada em Saúde entre o que foi e o que seria caso a PEC 241/16 estivesse em vigor desde 2003, é possível constatar a imensa perda de investimentos. Em 2015, por exemplo, ao invés de 1,69%, apenas 0,94% do PIB teria sido investido em Saúde. Se no momento já vivemos um quadro de subfinaciamento do SUS, a situação seria bem pior caso a PEC 241 já estivesse em vigor, com o SUS completamente inviabilizado por absoluta falta de recursos.

Gráfico 2: Despesa empenhada em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) como % do PIB

tabela2

 Fonte: Grupo Técnico Interinstitucional de Discussão do Financiamento do SUS

*Valores a preço de Março de 2015 em R$ mil

Caso a PEC 241/16 fosse aprovada ainda esse ano, já veríamos uma perda imensa do financiamento do SUS nos próximos dois anos. Em 2017, a previsão é de que R$ 4 bilhões deixarão de ser aplicados em Saúde. Em 2018, serão R$ 8 bilhões a menos.

Tabela 2: Perda de receita com a PEC 241/16 em 2017 e 2018

tabela3

Fonte: Grupo Técnico Interinstitucional de Discussão do Financiamento do SUS

*Valores a preço de Março de 2015 em R$ mil

Enquanto as demandas sociais aumentam, com o crescimento e envelhecimento populacional, e com novas tecnologias de Saúde cada vez mais caras, a proposta de um novo modelo fiscal que reduz investimentos no setor produzirá, se não barrada, o sucateamento definitivo do SUS. É importante destacar que o SUS é utilizado por todo o povo brasileiro, inclusive por aqueles que têm planos de saúde ou pagam atendimentos particulares. Isso ocorre porque o SUS é muito mais do que consultas e procedimentos. É também a Farmácia Popular, é o transplante realizado, é a vigilância sanitária, epidemiológica e em saúde, os tratamentos oncológicos, os medicamentos de alto custo em sua maioria judicializados pela classe financeira média e alta, entre outros. Apesar de afetar de forma mais intensa os grupos mais vulneráveis, toda a população brasileira sofrerá com a falência do sistema. O mesmo vale para as demais políticas públicas, como as de Assistência e Previdência Social que compõem a Seguridade Social, e também as demais, como Educação, Transporte, Segurança Alimentar. A PEC 241/16 representa a destruição do Estado de Bem Estar Social previsto na Constituição brasileira, ainda em construção e não plenamente alcançado, mas sempre tão minado e agora sofrendo uma tentativa de devastação completa.

Antes grande propagador da austeridade, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou recentemente um estudo em que se retrata por suas equivocadas orientações neoliberais. O trabalho constatou que, além de serem economicamente ineficientes para resgatar a economia em tempos de crises (1), as medidas de austeridade apenas aprofundam as desigualdades econômicas e sociais já existentes, especialmente entre os grupos já em situação de vulnerabilidade.

Nesse contexto de ajuste fiscal, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou chamando às autoridades brasileiras, para que “observem os princípios de progressividade e não regressão na área dos direitos econômicos, sociais e culturais” além de manter seus compromissos assumidos nos espaços de direitos humanos regionais e universais. Alertaram ainda que as medidas de austeridade anunciadas “iriam constituir uma regressão não autorizada do Protocolo de São Salvador” (2).

Qualquer tentativa de redução do financiamento da Seguridade Social e dos direitos sociais representa um atentado contra a Constituição, Carta Magna de um país. Não pode, e não será, tolerado.

Virada Social em Brasília

Dois dias de atividades em defesa dos dirietos sociais e contra a PEC 241

Terça-feira, 5/7

9h: Audiência Pública “O financiamento do SUS frente aos anúncios do governo interino – Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal (Anexo II sala 4A).

17h – Lançamento da Frente parlamentar mista em defesa do SUS – Câmara dos Deputados (Anexo II Plenário 1).

19h – Vigília em defesa da saúde, da seguridade e da democracia – Alameda dos Estados

Quarta-feira, 6/7

9h – Marcha em defesa da saúde, da seguridade e da democracia – Concentração na Catedral Metropolitana

1. https://www.theguardian.com/business/2016/may/27/austerity-policies-do-more-harm-than-good-imf-study-concludes

2. Inter American Commission on Human Rights, Press release 67/16 of May 18, 2016, “IACHR Expresses Deep Concern over Regression in Human Rights in Brazil” Disponível online here.

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7 comentários para "Brasil: o grande ataque aos serviços públicos"

  1. Pois é! Quem não se elegeu como a Presidenta Dilma, via urnas, pode (des) governar à vontade, rasgar a Constituição, burlar todas as leis, doar as nossas riquezas aos americanos, receber infinitas propinas sem ser molestado, pagar senadores para aprová-lo e por aí vai. Somos, de fato, uma república de bananas! A esquerda vai aceitar tantos desmandos, se não bateu sequer uma panela? Espero que não!

  2. deroaldo boida de andrade disse:

    fiquei desnorteado com a leitura, apresenta muitos dados que desconheço, mais algumas informações que conflitam completamente com o conhecimento que me tem chegado nos meus 59 anos de vida, como : “Apesar dos alardes contrários, o Orçamento da Seguridade Social é superavitário.” E os números são mostrados e eu, apesar de não acreditar neles, não sei dizer onde está o erro. Também o texto apresenta suspeitíssima conclusão como: “Será a inflação, e não mais as necessidades do povo brasileiro, o que determinará o valor a ser aplicado na Seguridade Social e nas demais políticas públicas.” Como se fosse possível cuidar das necessidades plenamente, sem nem observar que os recursos são finitos. Tá tudo muito louco!

  3. cida santos disse:

    O que mais me impressiona nesse tipo de artigo é a falta de direcionamento da notícia, o que eu quero dizer é que ele não é direcionado aos mais interessados na notícia que é o povo brasileiro, e sim e unicamente para quem quer apenas fofocar. Temos que saber as razões reais pelas quais esse dinheiro está senso desviado. Ora, essa dívida pública….quem que mama esse leite? Pra quem o Brasil, rico por natureza, está vendendo sua caderneta?

  4. sonia disse:

    Até eu que sou digamos leiga no assunto, saberia o que fazer e bem acertado. É simples, retirar mais da metade dos políticos e cargos políticos de onde estão e vão trabalhar. Reduzir o salário de quem fica, mas para isso o POVO precisa assumir suas responsabilidades de patrão, gestor, chefe, o que for dessa gente, deixando os estádios de futebol e olimpíadas vazios e focarem em sua miséria em vez de levarem dinheiro para os estádios e ajudarem a enriquecer uma meia dúzia que não está nem aí para ninguém, quando vão para suas festas. Acorda Povo Brasileiro e começa a boicotar esses “espetáculos”, que devem ser prestigiados fora de tempos de crise. Imagina enquanto ficam gritando nos estádios os políticos ficam aprontando o que querem, retirando direitos adquiridos, fazendo idosos trabalharem até o fim de suas vidas, Acorda Brasil, POVO…

  5. Arthur disse:

    A situação é extremamente grave e preocupante, como aliás já se previa com a concretização do golpe dado pela quadrilha que tem Temer como seu representante oficial.Resta saber se a grande maioria da população que já está sendo e ainda será muito mais atingida por toda essa onda de golpes a serviço do grande capital especulador e do pior que existe no meio político nacional irá acordar e reagir a tempo de evitar a catástrofe social que se anuncia.

  6. É claro que a aprovação dessa PEC significará o colapso dos sistemas públicos. Isso aumentará a tensão social e o fim desse sistema acontecerá muito em breve, pois a população já deu muitos sinais de que não está nada tolerante com governos e políticos. Vincular os investimentos públicos (e que alguns chamam de despesas ou gastos, pois preferem pagar os rentistas) com índice inflacionário do passado é uma ideia estúpida, quando sabemos que há aumento das demandas sociais, população envelhecendo e crescimento populacional. Segundo a PEC proposta, mesmo no caso em que o PIB brasileiro aumente muito (e tomara que sim) , os investimentos sociais ficarão completamente defasados. Seria mais honesto deixá-los vinculados ao PIB. O sistema está cavando a própria sepultura.

  7. Bôsco Lima disse:

    porque não conseguimos compartilhar esta notícia no face?

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