Boulos: o que está em jogo?

O clima construído nas ruas é de caça às bruxas. A oposição partidária de direita ainda acha que que vai surfar nessa onda, sem perceber que pode ser afogada por ela

O publicitário Vinícius Vasconcellos sendo agredido por manifestantes pró-impeachment. Foto: Felipe Larozza/VICE

O publicitário Vinícius Vasconcellos sendo agredido por manifestantes pró-impeachment. Foto: Felipe Larozza/VICE

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Por Guilherme Boulos

Chegamos ao momento mais grave da crise política do país. Após Dilma chamar Lula ao ministério, Moro mandou vazar uma conversa grampeada entre os dois. Com chamado midiático, o clima nas ruas é de convulsão.

Moro apostou alto. Ao grampear um telefonema envolvendo a presidente da República e divulgar o áudio no momento politicamente mais conveniente para os que querem derrubá-la, o juiz ultrapassou a linha vermelha. Tirou definitivamente a toga e assumiu sua condição de militante político.

Foi para o “vai ou racha”. Era o sinal que faltava. Sua decisão levou alguns milhares às ruas, exigindo a renúncia da presidente. Foram registrados conflitos em várias cidades. Em alguns lugares, linchamentos.

Um ciclista foi agredido na avenida Paulista por ter “cara de petista” e bicicleta vermelha. Uma mulher levou um soco na mesma avenida por recusar-se a gritar pela prisão de Lula. Episódios de intolerância como esses espalham-se pelo país.

Caminho sem volta

O caminho escolhido pelos que querem derrubar o governo é perigoso. Não se tira pitbulls das ruas com a mesma facilidade com que se os insufla. Propagar ódio com tal intensidade pode ser um caminho sem volta.

Quem pensa que é só contra os petistas se engana. Agora há pouco, o secretário de Segurança de Alckmin, Alexandre de Moraes, foi escorraçado da avenida Paulista por tentar liberar a faixa de ônibus.

O clima criado por essas manifestações não admite nenhum tipo de contestação. Nem mesmo em relação a uma faixa de avenida. Quanto mais em relação ao mérito. O feitiço poderá virar contra o feiticeiro.

A oposição partidária de direita parece que ainda não assimilou as consequências da vaia de domingo. Acha que vai surfar nessa onda. Pode até ser, mas não é pequeno o risco de ser afogada por ela.

A velha direita não seduz a multidão que ajudou a insuflar. As manifestações querem um salvador, um justiceiro de pulso, que –em nome do “bem”– está liberado para violar a Constituição, desrespeitar garantias individuais e “botar ordem na casa”. Por isso gostam tanto de Sérgio Moro, por isso alguns exaltam Bolsonaro.

O que é mais chocante nisso tudo é a passividade do STF. Um juiz de primeira instância faz o que quer, adota medidas de exceção como regra, grampeia a presidente e não há reação.

Quando em 2008 o então presidente do Supremo, Gilmar Mendes, acreditou ter sido grampeado, acusou o “estado policial”. Lula, presidente à época, demitiu o diretor-geral da PF. O atual silêncio do STF é ensurdecedor.

O que está em jogo

É preciso compreender o que está em jogo nesses dias tumultuados. Não se trata nem de defender o governo Dilma e muito menos de brecar as investigações de corrupção.

Dilma decidiu por aplicar o programa derrotado nas urnas e encampar retrocessos em relação às políticas sociais, acreditando que atrairia o mercado. Conseguiu desagradar a todos e, com isso, criou a base social para o golpismo. Paga o preço de suas escolhas.

Em relação às investigações, devem ser levadas adiante. Mas uma investigação que assegure as garantias constitucionais e que não escolha alvos politicamente. Sem linchamento, sem seletividade.

O que está em jogo é deter uma ofensiva odiosa, que impõe o pensamento único e métodos de intolerância.

O clima construído nas ruas é de caça às bruxas e não apenas contra o petismo. É contra a bicicleta vermelha, a “cara de petista” e a recusa em entoar seus gritos. Representa um risco real a liberdades democráticas.

Aos que insuflam esta situação é sempre bom lembrar o destino de Carlos Lacerda após o golpe de 1964. Quem aposta na tática incendiária tem sempre o risco de ver o fogo sair do controle.

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4 comentários para "Boulos: o que está em jogo?"

  1. Marc disse:

    Traduzindo: os bandidos que disputam entre eles o controle da casa-grande, chamem-se eles Temer, Lula, Dilma, Paulo Skaf ou Guilherme Boulos, deveriam se unir contra a ameaça de a senzala finalmente pôr um fim nessa palhaçada secular de pagar impostos para financiar a farra da casa-grande. Chora mais, seu lixo, porque o seu fim e o dos seus aliados (que você insiste na farsa de pintar como inimigos) está chegando.

  2. Bento Sartori de Camaro disse:

    Pensar o país para as futuras gerações é o mínimo que podemos fazer enquanto cidadãos de bem e corrijam-me se estiver errado: temos uma das das mais altas cargas tributárias do planeta com um retorno medíocre para a sociedade desde a falta de uma alta qualidade na Educação pública. Na Saúde pública estamos longe de um atendimento excelente tanto na Atenção Básica, e pior ainda na Média e Alta Complexidade. Na Segurança pública estamos literalmente nas mãos dos marginais, não contamos com a segurança preventiva, os narcotraficantes dominam cada vez mais e mais. A nossa Infraestrutura rodoferroaeroportuária não é moderna e altamente eficiente para atender a logística interna e de exportação. Cadê o dinheiro?, é imperioso uma urgente “reforma radical” em vários setores no país desde o político eleitoral, administrativo, fiscal, tributário, trabalhista, previdenciário, enfim uma infinidade de outros assuntos que não me ocorrem. Reformas que precisam da participação de no mínimo 70% da sociedade civil organizada caso contrário é deixar “as raposas legislarem para seu galinheiro”.

  3. Alexandre Ribeiro disse:

    Você é igual ao PMDB, primeiro olha a maré para depois navegar. Pequeno burguês de pseudo esquerda, oportunista como o psru PSOL e essa cambada de invejosos covardes que não aceitam que um operário não Intel e seja a liderança que é lamentável para você.

  4. Edgar Rocha disse:

    Meu Deus, a que ponto o Brasil chegou! A força desta turba não está em seu poder econômico ou de organização. Sequer em seu ódio ofensivo a todos que se mostrem minimamente humanos. Está na omissão das instituições, em especial dos Governo Estaduais que colocam suas forças repressivas unicamente em favor do golpe e, quando muito em estado de inércia. Ir às ruas e agredir, tomar, humilhar a desconhecidos é o auge da demonstração de que confiam cegamente não no que dizem, mas em sua impunidade. Não fosse isto, estaria esta corja dentro de casa, talvez armando na surdina algum atentado, mesmo assim, com medo suficiente pra pensar duas vezes. Não há força do Estado contrária a truculência e em favor do Estado de Direito. PF, PM, Exército… todos, cada qual zelando por seus interesses mesquinhos e com motivos indizíveis pra deixar o sangue rolar nas ruas sem nenhuma providência. Com a certeza da ilegitimidade deste processo politico e com a suspensão evidente dos direitos civis de todos. Não haverá, num futuro próximo, outra saída: partir pra autodefesa legitimada pelo abuso sofrido. Ou sair do país. Deixar que nos tirem toda a cidadania.
    Não fosse só a omissão do Estado, ainda temos o poder paralelo nas periferias aplicando um terrorismo aberto contra os que eles sabem ser de esquerda. Até o PCC está politizado. Até o crime está nas mãos dos golpistas e pronto pra fazer o serviço político sujo desejado pelos hidrofóbicos, sem deixar rastro ideológico. Eis o meu maior medo: qualquer ataque às lideranças poderá ser crime comum, sem chance de prova em contrário no futuro. Nem os coroneis teremos pra apontar o dedo. E regime, infelizmente, é de bêbado. Não tem dono.

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