Boulos: Autoritarismo, Golpe e Recalque

A beata agarra o cardeal. A doutora nega atendimento. Atacam-se bebês de vermelho. E o deputado Aleluia, da Lista de Furnas, pede que me prendam…

Em plena Catedral da Sé, católica agarra o Dom Odilo Scherer. Depois, rolaria com ele no chão e o arranharia na face, possivelmente influenciada por textos de Olavo de Carvalho, que viram no bisco conservador um possível comunista

Na Catedral da Sé, católica agarra Dom Odilo Scherer. Depois, rolou com ele no chão, influenciada por textos de Olavo de Carvalho — que viram no bispo conservador um possível comunista…

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A beata agarra o cardeal. A doutora recusa-se a atender criança enferma. Dementes atacam bebês de macacão vermelho. E o deputado Aleluia, citado na Lista de Furnas, pede que me prendam…

Por Guilherme Boulos

No último dia 22, um grupo foi até a casa do ministro Teori Zavascki intimidá-lo por conta de sua decisão de enviar a investigação contra Lula para o Supremo Tribunal Federal. Decisão esta que foi confirmada, na última quinta-feira, pelo plenário da corte.

O endereço do ministro foi divulgado nas redes sociais pelo movimento “Vem pra Rua”. O “músico” Lobão foi além e divulgou o endereço do filho do ministro, estimulando um cerco à sua casa.

No dia seguinte, o cardeal de São Paulo, Dom Odilo Scherer, foi agredido durante a missa e chamado de comunista por uma senhora fora de si. Odilo foi lançado ao chão e arranhado no rosto. O cardeal – diga-se de passagem, um católico conservador – havia sido “acusado” de comunista anteriormente num vídeo gravado por Olavo de Carvalho.

Nessa semana, na madrugada do dia 29, um grupo de playboys foi ao prédio onde mora o jornalista Juca Kfouri para xingá-lo. Juca, conhecedor da covardia dos fascistas que se escondem no anonimato, desceu e deu-lhes uma boa lição de moral.

A estes três episódios ilustrativos somam-se inúmeras agressões contra pessoas vestidas de vermelho e intimidações a quem destoe da narrativa “Fora Dilma. Lula na cadeia”. Uma pediatra do Rio Grande do Sul recusou-se a atender uma criança por sua mãe ser petista. Até um cachorro foi chutado em Brasília por estar com um lenço vermelho pendurado no pescoço.

Situações como estas nos ajudam a entender quem de fato está incendiando o Brasil. Setores da imprensa e políticos antipetistas estão insuflando irresponsavelmente um clima hostil e incendiário no país.

Curioso é que atribuam isso à esquerda e aos movimentos populares.

Há alguns dias o jornal O Estado de São Paulo lançou um editorial acusando este colunista de criminoso por declarar que o resultado de um golpe contra a democracia e os direitos sociais não seria a “paz dos cemitérios”, mas greves, ocupações e mobilizações. As acusações foram estendidas ao MTST e ao MST.

O deputado José Carlos Aleluia (DEM/BA), famoso desde a CPI dos Anões do Orçamento e lembrado pela lista do caixa dois de Furnas, pegou carona e entrou com uma representação na Procuradoria da República contra mim por incitação ao crime.

Ora, o país sabe qual é o programa de Michel Temer.

Para quem não sabia, a língua grande de Moreira Franco fez questão de informar : fim do subsídio para programas sociais, desindexação do salário mínimo, privatização do SUS, redução do Fies e por aí vai.

Acreditar que medidas como essas – implementadas ainda por um governo sem a legitimidade do voto – não enfrentarão decidida resistência popular é uma estupidez. Só consideram isso uma ameaça aqueles que não conhecem a história das lutas sociais em nosso país. A resistência é certa.

Fica, portanto, a questão de quem está incendiando o Brasil.

Aqueles que querem impor um presidente que tem 1% de intenções de voto, com um programa de devassa nos direitos sociais, ou os que resistem a isso?

Aqueles que saem às ruas agredindo os adversários, que cercam casas de juízes e jornalistas e agridem um cardeal, ou os que estão sendo vítimas das agressões?

A resposta não exige nada além de bom senso. Mas, nesses tempos, mesmo isso é pedir demais.

 

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2 comentários para "Boulos: Autoritarismo, Golpe e Recalque"

  1. Ana Bock disse:

    No caminho, com Maiakóvski
    (Eduardo Alves da Costa)
    “[…]
    Na primeira noite eles se aproximam
    e roubam uma flor
    do nosso jardim.
    E não dizemos nada.
    Na segunda noite, já não se escondem;
    pisam as flores,
    matam nosso cão,
    e não dizemos nada.
    Até que um dia,
    o mais frágil deles
    entra sozinho em nossa casa,
    rouba-nos a luz, e,
    conhecendo nosso medo,
    arranca-nos a voz da garganta.
    E já não podemos dizer nada.
    […]”
    Há que se resistir. Há que se falar sempre. Paz sem voz, não é paz é medo.
    Continuemos falando!!!!!

  2. Edgar Rocha disse:

    Em tempos em que criminosos estão no comando, lugar de gente séria e honesta é na cadeia. Dizer não a um sistema que agoniza e por isto esperneia, morde e arrebenta tem seu preço. Nos dias negros que se descortinam, qualquer acusação, processo, prisão ou castigo deve ser registrada e, se possível, com prova emoldurada e posta na parede, como um dado a mais na lista de qualificações do currículo. São tantos os injustiçados neste país, desde lideranças e personalidade até – e principalmente – anônimos perseguidos por motivos que só fazem denegrir a quem os persegue, que penso ser este país, apesar de todos os embaraços causados por nossas elites, um país de herois, de gente forte, corajosa e com princípios. Celebremos cada agressão, cada processo, cada prisão como um ato de unificação entre os que há tempos se encontram dispersos, isolados pela confusão mental e ideológica desta virada de século tão conturbada.
    Os demônios voltam a dar as caras. São os mesmos de um passado que ingenuamente acreditávamos estar enterrado. Achamos que os dilemas humanos tivessem se modificado de tal forma que já não faziam sentido as referências passadas. Elas ainda fazem muito sentido! Precisam ser ressuscitadas, precisam ser aprimoradas e jamais esquecidas novamente. Fomos todos vítimas de um processo calculado de desqualificação de valores capazes de frear o avanço da mesquinhez, da tirania, do medo e do ódio, tão necessários aos projetos de uma minoria enlouquecida pelo poder.
    Acanhados pelas contradições e envolvidos pelas mentiras mais sutis, desviamos os olhos do inimigo. Na dúvida, puxamos o fôlego e este lapso bastou para que o mal avançasse novamente. Descaradamente. Agora, ele nos apunhala pelas costas. Trouxemos a serpente para o centro da sala quando tivemos a chance de pisar-lhe a cabeça. Vimos no dragão uma mansidão dissimulada que nos encheu de orgulho e da certeza de tê-lo domado.
    Mas, deixe estar. Uma vez aprendida a lição, bastará o cheiro, a mínima semelhança dos padrões de suas cores, o mais discreto silvo para que nos arrepiemos e montemos guarda.
    Senhor Boulos, que as ameaças não lhe sejam motivo de desânimo ou insegurança. Quando recusamos os conflitos – o que é natural, já que tentamos nos preservar – passamos a integrar o lado que nos oprime. Sei disto. Falo por mim. Errei muito tentando ser conciliador ou procrastinador. Só me resta a certeza de que, são momentos da mais alta injustiça que nos fazem valer à pena ter vivido. Não baixar a cabeça é a única vitória que podemos almejar em nível pessoal. O resto é consequência. Isto é a diferença entre o arrependimento e a tranquilidade. Uma única luta a ser levada até o fim pode valer toda nossa vida.
    Mantenha suas convicções. Você sabe que não está só.
    Meus respeitos.

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