1964: os generais sob a estratégia americana

Adesão militar ao golpe não foi natural. Para construí-la, EUA atuaram três anos, a pretexto de “evitar uma nova Cuba”

O general Castello Branco conspira, dias antes do 31 de Março. Ações de provocação estimuladas diretamente pela embaixada dos EUA foram essenciais para que alta cúpula do exército aderisse ao golpe

General Castello Branco conspira, dias antes do 31 de Março. Ações de provocação estimuladas pela embaixada dos EUA foram essenciais para que cúpula do exército aderisse ao golpe

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Adesão militar ao golpe não foi natural. Para construí-la, EUA atuaram três anos, em ambiente de Guerra Fria, a pretexto de “evitar uma nova Cuba” 

Por Luiz Alberto Moniz Bandeira

A partir da vitória da Revolução Cubana, em 1960, as atenções dos Estados Unidos voltaram-se mais e mais para a América Latina. A Junta Interamericana de Defesa (JID), por sugestão dos Estados Unidos, aprovou a Resolução XLVII, em dezembro daquele ano, propondo que as Forças Armadas, consideradas a instituição mais estável e modernizadora no continente, empreendessem projetos de “ação cívica” e aumentassem sua participação no “desenvolvimento econômico e social das nações”. Pouco tempo depois, em janeiro de 1961, ao assumir o governo dos Estados Unidos, o presidente John F. Kennedy (1961 – 1963) anunciou sua intenção de implementar uma estratégia tanto terapêutica quanto profilática, com o objetivo de derrotar a subversão, onde quer que se manifestasse. E o Pentágono passou a priorizar, na estratégia de segurança continental, não mais a hipótese de guerra contra um inimigo externo, extracontinental (União Soviética e China), mas a hipótese de guerra contra o inimigo interno, isto é, a subversão. Essas diretrizes, complementando a doutrina da contra-insurreição, foram transmitidas, através da JID e das escolas militares no Canal do Panamá, às Forças Armadas da América Latina, região à qual o presidente Kennedy repetidamente se referiu como the most critical area e the most dangerous area in the world [“a área mais crítica” e “a área mais perigosa no mundo”].

O surto de golpes desfechados pelas Forças Armadas no continente a partir de então decorreu não somente de fatores domésticos, mas, sobretudo, da mudança na estratégia de segurança do hemisfério pelos Estados Unidos. O objetivo da intervenção das Forças Armadas no político era o alinhamento às diretrizes de Washington dos países que se recusavam a romper relações com Cuba.

Embora golpes de Estados fossem quase rotineiros na América Latina, os que ocorreram a partir de 1960 não decorreram das políticas nacionais. Antes, constituíram batalhas da Terceira Guerra Mundial oculta [hidden World War Three], um fenômeno de política internacional, resultante da Guerra Fria. E aí era necessário criar as condições objetivas, tanto econômicas quanto sociais e políticas, que compelissem as Forças Armadas a desfechá-los. A essa tarefa, a CIA se dedicou, através de spoiling operations, operações de engodo, uma das quais consistia em penetrar nas organizações políticas, estudantis, trabalhistas e outras para induzir artificialmente a radicalização da crise e favorecer a derrubada do governo por meio de um golpe militar.

No Brasil, desde que os comandantes das Forças Armadas não conseguiram impedir que o vice-presidente João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), assumisse o governo, em agosto de 1961, em virtude da renúncia do presidente Jânio Quadros, a CIA começou a dar assistência aos diversos setores da oposição que conspiravam para derrubá-lo. Em 1962, a CIA gastou entre US$ 12 milhões e US$ 20 milhões financiando a campanha eleitoral de deputados de direita, através de organizações que seus agentes criaram, como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e a Ação Democrática Parlamentar. O número de deputados cuja campanha essas e outras frentes da CIA elegeram não compensou. Mas as spoiling operations prosseguiram.

Em meados de 1963, o Pentágono tratou de elaborar vários planos de contingência a fim de intervir militarmente no Brasil caso o presidente João Goulart, reagindo às pressões econômicas dos Estados Unidos, inflectisse mais para a esquerda, ultranacionalista, no estilo do governo do presidente Getúlio Vargas.

Mais ou menos à mesma época, em 13 de junho de 1963, a Embaixada do Brasil em Washington, sob a chefia do embaixador Roberto Campos, enviou ao Itamaraty o documento Política Externa Norte-Americana – Análise de Alguns Aspectos, anexo 1 e único ao Ofício nº 516/900 (Secreto), no qual comentou que as pressões do Pentágono estavam a levar os Estados Unidos a reconhecer e a cultivar “relações amistosas com as piores ditaduras de direita”, pois “do ponto de vista dos setores militares de Washington tais governos são muito mais úteis aos interesses da segurança continental do que os regimes constitucionais”.

Os agentes da CIA, entrementes, executavam as mais variadas modalidades de operações políticas (PP), covert actions [ações encobertas] e spoiling actions. Em 12 de setembro de 1963, cabos, sargentos e suboficiais, principalmente da Aeronáutica e da Marinha, liderados pelo sargento Antônio Prestes de Paulo, sublevaram-se, em Brasília, e ocuparam os prédios da Polícia Federal, da Estação Central da Rádio Patrulha, da Rádio Nacional e do Departamento de Telefones Urbanos e Interurbanos. O movimento serviu como provocação e contribuiu para colocar a oficialidade das Forças Armadas a favor do golpe de Estado. A campanha da CIA prosseguiu, instigando greves tanto nas cidades como nas fazendas, e com outras ações, cada vez mais radicais, para que caracterizassem uma guerra revolucionária, denunciada pelo deputado Francisco Bilac Pinto, da UDN, em vários discursos na Câmara Federal, nos quais acusava o presidente Goulart de apoiá-la. E, a fim de que se afigurasse uma insurreição comunista em andamento, entre 25 e 27 de março de 1964, José Anselmo dos Santos, conhecido como “cabo Anselmo”, mas na verdade um estudante universitário infiltrado entre os marinheiros pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar) em colaboração com a CIA, liderou centenas de marinheiros, que decidiram comemorar o aniversário da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, desacatando a proibição do ministro da Marinha, almirante Sílvio Mota, e correram para a sede do Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, a fim de comprometer os trabalhadores com o movimento. Os fuzileiros, enviados para invadir o sindicato, desalojar e prender os marinheiros, terminaram por aderir ao motim. O Exército teve de intervir para sufocá-lo.

O episódio visou a encenar uma repetição da revolta no encouraçado Potemkin, que desencadeou na Rússia a revolução de 1905. Esse motim agravou os efeitos da revolta dos sargentos e empurrou o resto dos oficiais legalistas para o lado dos conspiradores. As Forças Armadas não podiam aceitar a quebra da hierarquia e da disciplina. Goulart já havia perdido então quase todo o respaldo militar. Entre 31 de março e 1° de abril, ele ouviu de muitos oficiais superiores que eles não estavam contra seu presidente, mas “contra o comunismo”, fantasma que servia como pretexto ao golpe.

Quatro dias antes do golpe, o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, telefonou a Washington e demandou o envio de petróleo e lubrificantes para facilitar as operações logísticas dos conspiradores, além do deslocamento de uma força naval. Em 30 de março, a estação da CIA no Brasil transmitiu a Washington, segundo fontes em Belo Horizonte, que “uma revolução levada a cabo pelas forças anti-Goulart terá curso esta semana, provavelmente em poucos dias”, e marcharia para o Rio de Janeiro. No mesmo dia, no momento em que o presidente João Goulart discursava para os sargentos no Automóvel Club, o secretário de Estado, Dean Rusk, leu para o embaixador Lincoln Gordon, por telefone, o texto do telegrama n° 1.296, sugerindo que, como os navios carregados de armas e munições não podiam alcançar o Sul do Brasil antes de dez dias, os Estados Unidos poderiam enviá-las por via aérea. Ele receava que naquelas poucas horas houvesse uma acomodação, o que seria deeply embarrassing para o governo norte-americano.

O motim dos marinheiros, em 26 de março, constituiu a provocação que o general Humberto de Alencar Castello Branco esperava para induzir a maioria dos militares a aceitar a ruptura da legalidade. O golpe estava previsto para depois da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, no Rio de Janeiro, marcada para 2 de abril e financiada pela CIA. Porém, o general Olímpio Mourão Filho, comandante da IV Região Militar, com sede em Juiz de Fora (MG), afoitou os acontecimentos.

Os militares brasileiros, decerto, não teriam desfechado o golpe se não contassem com a cobertura dos Estados Unidos. Porém, para que os Estados Unidos pudessem fornecer ajuda militar, seria preciso dar aparência de legitimidade ao golpe. E por telefone, de seu rancho no Texas, em 31 de março, o presidente Lyndon B. Johnson deu luz verde ao secretário de Estado assistente para a América Latina, Thomas Mann.

O golpe de Estado estava consumado, coadjuvado pelo senador Auro de Moura Andrade, que declarou, ilegalmente, a vacância da Presidência. O deputado Pascoal Ranieri Mazzilli, o primeiro na linha de sucessão como presidente da Câmara Federal, assumiu o governo. Não se observou nenhuma formalidade legal.

Não obstante, o embaixador Lincoln Gordon recomendou ao Departamento de Estado o reconhecimento do novo governo e o presidente Lyndon B. Johnson telegrafou imediatamente a Mazzilli para felicitá-lo. O reconhecimento diplomático era um dos elementos necessários para o estabelecimento da autoridade do governo. O objetivo da pressa fora justificar o atendimento a qualquer pedido de auxílio militar por parte do novo governo.

O golpe de Estado que derrubou em 1964 o presidente João Goulart e se autoproclamou “Revolução Redentora” tipificou o conjunto das operações que a CIA desenvolveu e aprimorou. No seu diário, o agente da CIA Philip Agee, então alocado em Montevidéu, assinalou que a queda de Goulart fora, “sem dúvida, devida amplamente ao planejamento cuidadoso e a campanhas consistentes de propaganda que remontaram pelo menos à eleição de 1962”. Goulart sabia-o. Ao chegar a Brasília, em 1° de abril, ele disse ao deputado Tancredo Neves que a CIA havia inspirado a sublevação, reiterando o propósito de não se render. E seguiu para o Rio Grande do Sul onde percebeu que também não havia condições de resistência.

A satisfação foi tão grande em Washington que, em 3 de abril, às 12h26, o secretário de Estado assistente para a América Latina,Thomas Mann, telefonou para o presidente Lyndon B. Johnson: “Espero que esteja tão satisfeito em relação ao Brasil quanto eu”. Johnson respondeu: “Estou”. Mann continuou: “Acho que é a coisa mais importante que aconteceu no hemisfério em três anos”. Johnson arrematou: “Espero que nos deem algum crédito em vez do inferno”.

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13 comentários para "1964: os generais sob a estratégia americana"

  1. cliaoliveira disse:

    sei por relato de parentes sob porta-aviões, que não pode entrar na Baia da Guanabara devido a profundidade
    caso desconheça…
    verifique projeto sivan origem e permanência em nosso solo
    saiba qual será o próximo comodit nesse século, tão valioso
    a ponto de ter episódio Simpson há anos atrás, mostrando Amazônia como território da ONU (mapa na aula do Bart)
    a era nova, nova era, era de aquário, era d´água sob nova ordem
    haarp e mudança climática
    dilúvios são operacionalizados em meios tecnológicos
    experimento com civis ao longo do globo veja com vítimas e dr john hall
    https://www.youtube.com/watch?v=GecMQ9Vf3Fc&feature=player_embedded
    bases eua no orbe
    https://www.youtube.com/watch?v=UMvPlkyBOBQ&list=PLC5856D1E192FACFC&index=1

  2. cliaoliveira disse:

    já ouviu falar do operação https://brothersam.wordpress.com/a-reportagem-original/
    o fantástico tinha uma matéria uqe não encontro mais
    reporter de barba presentava a matéria

  3. cliaoliveira disse:

    verifique com marinha
    frota mundial atende a Inglaterra
    Philipe domina
    lembre, abaixo temos Austrália, África do Sul e não poderia deixar Malvinas livre
    PUTIN
    atende interesses do mesmo grupo que cito acima
    verifique descedência de Philipe
    analise como Brasil entrou com tropa de paz pelo capitalismo de empresários brasileiros explorando Haiti
    ****************************
    veja parte da linha geológica de Philipe
    kaiser Guilherme II da Alemanha e o czar Nicolau II da Rússia
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Filipe,_Duque_de_Edimburgo
    por que Vaticano emprestaria à Alemanha na II guerra?
    evidências
    https://www.youtube.com/watch?v=i03znrNBFHA&list=PLED4481A77845BD8F&index=15

  4. cliaoliveira disse:

    eua é colônia >assista material acima
    Inglaterra chefia conglomerado das famílias reais
    ou por que c acha que tropas eua tem permissão para solo de príncipes árabes?!… (onu?!… o clube de comadres….)
    veja
    https://www.youtube.com/playlist?list=PL697CF55A936F46D7

  5. cliaoliveira disse:

    https://www.youtube.com/watch?v=VD9f8DgA1iU&index=2&list=PL2EF266821B0E96D0
    no mesmo período que militarizou Américas, tb África e Ásia, ao paço que nações livres, sofreram extensão dos experimentos do controle da mente\controle de massa. *os médicos que realizaram implantes em civis, não poderiam obter liberdade além da fronteira de seu país, permaneciam com os seus
    Este vídeo informa que os militares receberam U$ 6 milhões da CIA para a implantação da time life globo, igual nos demais países com a mídia e a cultura sustentório do sistema e do regime

  6. cliaoliveira disse:

    na íntegra o dia que durou 21 anos e demais entendimento do protestantismo religioso, na absorção mental quanto aos judeus que hora exterminam pela terra prometida https://vimeo.com/album/2644286

  7. Pedro disse:

    Parabéns ao Prof. Dr. Moniz Bandeira pela matéria, repleta de dados sérios. Transmitiu-nos que, como Snowden já havia permitido ao mundo saber, que, além de ser mega, multi espião esse país, paranóico, é extremamente ardiloso e a mentira é seu lugar comum. O subterfúgio de implementação de ações sujas, à guisa de evitar o ‘perigo do comunismo’, bem como de ‘apoio à implantação da ‘democracia’ onde quer que isso se faça necessário’ não é mais crível. Mentira, tudo mentira. Covil de cobras falsas. Porém, como o passado passou, resta-nos, apenas, analisar, à luz das informações presentes, onde pode estar havendo a mesma trama ardilosa nos dias de hoje, para nos prevenirmos. Quem sabe, na Síria, na Ucrânia. Felizmente, hoje, o mundo conta com Putin.

  8. Cesar Ferreira disse:

    “Em meados de 1963, o Pentágono tratou de elaborar vários planos de contingência a fim de intervir militarmente no Brasil caso o presidente João Goulart, reagindo às pressões econômicas dos Estados Unidos, inflectisse mais para a esquerda…”
    Quer dizer que os EUA pretendiam seriamente intervir militarmente no Brasil…
    Conte-me mais sobre o “sucesso” deles na intervenção em CUBA, sabe, aquele país de população imensa e distante pra burro da Flórida.

  9. thas disse:

    O Dia Que Durou 21 Anos: documentário mostra como os EUA interferiram na política do Brasil diante da paranóia comunista http://youtu.be/vmBcNWVf1VU

  10. Bruno disse:

    Muito bom! O documentário O dia que durou 21 anos fala sobre isso! Desde então tenho tido um tanto de raiva dos EUA.

  11. vicente disse:

    Ótimo texto prof. Moniz Bandeira.
    Eu gostaria de saber mais sobre as operações da CIA no Brasil e América Latina, você poderia me indicar alguma obra/texto.

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