Valle del Huasco, ouro e o que eu e você temos com isto

Povoados chilenos levantam-se contra projeto de mineração predatória. Protestos revelam uma América do Sul menos deslumbrada com riqueza fugaz — e questionam certos hábitos de consumo…

Fotos e texto: Elaine Santana
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Norte do Chile: ao seguir de carro pelas curvas da estrada da região do Valle del Huasco, não podemos deixar de notar as placas de protesto contra o projeto Pascua Lama e a empresa Barrick Gold. São muitas, de diversos tamanhos, em quase todos os povoados pelos quais passamos, e fazem referência à água e à empresa: “Água é mais importante que ouro”, “Água é vida”, “Não nos tirem nossas águas”, “Não acabem com nossa juventude”, “Morte a Barrick”.

O que é a Barrick Gold?

A canadense Barrick Gold é a maior extratora de ouro do mundo e sua falta de responsabilidade com o meio ambiente e com as populações que vivem nas regiões de exploração são gritantes. Na Tanzânia, seguranças da Barrick assassinaram moradores que tentaram entrar nas minas para retirar restos de minérios deixados após a extração. Em Papua Nova Guiné e também na Tanzânia, estupros coletivos (gang rape) foram orquestrados por funcionários da empresa. Em resposta aos pedidos de providências contra os estupros, o presidente da empresa, Peter Munck, disse que nada podia fazer, já que estupros eram um hábito cultural local. Foram encontradas na água dos rios onde a empresa atua quantidades alarmantes de substâncias utilizadas para a extração de ouro e que são extremamente tóxicas para o corpo humano e outras formas de vida, como arsênico e cianureto. Há ainda relações entre os conflitos em Ruanda em 1996 e a entrada da empresa na região.

Por onde passa a Barrick, acentuam-se miséria, violência, destruição, fome e morte.

O conflito no Valle del Huasco:

Pascua Lama é um polêmico projeto de exploração, principalmente de ouro, mas também de prata, cobre e outros minerais, pela Barrick Gold, em montanhas andinas, em altitudes de 3800 a 5200 metros. Há um acordo binacional entre Chile e Argentina para que a exploração ocorra e esta afetará principalmente duas regiões de vales: Valle del Huasco, no Chile, e Valle del Turum, na Argentina. As populações destes lugares vivem primariamente de agricultura (para consumo local e uvas para comercialização) e terão suas vidas alteradas pelas inevitáveis mudanças nos rios (Huasco e Turum) que banham ambas as regiões.

Os agricultures da região do Valle del Huasco sentem-se prejudicados pelos efeitos da empresa em suas atividades cotidianas. “A Barrick diminuiu o fluxo de água [do Rio Huasco], porque não há reservatórios naturais de água nas cordilheiras e não queremos que nos aconteça o que aconteceu no Valle de Copiapó, que acabou sem uma gota de água”, disse Osciel Cubillos, agricultor da região, referindo-se a outro vale que acabou com o (antes abundante) rio completamente seco.

Tanto no Chile quanto na Argentina, foram movidos dezenas de processos contra a empresa e seu projeto de exploração. Esta porém, utilizando-se de tráfico de influência e burocracia, tem se esquivado de responder às questões sobre o efeito da instalação de suas minas no local pretendido.

Na semana passada, a Suprema Corte Argentina revogou a medida cautelar que autorizava a exploração de ouro pela megamineradora. A Barrick Gold vem consistentemente negando-se a apresentar relatórios aprofundados dos impactos ambientais que as extrações gerarão, a curto e longo prazos, nas regiões em questão. Além disso, recorrera à medida cautelar para não se adequar às lei argentina de proteção às geleiras. A empresa declarou que não interromperá seu projeto, apesar da revogação da medida cautelar. As ações da Barrick caíram esta semana.

A empresa alega que seu trabalho não afetará as geleiras, mas elas perderam entre 50% e 70% de seu volume d’água, nos vinte anos de preparação para a extração, alertam ambientalistas. Além disso, para extrair o ouro, é necessário que se remova cerca de 4,5 hectares de três geleiras (Toro 1, Toro 2 e Esperanza), para promover explosões e transporte de gelo. A Barrick também utilizará aproximadamente 41 mil barris de petróleo e 90 mil litros de gasolina por mês, para a exploração na mina, sem contar os usos de cianureto (extremamente tóxico para a saúde humana) e dinamite (que pode afetar a estrutura das geleiras, causando seu derretimento). Por fim, a poeira levantada pelos caminhões e pelo processo de extração se instalaria em outras geleiras, também causando derretimento permanente.

Geleiras são o maior reservatório de água doce do mundo, perdendo em quantidade de água apenas para os oceanos.

Nova Estratégia:

Depois de anos de péssima publicidade em consequência da sua atuação, a nova estratégia da Barrick na pequena cidade de San Juan, na Argentina, é doar dinheiro para a campanha de políticos locais e investir num marketing perigoso: construiu um hospital e uma escola. Ativistas alertam para os problemas que surgem quando uma empresa privada passa a fazer o papel do Estado, “comprando” a simpatia dos moradores com investimentos que só são executados, obviamente, enquanto dura a extração. Ao mesmo tempo, a empresa utiliza toda a força de sua área jurídica para processar e fazer prender quem contesta sua atuação local e os efeitos de suas ações a longo prazo.

Em San Félix, o pequeno povoado onde a Barrick está instalada, no Valle del Huasco, nossa entrada no vilarejo foi barrada por um segurança particular da empresa, que nos disse que só poderíamos entrar depois de sermos escaneados e cadastrados.

O que eu e você temos a ver com isto?

Além da fabricação de jóias e da comercialização no mercado financeiro, o ouro é utilizado na indústria da aviação e na fabricação de computadores, tablets e celulares, especialmente smartphones (um iPhone tem cerca de 12 placas de ouro).

É impossível saber a procedência de cada peça que compõe um celular ou um computador. E é muito difícil abrir mão destes equipamentos na nossa vida cotidiana (para pesquisar e escrever este artigo, por exemplo, usei um laptop). Mas podemos ser mais questionadores e responsáveis quando vamos consumir.

Quando compramos algo por estar na moda (e não por necessidade), quando trocamos de celular ou computador pelo simples apelo do modelo mais novo, quando descartamos um equipamento quebrado (sem buscar conserto ou reciclagem), estamos tomando decisões que geram um impacto na vida de muita gente.

Nosso consumo financia empresas como a Barrick e processos como o que ocorre agora no Valle del Huasco.

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Para saber mais:

> The Gold at the roof of the World

(“O ouro no teto do mundo), documentário de Karin Wells. O áudio está disponível aqui.

> The cry of the Andes, a fight for water, the thirst for gold

(“Grito dos Andes, a luta por água, a sede por ouro”), documentário de Carmen Henriquez e Denis Paquette, página do filme aqui.

El Mal

(“O mal”), livro do jornalista argentino Miguel Bonasso sobre a Barrick Gold, Editora Planeta.

> Mining Watch, site de ONG canadense que alerta sobre questões ligadas à mineração no mundo todo.

> Human Rights Watch, excelente relatório (15 páginas) da ONG sobre os efeitos da mineração em populações vizinhas.

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7 comentários para "Valle del Huasco, ouro e o que eu e você temos com isto"

  1. Obrigado pela reportagem. A luta contra Barrick no norte do país já tem varios anos. Tenho esperanças numa vitoria final…

  2. Se dependessem do meu consumo, morriam de fome.

  3. inês castilho disse:

    Muito bom! Não sabia nada disso! Parabéns Eliane!!!

  4. Eliege Fante disse:

    essa notícia é muito show!
    Nosso consumo financia empresas como a Barrick e processos como o que ocorre agora no Valle del Huasco.

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