Uma polêmica com Zygmunt Bauman

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Diante da entrevista do intelectual alemão, leitora de Outras Palavras pondera a importância das emoções tanto para desagregação quanto para a construção social, ainda que a construção possa não trilhar os caminhos “ortodoxos”

Por Marieze Torres

Não tenho a pretensão nem o conhecimento ou a erudição do professor Zygmunt Bauman, mas, ao ler a entrevista concedida pelo intelectual ao jornalista Vicente Verdú, não posso deixar de tecer algumas considerações. Se as emoções são, por definição, temporárias, flúidas ou “líquidas”, como bem coloca o professor, elas se transformam, no contexto das relações sociais, em sentimentos — e os sentimentos são, também por definição, duradouros.

No caso dos movimentos que recentemente estão ocupando ruas e paças pelo mundo, o sentimento prevalecente é a indignação. Pergunto-me: se a emoção não constrói, como é afirmado, aonde nos levam a individualidade exacerbada, o hedonismo e o sentimento de indiferença, prevalecentes em nossas sociedades? Ora, se é verdade que a manifestação dos indignados pode ser vista como um movimento sem sustentação por lhe faltar uma proposta unificada, uma organização, uma liderança, eu me pergunto: será que as nossas referências não estão baseadas em um modelo ultrapassado? Finalista? Não podemos dizer que o movimento de mulheres ou o movimento ambientalista tenham mudado o mundo, mas seguramente ocorreram mudanças importantes desde o seu surgimento.

Acredito que o estresse e a depressão são expressões de emoções experimentadas pelo “eu” que são reprimidas e introjetadas. Esquemática e simplificadamente, para limitar-me ao assunto em pauta, eu diria que o medo do desemprego — ou ameaça real ou imaginada dele — e a incerteza de inserção no mercado do trabalho são uma emoção constante, não temporária. A raiva e a indignação, naturais diante de situações de desrespeito ou injustiça, são contidas, por medo de perder um emprego que garante a subsistência, a um enorme custo para o “eu”. A essas emoções somam-se a culpa e a vergonha que o “eu” dirige a si mesmo, por não ser o que se espera dele, por não ser um “sucesso” e nem ter ou proporcionar melhores condições de vida para si para os seus.

A contenção sistemática dessas emoções está na raiz de sentimentos contraditórios — como o do sofrimento que se expressa no estresse e na depressão, e que tem como contraponto o de indiferença ou apatia. Indiferença ou apatia são sentimentos construídos pelo “eu” através de enorme esforço pessoal e de permanente vigilância para ignorar as emoções experimentadas e evitar o sofrimento. E o faz de tal forma e com tal competência que estes sentimentos de indiferença e apatia tornam-se incorporadas como hábito, prevalecendo no seu contato com o outro, criando uma barreira que garante ao “eu” a imunidade contra o sofrimento ou a sua possibilidade real ou projetada e imaginada.

Por tudo isso é que considero, a propósito das opiniões de Zygmunt Bauman, que as emoções são fundamentais tanto para construção quanto para a desagregação social, ainda que a construção possa não trilhar os caminhos “ortodoxos” ou já conhecidos.

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2 comentários para "Uma polêmica com Zygmunt Bauman"

  1. A emoção é o fundamento do ato racional; este é a sua refração espacial em conceitos e ações utilitárias, sua cristalização – como as estrelas, condensações de gases cósmicos. A emoção é fluida, puro movimento, a razão é parada, sempre ultrapassada, desse movimento. A emoção é instabilidade, fluxo incessante, a razão é estabilidade arbitrária, sempre uma ficção, mas necessária como ponto de apoio às nossas ações sobre o mundo exterior. A inteligência requer semelhança, repetição, homogeneidade. A emoção é a natureza do “eu profundo”, puro instinto e sentimento, é intuição – o instinto ampliado, desinteressado, o “gozo da diferença”. E diferença é criação. Da arte e da moral (que tem como fundamento de valor a humanidade inteira), emoções criadoras.

  2. Marci disse:

    Concordo 100% com Baumann, mas, adoro que haja quem discorde!!
    Tomara que eu e Baumann estejamos errados !!

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