Trinta razões para ir à Marcha da Maconha

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Questionar “guerra às drogas”, ocupar as ruas, lutar pela liberdade individual… muitos motivos para comparecer à manifestação marcada para daqui a um mês

Pelo Coletivo DAR

Hoje falta exatamente um mês pra Marcha da Maconha SP 2014, que este ano acontece no dia 26 de abril a partir das 14 horas. Pra esquentar os motores – ou pulmões – nesse mês decisivo de divulgação e atividades, o DAR levanta aqui trinta motivos que tornam a manifestação imperdível.

1 – A guerra está no fim: faça parte da mudança

Se a humanidade tem milhares de anos de consumo de drogas, nos cerca de cem anos mais recentes essa busca pela alteração de consciência convive com a hipócrita e arbitrária proibição de algumas dessas substâncias. De lá pra cá o consumo não diminuiu e a guerra as drogas tem trazido males muito maiores do que mesmo o mais abusivo dos usos pode trazer, e felizmente isso tem ficado cada vez mais claro no Brasil e, sobretudo, no mundo, que caminha cada vez mais em direção a outras políticas de drogas. Vai ficar de fora desse debate?

2 – Estamos em diversos cantos do país e do mundo

Se desde os anos 1980 há manifestações pela legalização no Brasil, a Marcha da Maconha, com esse nome, ocorreu pela primeira vez no Rio de Janeiro, em 2007. No ano seguinte, já eram doze cidades e em 2013 marchamos em 43 cidades, reunindo milhares de pessoas. Funcionando em rede e de forma horizontal, os coletivos da Marcha da Maconha mobilizam milhares de pessoas pelo Brasil. Desde esse início, a Marcha fez parte da Global Marijuana March, movimentação iniciada nos anos 1990 nos Estados Unidos e que ano passado ocorreu em 225 cidades de 42 países pelo planeta. Nossa vitória não será por acidente!

3 – O Uruguai é aqui

Em 2014 será a primeira vez que marcharemos depois da legalização do consumo, da produção e da venda de maconha pelo Estado uruguaio. Ou seja, será nossa primeira manifestação que conviverá com um processo de legalização em curso, com consequente abertura de muitas outras possibilidades no mundo. Comemoremos: o Uruguai é logo ali, legalize logo aqui!

4 – EUA: o proibicionismo está ruindo por dentro

Se o mundo inteiro convive hoje com o proibicionismo, muita da responsabilidade é da diplomacia e da política externa estadunidenses, que utilizou-se do jogo internacional para difundiram a guerra às drogas dentro e fora de suas fronteiras, aliando o suposto combate às drogas com diversos de seus interesses geopolíticos e imperiais. E mesmo lá entre os criadores da proibição o consenso proibicionista já acabou, com crescente abertura para alternativas. Já são vinte estados que permitem a maconha medicinal, e recentemente Colorado e Washington legalizaram a erva para todos os fins, o que pode acontecer em mais estados em 2014, quando haverá novos plebiscitos. Como aponta o ativista estadunidense Ethan Nadelmann, a questão da legalização não é mais de se virá, mas quando virá.

5 – Chega de Amarildos!

O caso do pedreiro Amarildo de Souza, torturado e assassinado por policiais de “pacificação” no Rio de Janeiro no ano passado, é só mais um exemplo da liberdade que o Estado tem para atacar seus cidadãos com a desculpa do combate as drogas. Por conta da luta das comunidades, nossos mortos agora têm nome próprio – Amarildo, Ricardo, Douglas, Cláudia… – , mas a justificativa é quase sempre a mesma: traficantes. “Até quando você vai levando porrada? Até quando vai ficar de saco de pancada?”

6 – Contra o encarceramento em massa dos pobres

O povo preto brasileiro, ou os brancos quase pretos de tão pobres, quando escapa de se tornar Amarildo corre o grande risco de virar mais um número entre os milhares encarcerados.  Se o consumo e o comércio de drogas envolve todos os setores sociais, ele só é penalizado no âmbito das camadas mais baixas, que lotam as prisões sem qualquer perspectiva de futuro, e mesmo de presente. Entre os quase seiscentos mil presos brasileiros, praticamente um quarto está atrás das grades por conta da proibição das drogas, e esse fenômeno afeta de forma dolorida e injusta não só a suas vidas mas a de suas famílias, amigos e do próprio horizonte de justiça e democracia.

7 – Desmilitarizar as polícias

Se desde a invenção do Brasil as classes poderosas precisam de seus capitães do mato para conter as revoltas populares, a violência brutal da Polícia Militar está se tornando cada vez mais inaceitável para grandes parcelas da população brasileira. Depois de junho de 2013, quando manifestações pacíficas foram seguidamente agredidas pelos fardados, a pauta da desmilitarização da polícia está na agenda do dia dos movimentos sociais e de qualquer pessoa sensata na cena política brasileira. A guerra às drogas precisa tanto da militarização quanto a militarização precisa da guerra às drogas, vamos acabar com as duas!

8 – Junho novamente vai passar pela Marcha!

Ano passado marchamos em 8 de junho, bem no início do furacão que tomou conta das ruas do Brasil nesse inesquecível mês. Em 2014 vamos pras ruas um pouco antes, mas novamente bem no comecinho do fortalecimento das mobilizações que prometem ser massivas perto das datas da Copa do Mundo. Antes de ir pra campo contra a Fifa e a polícia durante a Copa, venha treinar com a gente na Marcha da Maconha!

9 – A rua é nóis

Passado o susto que levaram com as revoltas populares de junho, os governantes têm aproveitado o clima mais acirrado das manifestações pra tentarem aprovar leis que restringem o direito de livre manifestação e a liberdade de expressão, buscando criminalizar qualquer forma de dissidência com absurdos como a lei antiterrorismo atualmente em tramitação. Nesse contexto, ir as ruas em defesa de nossas bandeiras é uma forma de resistência contra os instintos ditatoriais sempre presentes em nossos políticos e juristas, é praticamente uma obrigação.

10 – Da pele pra dentro mando eu!

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A minha liberdade termina quando começa a do outro, diz o velho clichê. Pois bem, é a partir desse raciocínio que especialistas em direito qualificam o uso de drogas ilícitas como um crime sem vítimas, afinal se há um prejudicado ele é, no máximo, o próprio usuário, que optou que fosse assim. Assim como em questões relativas a sexualidade ou alimentação, no campo das drogas também não cabe ao Estado nos dizer o que podemos ou não colocar dentro dos nossos corpos. Como canta a rapper Mefe, assim que fumarei, amarei e chorarei justo quando tiver vontade!

11 – Pela liberdade de cultivar

Se o mal não é o que entra na boca do homem, mas o que sai da boca do homem, como diz a música, fica mais difícil ainda dizer que ele é o que sai da terra, e não o que nossa civilização predadora enfia nela a cada dia.   A defesa do cultivo para consumo pessoal é histórica na Marcha, e sua não possibilidade é tão inexplicável como seria proibir o cultivo de tomates ou manjericão em nossos jardins e quintais.

12 – Dizem que é remédio pra neurose: pela liberdade de se tratar

Milhares de pessoas no mundo sofrem desnecessariamente com doenças ou sintomas que poderiam ser amenizados e tratados com o uso de maconha, em diversas formas. Estudos e depoimentos comprovam que o uso de canábis (e LSD, e MDMA, entre outras drogas proibidas) é altamente benéfico no tratamento de doenças graves como câncer, AIDS e esclerose múltipla. Impedir que mais pessoas tenham acesso, de forma legal, a essas vantagens é de uma crueldade difícil de tragar.

13 – Contra a prisão de Ras Geraldinho: pela liberdade de acreditar  

A pena máxima para tráfico de drogas é de quinze anos. Líder de uma igreja em Americana, o rastafári Geraldinho foi condenado a catorze anos por agir de acordo com suas crenças. Onde está a garantia constitucional de liberdade religiosa?

14 – Racistas otários nos deixem em paz!

Chamado de “fumo de Angola” ou “diamba”, entre muitos outros apelidos, o cigarrinho de artista sempre foi vinculado aos negros no Brasil, desde os tempos da escravidão. Se hoje os capitães do mato vestem farda, as costas chibatadas continuam sendo as mesmas, é só olhar para qualquer prisão ou velório de periferia. A proibição das drogas é mais um dos inúmeros mecanismos de guerra racial no Brasil, e seu desmantelamento é um passo fundamental para a construção da igualdade e do respeito aos direitos humanos. “Pensa aí, o moleque que trafica no Brasil/Teve o antepassado traficado num navio/E hoje no crime raramente passa dos trinta/O mesmo tempo de vida que qualquer escravo tinha”.

15 – Ventre livre e cabeça feita

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Assim como diversos problemas sociais graves, a proibição e a guerra as drogas incidem de forma particularmente cruel sobre as mulheres, seja no crescente encarceramento seja estigmatização ainda maior, entre outros exemplos. Não a toa, as lutas feminista e antiproibicionista têm estado cada dia mais juntas: Legaliza a maconha, polícia é uma vergonha/ legaliza o aborto, direito ao nosso corpo!

16 – Nem criminoso nem doente: saia do armário

A discussão sobre uma nova política de drogas vai muito além dos direitos do usuário, isso é bastante evidente. Mas se eles não fizerem a sua parte e não saírem do armário como os homossexuais fizeram, dificilmente as coisas vão mudar. Usuário de drogas é um cidadão como outro qualquer, e merece ter seus direitos respeitados – nem criminoso, nem doente!

17 – Por políticas de redução de danos

Além de violentas e desrespeitosas dos direitos humanos, nossas atuais políticas de drogas são altamente ineficientes para lidar com os problemas que existem sim em determinados contextos e formas de uso. Diferente do modelo que prega a abstinência de uma forma quase fundamentalista, o enfoque no que se costuma chamar de redução de danos parte de um outro ponto de vista, muito mais óbvio e pragmático: as pessoas sempre usaram drogas, e continuarão usando, não importa o que o Laranjeira ou o Datena digam. Mais inteligente do que dizer que as drogas são ruins, é minimizar seus danos através da educação e do estímulo ao autocontrole e ao autoconhecimento, premissas básicas da redução de danos. “Quem usa, não abusa/ quem não usa, não acusa”.

18 – Louco é quem me diz: em defesa da reforma antimanicomial

Fruto de muita luta e ainda não totalmente concretizada, a reforma antimanicomial é uma conquista dos movimentos sociais brasileiros, que souberam afastar a discussão sobre saúde mental das intenções controladoras, autoritárias e segregacionistas daquela meia dúzia que adora lucrar com o sofrimento alheio. Usando o combate as drogas como justificativa, uma série de iniciativas que contrariam o legado da reforma antimanicomial estão em curso no momento, sendo a internação compulsória em massa a principal delas. “Se liga, olha onde pisa, faz a sua cota e não corta a minha brisa!”

19 – Hipócritas: filhos do sistema!

Dos muitos filhos e herdeiros do proibicionismo, certamente a hipocrisia é dos mais ilustres. Uma sociedade que estimula a todo momento o consumo de álcool, tabaco e medicamentos, praticamente se sustentando neles, não tem a menor moral pra falar da nossa fumaça. “Mas quem sou eu pra falar de quem cheira ou quem fuma? Não dá… nunca te dei porra nenhuma”.

Do ponto de vista do combate ao tráfico a hipocrisia talvez seja maior ainda do que na esfera do consumo: “Eu não vou ficar do lado de ninguém porque/ Quem vende droga pra quem? /Vem pra cá de avião, pelo porto ou cais/Não conheço pobre dono de aeroporto e mais Fico triste por saber e ver/Que quem morre no dia a dia é igual a eu e a você”

20 – Toda farmácia é uma biqueira legal

“Enquanto tem gente morrendo tem outros enchendo a pança”, já cantava o Planet antes mesmo de existir Marcha. Enquanto os comerciantes de maconha ou cocaína são assassinados ou encarcerados, os vendedores de antidepressivos e outras substâncias tão ou mais potencialmente viciantes e perigosas riem de orelha a orelha com o descontrole do mercado de drogas legais, que favorece a crescente colonização da vida cotidiana pela indústria farmacêutica. É justo isso?

21 – Também morre quem atira  

Se a indústria farmacêutica adora a proibição, a de armas, então, ela ama! Não importa quem é vencedor, quem é vencido, no fim das contas quem vende as armas é que sempre sai ganhando numa guerra, e é difícil imaginar algum interesse menos defensável do que o dos mercadores da morte: pois é do lado desse tipo de interesse que estão os defensores da proibição.

22 – Legalize Sua Descoberta

Trazer deus para dentro de si,  conectar-se ao universo, o infinito em todas as coisas, o apocalipse perpétuo em contínua transformação, numa boa pescando pessoas no mar… as tentativas de descrição do nível potencial de transformação pessoal, de estímulo de autoconhecimento e de aperfeiçoamento das tecnologias de si que uma experiência psicodélica podem trazer são incontáveis. Evidente que quem não quer recorrer a elas jamais precisará fazer, mas impedir os psiconautas de o fazerem soa no mínimo meio Inquisição, não?

23 – Pela cultura dos debaixo

Capoeira, hip hop, reggae, jazz, rock and roll, literatura beat e romântica, surrealismo, samba, pagode, Cheech, Chong, Bezerra e Pink Floyd… a cultura dos debaixo é toda permeada pela contestação relax e pela expansão dos sentidos que a verdinha nos traz. Máximo respeito aos arquitetos da cultura libertária!

24 – Abra sua mente

Não é só no campo da saúde que a proibição das drogas freia o progresso do conhecimento científico: o estudo dos endocanabinóides, moléculas análogas as da maconha que são encontradas em nosso corpo, é um dos ramos mais promissores da ciência de ponta no Brasil e no mundo, e pode nos ajudar a entender melhor como funciona a mente humana.

25 – Quem ama respeita

Muita violência e intransigência é difundida todo dia, religiosamente ou não, utilizando-se do discurso do amor, do é melhor pra você. Se você tem filhos, faça como a mãe do Seiva Roxa e entenda que quem ama respeita, mesmo que não concorde.

26 – Pela diversidade

Da mesma forma que não é preciso ser homossexual para entender o tamanho da importância da luta contra a homofobia e o preconceito, a luta pela diversidade grita a cada passo da marcha, que defende um mundo que respeite as escolhas e as decisões daqueles que só fazem o mesmo que nós, buscam um jeito de tentar ser feliz no mundão.

27 – Traga seu bloco: uma marcha onde cabem muitas marchas

Assim como no ano passado, estimularemos a presença de blocos temáticos na Marcha da Maconha, garantindo a pluralidade de vozes e bandeiras. No ano passado tivemos bloco de uso medicinal, bloco religioso, bloco feminista, bloco contra a internação, bloco psicodélico, bloco da zona sul, bloco de esquerda, etc, etc e etc, e esse ano a tendência é que haja muitos mais. Junte-se a seus parceiros e faça seu bloco, nessa marcha cabem muitas marchas.

28 – Jogar terra no projeto de Osmar Trevas

Se o mundo inteiro tem visto cada vez mais o fracasso da guerra as drogas, políticos brasileiros parecem fazer questão de estar na vanguarda – do atraso mundial. É o caso por exemplo de Osmar Terra, que acredita que o problema do fracasso da guerra é a falta de guerra, propondo um endurecimento ainda maior na atual lei de drogas com sua proposta de mudança atualmente em debate no congresso.  Caso aprovado, seu projeto de lei pioraria ainda mais a situação do encarceramento e da violência estatal contra os pobres no Brasil, além de abrir a porta para mais internações compulsórias arbitrárias e em massa.

29 – Come togheter, join the party

Protestamos contra muita coisa, contra inimigos poderosos e intransigentes. Mas cá entre nós: nossa marcha é divertida pra caralho!

30 – Pela liberdade, ainda que tardia 

“Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”

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