O perfil sócio-étnico do trabalho escravo

 

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Em sua maioria, vítimas são migrantes, homens, que partiram do Nordeste. E, em 80% dos casos, negros ou mestiços.

Por Jean Mello

Em 2004 o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) criou um mecanismo — nomeado Lista Suja — para registrar empresas flagradas na ilegalidade do trabalho infantil e trabalho escravo. Em 2011 o Brasil bateu o infeliz recorde de pessoas físicas ou jurídicas constantes da lista: houve 52 novos autuados, totalizando 294 empresas ou empregadores individuais envolvidos nesta prática criminosa.

Embora sem destaque na mídia, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) — lançou, em outubro de 2011 o perfil das pessoas que estão sob regime escravo. Constatou que mais de 50% do contingente é composto por homens com até 30 anos. Em sua maioria, são migrante do Nordeste. Dentre todos, 80% são negros ou pardos. Será a continuidade daquilo que o país viveu desde o período colonial?

Cento e vinte anos após a “Lei Áurea”, as manchas da segregação continuam presentes na sociedade brasileira. O fenômeno não é exclusivo dos grotões: repete-se mesmo nas grandes capitais, conforme anuncia Eloi Ferreira de Araujo, presidente da Fundação Cultural Palmares: “Esse sistema é um modelo abominável adotado por segmentos de latifundiários e capitalistas, para acumulação de riqueza em detrimento da qualidade de vida dos trabalhadores”.

Em sinal de certo avanço, os integrantes da lista ficam impedidos de obter empréstimos nos bancos públicos. As indústrias flagradas não podem comercializar e exportar os produtos provenientes da exploração.

O Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou, até o dia 29 de dezembro de 2011, 2.271 pessoas encontradas em situação de degradação humana. Em decorrência desses casos foram pagos mais de R$ 5,4 milhões em indenizações trabalhistas, revertidos aos próprios trabalhadores motivados a buscar seus direitos.

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9 comentários para "O perfil sócio-étnico do trabalho escravo"

  1. Zenia Chaves disse:

    Parece que a discussão ficou centrada nos aspectos racial e urbano, mas gostaria de apontar outros dados relacionados ao trabalho escravo rural. Coincidentemente, estou lendo “Pisando fora da própria sombra” do Padre (CPT do Araguaia) e Dr. em Antropologia Ricardo R. Figueira sobre esse tema o qual registra que, ao lado de questões fortes como a ausência do Estado em determinadas áreas, da miséria material, educacional e social das populações atingidas, das difíceis condições climáticas e geográficas, etc, dois aspectos são prepoderantes para a manutenção desse tipo de vergonha nacional: a conivência com os fazendeiros infratores da Polícia (Militar ou Civil) e do Poder Judiciário. Esse espaço não permite relatar todos os descalabros mas, para se ter uma ideia, lembrem-se da ação da PM paraense em Eldorado dos Carajás e da atuação da Justiça nos processos subsequentes. É sempre a mesma região, quase sempre os mesmos grupos econômicos, com o respaldo dos mesmos grupos politicos, com as mesmas praticas, conhecidas há décadas e ninguém consegue por um fim a esse descalabro!

  2. Dedé disse:

    Joseh Brito, discordo de você. A Eunice está certa, mas falta definir o culpado disso tudo, que na minha opinião é o estado. A absurda carga tributária, o excesso de regulamentações, a burocracia estatal e uma justiça deficiente (mais do que ineficiente), é o cenário que cria condições para que esse tipo de coisa ocorra. O estado cria dificuldade para vender facilidade. O estado deveria preocupar-se somente com a justiça. Reduzir o máximo a carga tributária, para aumentar o poder de compra do trabalhador e para que as empresas pudessem investir na produção. Deveria acabar com a regulação de diversos setores. Pense a regulação estatal é eficiente, não. A própria palavra camelô parece pejorativa, um trabalhador, que acorda cedo, arma sua barraca, quer trabalhar, mas quando chamamos de camelô, parece que estamos falando de um bandido. Simplesmente pq não paga os absurdos que as lojas pagam. Sei que é injusto, mas o certo seria que os lojistas também não pagassem tantos tributos e é por pagar tantos tributos que contrata um funcionário para fazer o serviço de dois, não investe em segurança, não cresce. Pronto, pegue o exemplo da loja e leve para os demais setores. As indústrias exploram pq tem que concorrer com importados do paraguai e china, que não pagam tantos tributos quanto nós. E o que é que o estado faz? Aumenta os tributos sobre os produtos importados. Isso só faz aumentar o contrabando e não resolve os problemas das empresas locais. O capitalismo, não se engane, ainda é o melhor sistema, o que estraga é a intervenção estatal.

  3. DLabres disse:

    Bem, estamos em um país que ainda não se reconhece como de maioria mestiça/afro-descendente-negra ou indígena. Se nas escolas faz cerca de uma década apenas que incluíram livros didáticos com ilustrações de etnias diversas e questões de cultura, trabalho e direitos humanos como temas transversais, ainda há muito o que se denunciar – e nisso, articulação sim, do poder público+organizações da sociedade civil+instituições de ensino. Da iniciativa privada? Resta apostar na ética como vetor das ações deste millenium…
    Excelente artigo, Jean!

  4. joseh brito disse:

    É exatamente isso que facilmente constatamos nas nossas cidade e centros urbanos grandes e/ou pequenos. Ou seja, não é preciso ir para muito longe, pois à vista de todos podemos encontrar facilmente a exploração para além da EXPLORAÇÃO permitida / regulamentada / legalizada e que é inerente ao próprio sistema capitalista.

  5. Alcione Cavalcante disse:

    É exatamente isso! Para tanto, é necessário uma mudança de cultura e comportamento, de conceitos, pontos de vista. É preciso uma vigilância constante com atitudes, pré-conceitos, sistemas, inclinações extremamente capitalistas… É necessário mais solidariedade aos direitos humanos e dos humanos. Vendo a espécie humana como está hoje, não acredito (mesmo) que consiga modificar-se ou, do nada, criar o senso de justiça…

  6. Eunice disse:

    1) Ande a pé ou de ônibus ( não de carro ou avião, um é muito baixo e outro muito alto pra ver)
    2) Passe em frente a qualquer obra civil, ou lojinha, ou camelô, ou olhe pra dentro da cozinha de um restaurante ou padaria, mesmo na capital paulista.
    3) O que verá ou sentirá: falta de material protetor adequado, excesso de horas, alimentação diferente da vendida a fregueses, exposição a queimaduras, exposição a cortes com a maquita, falta de treinamento. Humilhação visual e comportamnetal.
    Em caso de restaurantes, é mais escabroso.

  7. Jacques Chaban disse:

    Muito oportuno e brilhante o seu comentário. Se quisermos um novo Brasil, mais justo e solidário, temos que ter esse compromisso com os explorados de sempre, apesar dessas bestas que simplesmente repetem o que a TV quer que repitam, quando criticam exatamente os programas que foram criados recentemente com esse objetivo. Nesse aspecto há a necessidade de uma mudança cultural o que a torna um pouco mais difícil. Mas vendo comentários como esse seu, veja que nem tudo está perdido. Parabéns.

  8. Rssnn disse:

    Mas a questão racial é forte, mesmo. São de fato negros, pardos e mestiços. A maioria dessas atividades são manuais, onde a oferta de mão de obra é grande e a necessidade do salário é constante. O problema maior é a falta de valorização do trabalho manual, em todas as suas formas, em função das heranças coloniais e modernistas de segregação racial – quem suja a mão é pobre. Sou antropóloga e pesquiso essas relações, infelizmente o quadro é crítico mas pode ser revertido através da geração de oportunidades reais de trabalho, mesmo informal. A valorização pessoal de um indivíduo frente á sua ocupação é o primeiro passo. Valorizar o saber-fazer é o segundo, e o terceiro é legitimar essas relações no cotidiano – já estaremos começando bem…

  9. mayra laborda disse:

    Não é a questão de serem negros, pardos, ou não. A questão é que são seres humanos e têm o direito de trabalhar sob boas condiçoes e os responsáveis merecem ser punidos.

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