Saúde Pública: chave para enfrentar desigualdade global

Estudos da OMS apontam: gastos com medicina privada afundaram 500 milhões de pessoas na pobreza, durante a pandemia. Investimento de um dólar por pessoa ao ano, nos sistemas públicos, poderia evitar 11% de todas as mortes

Manifestantes britânicos protestam pelo aumento do financiamento do NHS, sistema público do Reino Unido que inspirou o modelo do SUS
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“Eficiência”. Este conceito tem sido usado incessantemente pelos defensores da medicina privada para justificar que a Saúde seja oferecida não como direito universal – mas como serviço remunerado monetariamente. Dois estudos recentes da Organização Mundial da Saúde, contudo, acabam de desmentir tal lógica. Vale examiná-los melhor – inclusive porque foram previsivelmente ocultados pelas mídias tradicionais.

O primeiro é o relatório “Salvar vidas gastando menos: o caso de investir em doenças não transmissíveis”. De acordo com o documento: mesmo enquanto o mundo não enfrenta seus imensos problemas de desigualdade, a penúria em que vivem os 80 países mais pobres do planeta não impede que enfrentem seus problemas de saúde. A saída é investir no público.

Os países de renda baixa e média-baixa poderiam, por exemplo, evitar 7 milhões de mortes com um programa de longo prazo, ao custo de menos de um dólar por pessoa por ano. Significa uma parcela de 11% em relação às 60 milhões de mortes anuais mundiais. O truque é agir em lógica oposta à da mercantilização. Prevenir as DNTs, doenças não transmissíveis – doenças cardíacas e respiratórias, diabetes e câncer, que atualmente causam 7 em cada 10 mortes no mundo. A análise cobre o período até 2030.

O impacto das DNTs entre os pobres é usualmente subestimado. No entanto, 85% das mortes prematuras por DNTs (que atingem pessoas entre 30 e 69 anos) ocorrem nos 78 países classificados como de baixa renda (40 nações) e de renda média baixa (38) no mundo (dados de 2010). Além de inaceitável, do ponto de vista ético, o fato constitui um enorme fardo socioeconômico e estresse sanitário, argumenta a OMS. E poderia ser evitado por meios baratos e descomplicados, como reduzir o uso de tabaco e de álcool, promover melhora das dietas e aumento da atividade física.

Tais meios estão testados e comprovados pela OMS, que lhe dá o nome de “intervenções NCD”. Seu lema é que manter as pessoas saudáveis reduz os custos de saúde e propicia vidas mais longas e saudáveis. Seu uso, conforme o relatório, pode gerar um retorno de até 7 dólares para cada dólar investido. Enfim, ganha-se muito mais do que se imagina fazendo os investimentos estratégicos corretos, comenta o diretor da OMS, Tedros Adhanon. Sem eles, por outro lado, “as DNTs continuarão sendo uma ameaça significativa à saúde global”, diz Tedros, acrescentando que o enfrentamento “inteligente” das DNTs também reduziria o impacto de pandemias futuras.

Aqui entra o impacto do segundo estudo. A covid forneceu um exemplo invertido dessa conexão econômico-sanitária. Na pandemia, empobreceram ainda mais, durante o ano passado, meio bilhão de pessoas no mundo todo. A razão foram os gastos extras que elas tiveram que fazer para se tratar da doença do SarsCov-2, quando submetidas à medicina privada. O cálculo foi feito pela OMS em parceria com o Banco Mundial. A pandemia interrompeu os serviços públicos de saúde, enquanto agravava a crise econômica. Para Tedros, os governos não podem ter medo das consequências financeiras de investir nos sistemas públicos. Precisam garantir a seus cidadãos o acesso à saúde. Essa é, em última instância, a lógica que preside as recomendações e estudos da OMS.

O objetivo é achar opções viáveis para circunstâncias difíceis, dentro de um quadro institucional que já é historicamente frágil. “Mesmo antes de a pandemia as atingir, quase 1 bilhão de pessoas gastava mais de 10% de seu orçamento familiar com saúde”, reconhece o diretor de saúde, nutrição e população do Banco Mundial, Juan Pablo Uribe. “Isso não é aceitável. Dentro de um espaço fiscal restrito, os governos terão que fazer escolhas difíceis para proteger e aumentar os orçamentos de saúde”.

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