Roteiro para debater um novo financiamento do SUS

No primeiro grande debate preparatório para a Conferência Livre de Saúde, pesquisadores expõem os mecanismos que levaram à penúria atual. Também propõem meta: elevar para 6% do PIB, em dez anos, os recursos destinados a Saúde

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Começaram, na quarta-feira passada (15/6), os debates preparatórios para a Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde, organizada por movimentos sanitaristas e sociais, que culminará em um encontro presencial no dia 5 de agosto. A série, que por enquanto se realiza à distância, foi abertacom um tema urgente, e que precisa ser encarado e discutido pelos participantes da conferência. Que recursos são necessários para garantir que o SUS siga os princípios de equidade, universalidade e integralidade, idealizados pela Constituição de 1988? Como lutar para que um novo governo, surgido da vitória sobre o pesadelo bolsonarista, assegure este financiamento? O vídeo da sessão está disponível abaixo:

A Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) formulou uma proposta, que foi apresentada durante a live pela professora Erika Aragão (ISC/UFBA) e pelo economista Carlos Ocké, e debatida com Iola Gurgel Andrade (FM/UFMG). Iola, em consonância com eles, traçou um histórico que explica o subfinanciamento do SUS ao longo do tempo – e seu mais recente desfinanciamento. José Noronha (Brasil Amanhã/Fiocruz e Cebes) fez, como de costume, uma mediação provocadora.

Em poucas palavras, a ABrES propõe que o financiamento do SUS passe de 4% do total do PIB brasileiro para 6% em dez anos. Os detalhes de como fazer isso foram esmiuçados em texto recente publicado no Outra Saúde. De modo geral, a reforma necessária para tanto começaria com a revogação do teto dos gastos (EC-95) e de outros dispositivos que estrangulam os investimentos sociais. Depois, criaria espaço no orçamento para recursos com efeito redistributivo – taxando lucros, dividendos e grandes fortunas; extinguiria o orçamento secreto e reconfiguraria o orçamento federal de maneira mais equânime.

“Estamos assistindo a uma redução do gasto público per capita em saúde e um aumento do gasto das famílias dos trabalhadores com bens e serviços privados, em função da mercantilização do SUS e da privatização do sistema”, denunciou Ocké. Outra distorção se refere à participação do governo federal com o financiamento da Saúde: se em 2000 a parte do total era de 59,8%, em 2019 chegou a 42%, deixando 58% para estados e municípios, como foi exposto por Érika em sua apresentação. Com a pandemia de covid, conta ela, abriu-se temporariamente “espaço fiscal” para gastar mais com Saúde – mostrando que o financiamento ideal não é impossível.

Os ataques ao orçamento da Saúde, como ficou claro no evento, vêm de longe. Um de seus marcos foi a Desvinculação de Recursos da União (DRU), mecanismo aprovado ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas mantido pelos governos de Lula e Dilma e ampliado com Michel Temer. A DRU estabelece que 30% dos recursos que inicialmente seriam destinados obrigatoriamente à Seguridade Social podem ser utilizados pela União para outros fins – e é frequentemente empregado em “ajustes fiscais”. A cronologia do desmonte, traçada em detalhes por Iola, é essencial para compreendermos de que maneira o SUS chegou à atual situação. A DRU foi muito agravada pelo  “teto de gastos” – o congelamento do investimento social por 20 anos, ao final de 2016. A partir dele, o Brasil entrou numa nova fase, de desfinanciamento propriamente dito da Saúde.

“A proposta foi colocada pela ABrES, para que seja discutida, compartilhada pelas entidades da reforma sanitária e pela sociedade, para que seja uma proposta coletiva”, defendeu Érika – “existem mecanismos concretos para que as mudanças sejam feitas”. Sua fala foi confirmada por Ocké: “A viabilidade técnica e política de uma proposta é fundamental para que a gente consiga reunir força em torno dela”. Ambos defendem que a proposta tem de ser dissecada e criticada, mas clamam para que os movimentos de saúde e sociais – reunidos na Conferência Livre – a incorporem, para conseguir influenciar no debate político. Ocké defende, ainda, no que chama de “voto útil” em Lula, nas eleições presidenciais: “A vitória no primeiro turno garante que essa reforma no setor de Saúde e outras que ela enseja tenham a possibilidade real de avanço. É um momento decisivo para a sociedade brasileira”.

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