A OTAN força os limites da guerra nuclear

Como a aliança liderada pelos EUA cercou a Rússia e agora tenta levá-la a derrota humilhante. A diplomacia de paz sabotada por Washington e Londres. A escalada sem controle. Será um conflito mundial a solução para a crise do capitalismo?

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Por Jeffrey D. Sachs no Other News | Tradução: Maurício Ayer

O ex-assessor de segurança nacional dos EUA, Zbigniew Brzezinski, tem uma célebre descrição da Ucrânia como um “pivô geopolítico” da Eurásia, central para o poder dos EUA e da Rússia. Como a Rússia vê seus interesses vitais de segurança em jogo no conflito atual, a guerra na Ucrânia está rapidamente se transformando em um confronto nuclear. É urgente que os EUA e a Rússia exerçam moderação antes que o desastre aconteça.  

Desde meados do século 19, o Ocidente competiu com a Rússia pela Crimeia e, mais especificamente, pelo poder naval no Mar Negro. Na Guerra da Crimeia (1853-1856), a Grã-Bretanha e a França capturaram Sebastopol e baniram temporariamente a marinha russa do Mar Negro. O conflito atual é, em essência, a Segunda Guerra da Crimeia. Desta vez, uma aliança militar liderada pelos EUA busca expandir a OTAN para a Ucrânia e a Geórgia, para com isso cercar o Mar Negro com cinco de seus membros. 

Os EUA há muito consideram qualquer intrusão de grandes potências no Hemisfério Ocidental como uma ameaça direta à segurança dos EUA, desde a Doutrina Monroe de 1823, que afirma: “Devemos, portanto, à franqueza e às relações amigáveis ​​existentes entre os Estados Unidos e essas potências [europeias] declarar que devemos considerar qualquer tentativa da parte delas de estender seu sistema a qualquer parte deste hemisfério como perigosa para a nossa paz e segurança”.   

Em 1961, os EUA invadiram Cuba quando o líder revolucionário cubano Fidel Castro procurou o apoio da União Soviética. Os EUA não estavam muito interessados ​​no “direito” de Cuba de se alinhar com qualquer país que quisesse – a mesma alegação bradada pelos EUA sobre o suposto direito da Ucrânia de ingressar na OTAN. A fracassada invasão dos EUA em 1961 foi respondida pela decisão da União Soviética de colocar armas nucleares ofensivas em Cuba em 1962, o que levou à Crise dos Mísseis de Cuba exatamente 60 anos atrás neste mês. Essa crise deixou o mundo à beira de uma guerra nuclear.   

No entanto, a consideração dos Estados Unidos por seus próprios interesses de segurança nas Américas não impediu este país de se intrometer nos principais interesses de segurança russos na vizinhança da própria Rússia. Com o enfraquecimento da União Soviética, os líderes políticos dos EUA passaram a acreditar que os militares dos EUA poderiam operar como bem entendessem. Em 1991, o subsecretário de Defesa, Paul Wolfowitz, explicou ao general Wesley Clark que os EUA podem implantar sua força militar no Oriente Médio “e a União Soviética não nos impedirá”. As autoridades de segurança nacional dos Estados Unidos decidiram derrubar os regimes do Oriente Médio aliados à União Soviética e se intrometer nas questões de segurança da Rússia.   

Em 1990, a Alemanha e os EUA garantiram ao presidente soviético Mikhail Gorbachev que a União Soviética poderia dissolver sua própria aliança militar, o Pacto de Varsóvia, sem medo de que a OTAN se expandisse para o leste para substituir a União Soviética. Com base nisso, ganhou o consentimento de Gorbachev para a reunificação alemã, em 1990. No entanto, com o fim da União Soviética, o presidente Bill Clinton perjurou, apoiando a expansão da OTAN para o leste. 

O presidente russo Boris Yeltsin protestou veementemente, mas não pôde fazer nada para impedi-lo. O diplomata e ex-formulador de políticas dos EUA para a Rússia, George Kennan, declarou que a expansão da OTAN “é o início de uma nova guerra fria”.  

Sob a supervisão de Clinton, a OTAN expandiu-se para a Polônia, Hungria e República Tcheca em 1999. Cinco anos depois, na gestão do presidente George W. Bush Jr., a OTAN expandiu-se para mais sete países: os estados bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), Mar Negro (Bulgária e Romênia), Balcãs (Eslovênia) e Eslováquia. Na gestão do presidente Barack Obama, a OTAN se expandiu para a Albânia e a Croácia em 2009 e, com Donald Trump, para Montenegro em 2019.

A oposição da Rússia à expansão da OTAN intensificou-se fortemente em 1999 – quando os países da OTAN desconsideraram a ONU e atacaram a Sérvia, aliada russa – e endureceu ainda mais em os anos 2000, devido às guerras de escolha dos EUA no Iraque, na Síria e na Líbia. Na conferência de segurança de Munique em 2007, o presidente Vladimir Putin declarou que a expansão da OTAN representa uma “séria provocação que reduz o nível de confiança mútua”. 

Putin continuou: “E temos o direito de perguntar: contra quem essa expansão se destina? E o que aconteceu com as garantias [de não ampliação da OTAN] que nossos parceiros ocidentais fizeram após a dissolução do Pacto de Varsóvia? Onde estão essas declarações hoje? Ninguém sequer se lembra delas. Mas vou me permitir lembrar a esta audiência o que foi dito. Gostaria de citar o discurso do Secretário-Geral da OTAN, Sr. Woerner, em Bruxelas, em 17 de maio de 1990. Ele disse na época que: ‘o fato de estarmos prontos para não colocar um exército da OTAN fora do território alemão dá à União Soviética uma garantia de segurança firme’. Onde estão essas garantias?”

Ainda em 2007, com a admissão da OTAN de dois países do Mar Negro, Bulgária e Romênia, os EUA estabeleceram o Grupo de Trabalho da Zona do Mar Negro (originalmente a Força-Tarefa Leste). Então, em 2008, os EUA aumentaram ainda mais as tensões com Rússia ao declarar que a OTAN se expandiria até o coração do Mar Negro, incorporando a Ucrânia e a Geórgia e ameaçando o acesso naval da Rússia ao Mar Negro, o Mediterrâneo e o Oriente Médio. Com a entrada da Ucrânia e da Geórgia, a Rússia seria cercada por cinco países da OTAN no Mar Negro: Bulgária, Geórgia, Romênia, Turquia e Ucrânia.

A Rússia foi inicialmente protegida da expansão da OTAN na Ucrânia pelo presidente ucraniano pró-Rússia, Viktor Yanukovych, que liderou o parlamento ucraniano para declarar a neutralidade da Ucrânia em 2010. No entanto, em 2014, os EUA ajudaram a derrubar Yanukovych e levar ao poder um governo veementemente anti-russo. A Guerra da Ucrânia eclodiu nesse ponto, com a Rússia rapidamente recuperando a Crimeia e apoiando os separatistas pró-Rússia em Donbas, a região do leste da Ucrânia com uma proporção relativamente alta da população russa. O parlamento da Ucrânia abandonou formalmente a neutralidade no final de 2014.   

A Ucrânia e os separatistas apoiados pela Rússia no Donbas têm travado uma guerra brutal há 8 anos. As tentativas de acabar com a guerra no Donbas através dos Acordos de Minsk falharam quando os líderes da Ucrânia decidiram não honrar os acordos, que exigiam autonomia para o Donbas. Depois de 2014, os EUA despejaram massivamente armamentos na Ucrânia e ajudaram a reestruturar as forças armadas ucranianas para operarem de modo integrado à OTAN, como tem ficado evidente nos combates deste ano.    

A invasão russa em 2022 provavelmente teria sido evitada se Biden concordasse com a demanda de Putin, no final de 2021, de encerrar a expansão da OTAN para o leste. A guerra provavelmente teria terminado em março de 2022, quando os governos da Ucrânia e da Rússia trocaram um esboço de acordo de paz baseado na neutralidade ucraniana. Nos bastidores, os EUA e o Reino Unido pressionaram o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a rejeitar qualquer acordo com Putin e continuar lutando. Nesse ponto, a Ucrânia se afastou das negociações.

A Rússia aumentará sua agressividade conforme necessário, possivelmente para armas nucleares, para evitar a derrota militar e a expansão da OTAN para o leste. A ameaça nuclear não é vazia, mas sim uma medida da percepção da liderança russa sobre seus interesses de segurança que estão em jogo. É aterrorizante, mas os EUA também estavam preparados para usar armas nucleares na crise dos mísseis em Cuba, e um alto funcionário ucraniano recentemente instou os EUA a lançar ataques nucleares “assim que a Rússia nem bem pensar em realizar ataques nucleares”, certamente uma receita para a Terceira Guerra Mundial. Estamos novamente à beira de uma catástrofe nuclear.

O presidente John F. Kennedy tomou conhecimento do confronto nuclear durante a crise dos mísseis em Cuba. Ele desarmou essa crise não por força de vontade ou poder militar dos EUA, mas por diplomacia e compromisso, removendo mísseis nucleares dos EUA na Turquia em troca da União Soviética remover seus mísseis nucleares em Cuba. No ano seguinte, ele buscou a paz com a União Soviética, assinando o Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares.

Em junho de 1963, Kennedy pronunciou a verdade essencial que pode nos manter vivos hoje: “Acima de tudo, enquanto defendemos nossos próprios interesses vitais, nós, as potências nucleares, devemos evitar aqueles confrontos que levam um adversário a escolher entre uma retirada humilhante ou uma guerra nuclear. Adotar esse tipo de caminho na era nuclear seria apenas evidência da falência de nossa política – ou de um desejo coletivo de morte para o mundo.”  

É urgente voltar ao projeto de acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia de finais de março, baseado na não expansão da OTAN. A situação preocupante de hoje pode facilmente sair do controle, como o mundo fez em tantas ocasiões passadas – mas desta vez com a possibilidade de uma catástrofe nuclear. A própria sobrevivência do mundo depende da prudência, diplomacia e compromisso de todos os lados. 

26 de setembro de 2022

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