Maranhão: CNBB denuncia a barbárie do “agro”

Comitiva vai ao Matopiba, nova fronteira agrícola do país, e relata o terror ruralista em 35 comunidades. Grandes propriedades, que se apresentam como “modernas”, estão ligadas a assassinatos, desmatamento e grilagem

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Descumprimento de execução de políticas públicas, perseguição, rastro de destruição, sabotagem às comunidades e morte – para o avanço de ruralistas com anuência do poder público local. Todos esses pontos foram destaque em relatório Missão-escuta, Missão-denúncia, prestes a ser lançado na íntegra, e que colheu depoimentos da situação dramática em que se encontram os povos e comunidades tradicionais do estado do Maranhão (MA), bem como as populações empobrecidas do campo.

O encontro foi dinamizado pela Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que realizou visita às famílias de vítimas da violência no campo, através de rodas em comunidades para colher relatos sobre as violações sofridas em cerca de 35 comunidades em diferentes territórios do MA, nos municípios de São Luís, Arari, Brejo, Caxias, São João Soter e Buriti.

Segundo apontam as organizações sociais envolvidas, mais que descaso às realidades locais, o desmonte de políticas seria uma ação estruturada para disseminar o agronegócio, a mineração e outros megaempreendimentos e dar continuidade ao projeto Matopiba (região formada por áreas majoritariamente de cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Grandes produtores “com anuência do governo e do poder judiciário, fecham estradas vicinais, contaminam, assoreiam e secam de olhos d’água, impedindo o acesso às lavouras das comunidades e ao direito básico de ir e vir”, relata o documento. Além de que, comunidades inteiras estariam em permanente tensão por intimidações perpetradas por jagunços e pistoleiros.

A partir dos números colhidos no MA, entre 2020 e 2022, 14 lideranças, defensores da natureza e de seus territórios, foram assassinadas no estado – e as famílias e a sociedade não têm, até o momento, da parte dos órgãos competentes, a resolução dos casos e a punição dos mandantes e executores dos crimes. Ainda segundo as organizações, 77 pessoas ameaçadas de morte estão no Programa de Proteção de Defensores/as de Direitos Humanos; cerca de 30 mil famílias solicitam proteção de organismos responsáveis.

Com a conclusão do relatório, as Pastorais Sociais junto ao CNBB pretendem reforçar a exigência, entre várias demandas, de que o Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) efetivem com rapidez a regularização fundiária destas comunidades. Além de maior celeridade do Judiciário e do Ministério Público Federal nos processos de conflito agrário, sobretudo onde haja vidas ameaçadas, com acompanhamento psicossocial às famílias das vítimas assassinadas e que permanecem sob intimidação.

“A última fronteira agrícola do país”

Matopiba é um acrônimo formado pelas sílabas iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A região se estende por 73 milhões de hectares (uma área maior que a Alemanha) e atravessa o lar de milhares de indígenas, quilombolas, agricultores familiares e povos tradicionais – além das últimas áreas de cerrado nativas do país. De rica biodiversidade, o início de sua ocupação tem origem no final dos anos 1970 por fazendeiros “sulistas” e, posteriormente, por uma migração incentivada por programas federais, como o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), que tinha como um dos objetivos fundar núcleos da “agricultura moderna”, e estimular produtores a se adequarem ao modelo intensivo agrícola, predominantemente predatório.

A partir dos anos 2000 – especialmente após a crise de 2008 –, não só empresários ou grupos brasileiros avançavam no território, mas também o capital estrangeiro aterrizou com forte interesse na especulação de terras (vale conferir um minucioso estudo da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos sobre um dos grupos de investidores que mais se expandem na região). Como característica própria, essa “fronteira” passou a se configurar a partir das exigências do capital transnacional. Em 2013, o governo brasileiro entrou na jogada, primeiro, através da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que começou a delimitar formalmente a área do Matopiba. Em 2015, o governo oficializou, a partir de decreto, a criação de um Plano de Desenvolvimento Agropecuário, abrangendo 337 municípios.

Com o projeto em prática, vendido internacionalmente como uma valiosa área geoeconômica, não só empresas começaram a devorar milhares de hectares de áreas de preservação, como também explodiu a presença de pistoleiros entrando nas comunidades para amedrontar e expulsar as famílias para a grilagem de terras. Além das perseguições e acosso às populações que tradicionalmente vivem no Matopiba, a “última fronteira agrícola” ocupa atualmente os principais noticiários do país pela ocorrência de desastres naturais, como enchentes históricas, com famílias inteiras desabrigadas e em estado de calamidade. A principal causa apontada é a supressão da mata nativa para dar lugar à agropecuária. Entre julho de 2020 e agosto de 2021, a região bateu recorde de concentração do desmatamento do Cerrado, equivalente a seis cidades de São Paulo, segundo análise de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), feita a partir de dados do Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

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