Jeanne Moreau e a ira contra os indiferentes

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Atriz que marcou a “nouvelle vague” do cinema francês era também crítica e provocadora. A seguir, a leitura dramática de duas cartas que condenam a passividade europeia diante do drama dos refugiados

Tradução: Cauê Ameni

Senhor ministro, uma das características fundamentais dos seres humanos é que eles se movimentam. Hoje, 175 milhões de homens e mulheres residem fora de seu país de origem. Vivemos num país onde as pessoas têm tanto medo das policias que saltam pela janela para escapar, mesmo quando não fizeram nada de errado. Isso aconteceu seis vezes em menos de 3 meses e continua acontecendo. Estas pessoas vieram aqui para fugir da guerra, da repressão e da miséria. O único crime delas é ter a coragem de deixar tudo para ter uma vida melhor e, em lugar de ajudá-las, protegê-las, nosso país as persegue e expulsa. Tenho vergonha. Somos certamente muitos que têm vergonha dessa violência cotidiana feita em nosso nome contra os estrangeiros. Essa violência desonra aqueles que decidem, aqueles que a executam, mas também aqueles que a deixam ocorrer e permanecem em silêncio. Todos deveriam berrar, para que tais tragédias não aconteçam na França ou em qualquer lugar no mundo. Para que jamais vivamos o inaceitável. Cada um deve gritar para que nossa sociedade não vire, definitivamente, as costas para a solidariedade e a fraternidade. (Brigitte Wieser)

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“Senhor ministro Hotefeux, faz frio, é inverno. Tenho vergonha do frio, desse inverno que o senhor luta para prolongar até a infâmia. Já faz mais de um ano que, dia após dia, o frio desse inverno invade as cidades e os campos de nosso país, outrora um país de esperança e vida. Em minha condição de cidadã francesa, mais agarrada que nunca à liberdade, igualdade e fraternidade, tenho o dever de recordar, senhor ministro, que o senhor não tem o direito sobre a vida ou a morte dos homens e mulheres, ou das crianças, que trabalham, vivem, estudam na França, país hoje desonrado. Minha vergonha e nossa desonra, pela qual o senhor é um grande responsável, tornam-se mais profundas quando me lembro do momento fraternal sobre sobre uma doca em Marselha, após a guerra na Argélia. Fazíamos filas para embarcar no Eldjazaire. Eu conheci esse país. Na minha frente, um trabalhador voltava para passar as férias em seu país quando virou-se para mim, abriu seus braços e disse: ‘seja bem-vinda a Argélia’. Senhor ministro, a vergonha diz respeito ao coração; a desonra é um assunt civil. Quando penso nesse argelino fico com vergonha. Tenho vergonha do senhor, por ter impedido seu filho ou sua filha de serem meus vizinhos. O senhor desonrou, por meio de leis furtivas, a senso da República e de minha civilização. Eu não o saúdo. Faz muito frio nesse inverno. (Paula Albouz)

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