Reino Unido: enfermagem em greve por mais investimento

Profissionais da saúde do sistema público de saúde manifestam-se desde dezembro por melhores pagamentos e condições de trabalho. Defasagem e inflação recorde corroeram seus salários e pandemia os levou a estresse inédito

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Em dezembro, duas semanas após os primeiros grandes protestos pela saúde publica na Espanha, enfermeiros e enfermeiras britânicos anunciaram uma greve pelo aumento de salários. Mais de um mês depois, a categoria segue paralisada, com a adesão de paramédicos e motoristas de ambulância após negociações frustradas com o governo.  

A greve já é a maior da história do sistema de saúde público inglês. Os enfermeiros reivindicam o reajuste de seus salários de acordo com a inflação – que foi a 10,1%, a maior em 40 anos – junto com um aumento de 5%, o que, no total, significa um reajuste de 19%. A defasagem do salário da enfermagem é de mais de 5 mil libras anuais em comparação com 2010, e profissionais do setor vêm enfrentando longos turnos, escassez de funcionários, alta pressão e esgotamento físico e mental. “Ao longo dos anos, minha capacidade de fornecer o nível de atendimento que meus pacientes merecem foi comprometida”, disse à CNN Andrea Mackay, que trabalhou como enfermeira por sete anos em um hospital no sudoeste da Inglaterra. “A realidade é que, todos os dias, enfermeiras em todo o Reino Unido estão entrando em hospitais com falta profissionais (…) É insustentável”, concluiu Mackay.

O National Health Service (NHS) do Reino Unido, equivalente ao que seria o Sistema Único de Saúde no Brasil, vem resistindo, desde 2010, ao subfinanciamento decorrente da política de austeridade amplamente implementada na Europa após a crise de 2008. Segundo o jornal Tribune, o NHS enfrenta “a pior de suas fases”, com altas listas de espera por atendimento, atrasos nos serviços e poucos médicos para muitas consultas.  Hoje, a Inglaterra chegou a um recorde de 7,2 milhões de pessoas aguardando por tratamento, o que equivale a mais de um a cada oito cidadãos. Em 2016, eram 3,3 milhões de pacientes, segundo dados da Associação Médica Britânica. 

A pandemia, segundo profissionais ouvidos pelo Tribune, apenas acelerou o cenário de escassez que já estava se configurando ao longo da última década. “Não foi a covid que quase dobrou a lista de espera por atendimento na Inglaterra de 2,5 milhões em 2010 para 4,6 milhões no final de 2019, nem o aumento subsequente para 7,2 milhões, mas sim o subfinanciamento sistemático por parte do governo e a decorrente falta de capacidade do NHS”, argumentou John Lister, membro da organização Keep Our NHS Public, que aderiu aos protestos.

Metas de combate a doenças, nesse cenário, não foram alcançadas. É o caso do câncer: em 2019, mais de um em cada 5 pacientes com câncer esperava mais de dois meses para iniciar o tratamento. Na área da saúde mental, a falta de capacidade de atendimento da NHS levou ao aumento de encaminhamentos para clinicas e leitos privados. O Royal College of Emergency Medicine, sindicato de paramédicos e médicos de atendimento emergencial, estima que atrasos no atendimento de emergências custam entre 300 e 500 vidas por semana.

Não são apenas os enfermeiros e paramédicos que estão denunciando a situação do sistema de saúde britânico. Na segunda-feira (9/1), médicos iniciantes também aderiram à greve; cerca de 65% desses profissionais que trabalham no NHS querem se demitir, segundo pesquisa da British Medical Association (BMA). A renda de médicos jovens também caiu na última década – e a categoria pede que seus salários sejam restaurados para os valores de 2008. “Essa demanda não é controversa. Valemos cerca de um quarto a menos do que naquela época? Protegemos as pessoas na pandemia, colocamos em risco nós mesmos e nossos entes queridos diante de um vírus desconhecido e nosso trabalho vale apenas palmas vazias e salários em queda?” indagou Dan Zahedi, coordenador do BMA East of England, comitee regional de médicos juniors. Segundo ele, o salário de um médico júnior despencou mais de 26% nos últimos 14 anos em termos reais; em julho de 2022 houve um aumento de 2%, “irrisório” com alta inflação. “Depois de vários anos estudando e acumulando cerca de 100mil libras em dívidas, um salário de 14 libras por hora é devastador”, lamenta. Hoje o NHS tem cerca de 11 mil vagas para médicos e 46 mil para enfermeiros disponíveis, que acabam sendo ocupadas, segundo Zahedi, por profissionais de países em desenvolvimento.

As entidades que representam os profissionais em greve, como o Royal College of Nursing, apontam falta de esforço para negociar por parte do governo britânico, que por hora não sinalizou propostas concretas para o aumento de salários. “Estamos preparados para fazer algumas concessões em um acordo negociado e estamos pedindo ao governo que faça isso o mais rápido possível”, disse à BBC Helen Whyley, diretora do Royal College of Nursing no País de Gales. O governo da região afirmou estar reunindo esforços para “oferecer os melhores resultados”, e pediu ao governo central do Reino Unido que utilize os recursos dos quais dispõe para fornecer uma “oferta justa de pagamento aos funcionários do NHS”.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, do partido conservador, disse em dezembro que o governo não tem recursos para custear o aumento de salários – que, segundo ele, custaria 28 bilhões de libras e que “cada família britânica teria que pagar mil libras em impostos para financia-lo”. A oposição, liderada pelo Partido Trabalhista, caracterizou a conta dos conservadores como “muito inflada”. “O governo já considerou um aumento salarial de 2% a 3%. Como observa o Instituto de Estudos Fiscais, esse aumento salarial custaria cerca de 18 bilhões de libras a mais. O governo receberia cerca de um terço disso em impostos extras e seguro nacional pagos pelos próprios trabalhadores do setor público, o que reduziria o custo em 6 bilhões. O aumento custaria menos da metade dos 28 bilhões declarados pelo governo”, afirmou o parlamentar Richard Burgon. “Não seria necessário tributar todas as famílias para pagar por isso. Um pequeno imposto sobre a riqueza das famílias mais ricas com ativos acima de 10 milhões de libras seria suficiente”, completou.

Na segunda (9/1), o jornal The Guardian revelou que o governo cogita oferecer um pagamento único aos profissionais de saúde, na forma de auxílio. Contudo, os trabalhadores e suas entidades representantes já sinalizaram que querem discutir o pagamento contínuo e não apenas para um curto período. 

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