Rodrigo Savazoni: Lembrar do que realmente importa

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“Não há razão pra voltar atrás. O que nos falta agora é um projeto que dê conta dos nossos desejos e que seja capaz de propor mudanças concretas. Que evoque nossa singularidade. “

Por Rodrigo Savazoni

Outras Palavras está indagando, a pessoas que pensam e lutam por Outro Brasil, que estratégias permitirão resgatar o país da crise (Leia a questão completa aqui e veja todas as respostas dos entrevistados aqui).

Por que mesmo nós fazemos política? Pra que levantamos de nossas camas e nos engajamos em alguma causa que não seja a defesa de nossos interesses individuais?

Quando recebi a mensagem do Antonio Martins me pedindo um texto pro Outras Palavras sobre a conjuntura atual, essas duas perguntas me vieram à cabeça. Lembrei rapidamente também de duas pessoas que me inspiram: Sergio Gomes e Cláudio Prado.

Pensei no Serjão, porque lembrei da frase “é preciso baixar o centro de gravidade”, que ele utiliza costumeiramente. Ou seja, é preciso se aproximar do chão, da realidade, pra encontrar no toque do solo o caminho que pode nos conduzir pra fora da escuridão. Perto do chão, a queda é menor, e a possibilidade de levantar e seguir caminhando muito maior.

Também lembrei do Serjão por conta de um diagrama que ele me ensinou em um guardanapo de papel, num bar, quase duas décadas atrás. Esse diagrama ensina como calcular quem, na construção de um projeto de transformação da sociedade, é a sua turma. Vou tentar explicar o diagrama em palavras. Seria melhor desenhá-lo, mas minha inabilidade impede.

Escreva assim, na parte de cima da folha: inimigo – adversário – neutro – amigo. O jogo é trazer todas as pessoas pra baixo da palavra amigo. Mas há de se ter cuidado, porque um amigo que foi destratado dá a volta completa e vira inimigo. O inimigo age na sombra. Precisamos torná-lo um leal adversário, trazê-lo à luz, pra a boa luta das ideias. Uma vez adversário, temos que neutralizá-lo. Ou seja, fazer com que seus argumentos não reverberem além dos nossos. Neutralizado, ele pode ser convencido a bandear pro grupo dos nossos amigos.

Sugiro a gente tentar aplicar o diagrama do Serjão à conjuntura atual.

Quem somos nós? Quem são nossos inimigos? Não é tarefa simples. Mas fazendo esse esforço, a gente vai clareando com quem quer andar, que ideias quer levar adiante, quais precisa abandonar pra ajudar na reconstrução do país e do mundo. Lula é amigo? Moro inimigo? Trump inimigo? MBL adversário ou inimigo? MPL adversário ou amigo? E os isentões são neutrões?

Lembrei também do Cláudio Prado pela razão inversa da que lembrei do Serjão.

O Cado voltou agora, com a corda toda, com uma coluna audiovisual na Mídia Ninja, “Os Delírios Utópicos de Cláudio Prado”. Já fez três vídeos, um falando de sua formação na contracultura, outro sobre Timothy Leary e outro sobre a Marcha da Maconha. O Cado tá revolvendo o fundo desse buraco escuro em que nos metemos, pra trazer à tona combustível pros nossos sonhos. Acho que a gente precisa mesmo muito disso. De quem nos inspire a sonhar de novo, porque o pragmatismo costuma ser assassino da transcendência. E, quando menos percebemos, responder às duas perguntas do início deste texto se torna impossível.

O que gosto do Serjão e do Cado é que eles são pessoas capazes de produzir sínteses fáceis pra questões complexas. Eu me joguei na política porque via nela a chance de transformar uma realidade extremamente desigual. Portanto, o que posso constatar é que a seiva que alimentou minha indignação continua fluindo. Aliás, está pulsando.

O Brasil, embora tenha avançado, continua sendo uma das mais desiguais nações do planeta. A inclusão social ocorrida nos anos Lula veio desacompanhada de uma plena inclusão educacional, comunicacional e cultural. E pra piorar, muitas das conquistas sociais o golpe pôs no alvo e está atacando. Por outro lado, muita gente boa virou sujeito político mostrando que a história sempre se renova. Prestemos atenção ao refrão daquela antiga canção: é preciso estar atento e forte.

Afinal, não há razão pra voltar atrás. O que nos falta agora é um projeto que dê conta dos nossos desejos e que seja capaz de propor mudanças concretas. Que evoque nossa singularidade. Pra mim, esse projeto só vai brotar se a gente se despir das certezas e voltar a escutar a realidade, fazer aquele bom e velho corpo-a-corpo com a vida. E aí vamos perceber que pra muita gente, muita gente mesmo, a mudança jamais chegou (obrigado por me lembrar disso Bianca Santana).

Tenho me dedicado a essa escuta nos últimos dois anos, mesmo antes do golpe. Resistir é um imperativo. Mas resistir a que e a quem? Lembra do diagrama? Temer é inimigo? De quem? E os nossos líderes que negociam com princípios? São o quê? O sistema político vigente é inimigo? Mas qual a gente gostaria de ver no lugar dele? Reduzir partidos? Acabar com eles? Ou fortalecer os que realmente têm programas e solidez pra enfrentar o jogo sujo do capital?

Difícil responder, né.

De algum ponto, no entanto, a gente tem de seguir essa marcha louca da humanidade rumo ao colapso planetário. E aí volto às sínteses do Serjão e do Cado: baixar o centro de gravidade, encontrar sua turma e reaprender a sonhar. Eu diria que é só isso que dá pra fazer atualmente. Se há algo bom em tudo isso, é que o momento nos pede concentração no que realmente importa.

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2 comentários para "Rodrigo Savazoni: Lembrar do que realmente importa"

  1. Paulo Cardoso disse:

    Por um acaso fazer passeata de reclamação representa um ato político?!
    Não se iludam, caso não entremos para a política, nós pessoas de bem, nunca venceremos essa luta pela reclamação simples.
    Os governistas, políticos e funcionários públicos, não se vexam por serem lembrados de sua ineficácia, ou até desonestidade.
    Por isto, se a proposta for apenas mostrar o que deve fazer um terceiro desinteressado, nada ocorrerá!
    Isto com a certeza de todos anos de república, em que se tem repetido o problema e o procedimento.
    Esqueçam, não adiantou e de nada adiantará reclamar ou propor, tem de fazer!
    Como assim? perguntará o proponente de reclamar.
    Caro, se não entrar na operacionalidade política, ser político, esqueça a suposta eficácia do reclamar, (piada): exigir!?

  2. Volnei Batista de Carvalho disse:

    “…Não há razão pra voltar atrás. O que nos falta agora é um projeto que dê conta dos nossos desejos e que seja capaz de propor mudanças concretas. Que evoque nossa singularidade”; a se construir na plataforma democrática (a vontade direta expressa pelo povo) e que aproveite a institucionalidade posta (o Orden. Júridico parcialmente esculpído pela CF/99), desarmando a execrável legislação partidária-eleitoral vigente e purificando o processo segundo a vontade popular, com isto criando uma norma eleitoral encaixável no modelo de base de autêntica Democrácia, somente com eleições gerais com candidaturas livres e com poder constituinte revisional (previsto na CF/88 a partir de seus princípios pétreos). É momento pré revolucionário para que a nação, que descrê, desconfia de todos os partidos e seus líderes políticos, ilegitima o governo e o Estado, decida entre todos cidadão em condições de igualdade com o democrático exercício da expressão de vontade e voto, votar e ser eleito, propondo-se a governar ou escolher quem haverá de governar. Evidente que para que haja eleições gerais necessário que se construa um projeto normativo, de reengenharia técnica política e de participação dos cidadãos na base democrática, tarefa à intelligentsia brasileira e que exige à arquitetura normativa o plebscito -> eleições gerais -> referendo. A norma eleitoral democrática é ampla em disciplinamento, desde o Judiciário (Eleitoral) com sua urna eletrônica até a isonomia do eventual universo de candidatos. Tarefa nada fácil; tarefa da intelligentsia nacional democrática (espelhada no conceito de que Democracia é o governo do povo, pelo povo para o povo e com o povo em geral. Todos. Na Democracia todas as ideias são conhecidas, debatidas e excluídas da plataforma democrática, ou seja, diminuindo algumas ou até anulando outras por predominância do consenso (harbemasiano) Ademais, a se ver uma sociedade dividida em minorias (Junho 2013 e os mais de 1/3 de votos de protesto; igual se dando em todos os demais países, v.g., na França, recentemente). Enfim, (…) A proposta inconsciente e inconsequente ou a falta de especificidade do grito de eleições diretas (já), simplesmente, e sem anulação das regras postas, pode servir aos propósitos de legitimação do status quo, o que cedo ou tarde conduzirá a nação à 2a. via, o conflito violento de classes ou ao completo subjulgo da sociedade. Portanto, ao pensar e agir como conquista ou costrução primeiro da base democrática.

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