Quando os banqueiros ouvem Karl Marx

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Um consultor ilustre do sistema financeiro ajuda a ridicularizar o consenso em favor de “corte dos gastos públicos”, que domina Europa e América do Norte — com ecos no Brasil

Na aparência, tudo não passa de um completo nonsense. Aos 61 anos, o economista britânico George Magnus é uma das vozes ouvidas no escalão mais alto do sistema financeiro internacional. Desde 1997, aconselha (primeiro, como economista-chefe; hoje, como consultor senior) o UBS, o maior banco suíço e o segundo maior do mundo na administração de fortunas milionárias (com ativos de cerca de 2,5 trilhões de dólares). Este homem está dizendo [leia seu texto, na revista virtual de Outras Palavras] a seus insignes clientes que ouçam, para salvar a economia da crise… Karl Marx.

Magnus não se refere, é claro, ao Marx político, que propunha a derrocada da burguesia por meio da revolução proletária. O que ele realça é a precisão teórica das análises marxianas sobre a natureza das crises do capitalismo. Demonstrando conhecer a obra do filósofo alemão, sustenta: por trás das turbulências que continuam sacudindo os mercados financeiros, há uma clássica crise de superprodução. A concentração de riquezas foi tão aguda, nas mais de duas décadas de hegemonia neoliberal, que se reproduziu o velho mecanismo descrito por Marx: já não há consumidores capazes de adquirir as mercadorias e serviços socialmente produzidos.

Mais que o diagnóstico, porém, importam as propostas do consultor senior do UBS sobre os caminhos para sair da crise. Sempre apoiando-se nas análises marxistas, Magnus sustenta: num cenário como o atual, o caminho adotado pelas elites econômicas, em praticamente todo o mundo, levará ao abismo. Não se trata de cortar gastos, nem de praticar a “austeridade fiscal”. Os Estados precisam intervir na economia — inclusive adotando medidas normalmente condenadas pela ortodoxia. Ampliar o poder de compra dos trabalhadores. Desencadear obras capazes de reduzir o desemprego. Reduzir a dívida de setores da população (como os que hipotecaram suas casas) e de países (como a Grécia) que se enrascaram nas armadilhas de crédito abertas até 2008. Aceitar taxas mais altas de inflação.

É um sopro provocador de reflexão, num momento em que os economistas de mercado e a mídia tentam tirar do baú a mesma ortodoxia que provocou a crise (observe sua pregação contra a queda das taxas de juros, ou o bombardeio contra  a volta de um imposto sobre transações financeiras, para financiar a Saúde). Assim como o recente artigo, de Warren Buffet — o multibilionário norte-americano que pede impostos sobre as grandes fortunas — o texto de Magnus lembra que, em tempos de crise, o maior risco está em seguir mecanicamente o pensamento convencional.

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2 comentários para "Quando os banqueiros ouvem Karl Marx"

  1. Arnaldo Azevedo Marques disse:

    Ao falar simplesmente em GASTOS PÚBLICAS é muito vago. O que se deveria falar em redução seria mais correto especificar GESTÃO ESTRATÉGICA DOS GASTOS PUBLICOS voltada para o objetivo de encontrar “caminhos eficientes para sair da crise” como diz muito bem George Magnus. Gastos Públicos são compostos de diversos itens conforme o direcionamento do dispêndio. Nesse contexto pode-se falar em racionalizá-lo em função dos objetivos: “Ampliar o poder de compra dos trabalhadores. Desencadear obras capazes de reduzir o desemprego. Reduzir a dívida de setores da população (como os que hipotecaram suas casas) e de países (como a Grécia) que se enrascaram nas armadilhas de crédito abertas até 2008. Aceitar taxas mais altas de inflação”. Assim: “Os Estados precisam intervir na economia”.

  2. Teresa Tigre disse:

    Essas vozes têm que começar a aparecer , são necessárias ao nosso momento de fragilidade e perplexidade.Grandes potências e culturas milenarmente assentadas, estão paralizadas por falta de cenários alternativos para suas economias. Mas sabemos que eles existem !
    Enquanto isso, como na política não há lugar vazio, os mais poderosos e espertos, se apropriam desses espaços de domínio para potencializarem geometricamente suas rendas e riquezas – estou falando da classe de banqueiros e congêneres.
    As massas organizadas em cada recanto do planeta dão demonstrações de que estão acordadas, que têm propostas e que não desejam o atrelamento a nenhum caminho ideológico pré-estabelecido.
    Vamos apostar nas duas frentes, e que elas se encontrem!!!

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