O dia em que Parelheiros andou em ônibus digno

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No extremo da periferia Sul, moradores garantem Tarifa Zero — e chamam atenção para precariedade do transporte público, que os obriga uma hora de caminhada, após último ponto…

Por Ruam Oliveira

Na última semana, moradores do extremo sul da capital paulista puseram em circulação uma linha de ônibus gratuita intitulada “Linha Popular”. O ônibus, alugado pela população, funcionou como circular entre o Barragem, Bosque do Sol e Marsilac – três bairros da região de Parelheiros com os piores serviços de transporte de São Paulo. A linha foi o protesto.

Diferente dos últimos acontecimentos de reivindicação que ocorreram na cidade, majoritariamente tomando avenidas ou em marchas e bater de panelas, a linha popular usou de sua própria causa para demonstrar as necessidades que os bairros possuem. Ou seja, reafirmar suas razões.

Fabrícia Bezerra, 27 anos, estudante, que mora na região do Marsilac conta que “a ação foi importante pra mostrar para a prefeitura que é possível”. Um dos problemas apontados por Fabrícia é a dificuldade que os moradores têm para chegar até mesmo à Unidade Básica de Saúde (UBS). “Eu tive que comprar uma moto, porque voltei a estudar e não tinha outro jeito. Quando saio deixo a moto na casa de um amigo perto do ponto e pego o ônibus. Na volta, a mesma coisa”, ela conta que de sua casa até o ponto mais próximo são cerca de 2,5 Km e por estudar à noite, comprar a moto foi a melhor solução. A moradora ecoa o discurso de muitos outros envolvidos: “é um protesto e eles precisam ver que é possível melhorar o transporte”.

Os trajetos por onde a linha popular passou são considerados pela prefeitura como áreas rurais; por este motivo, haveria dificuldade para implementar novas linhas. A alegação é amplamente rebatida por participantes da luta por transportes na região, encabeçados pelo coletivo “Luta pelo Transporte no Extremo Sul”. Há dois anos, ele apoia a exigência de um serviço de ônibus decente.

Vinícius Faustino, 21 anos, professor de história em um cursinho popular e integrante do coletivo, aponta que o problema não está na área e sim na falta de vontade política para a ação no local. “O Bosque do Sol não é uma área rural, é um bairro urbanizado como qualquer outro bairro de periferia”, conta. Ele explica que os bairros que reivindicam a criação de novas linhas são parecidos com outros que já possuem serviços de transporte, como o caso de Vargem Grande. Segundo o militante, o último ponto de ônibus do Marsilac pode ficar a 15 km de distância de algumas casas. No bairro do Barragem, a situação é semelhante, com cerca de 12 km de distância.

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É uma luta que exige tempo. No dia 27 de abril o coletivo interrompeu uma aula do prefeito Fernando Haddad na USP, para pedir por melhorias no transporte e a criação de linhas que atendam aos bairros mais distantes. Segundo Cleber, 33 anos, educador e também integrante do coletivo, o prefeito havia se comprometido naquele dia a agendar uma reunião com as secretarias municipais responsáveis pelo processo de criação das novas linhas. O educador contou que a atual gestão sugeriu duas datas para debaterem o assunto — 16 e 23/5 –, ambas canceladas. Vinícius conta que até agora só foram ouvidos por pessoas da área técnica e em nenhuma destas reuniões houve qualquer avanço.

O coletivo

A organização do movimento, de acordo com Vinícius Faustino, é horizontal. “Na verdade, os membros dos bairros têm as iniciativas e nós apoiamos”, diz. A organização ocorre por meio de panfletagens, reuniões, etc. e ele diz não haver qualquer ligação  do coletivo com organizações de bairro, partidos políticos ou OnGs. “É um trabalho do povo mesmo”.

Segundo ele, o coletivo é composto por uma gama variada de pessoas, de diferentes bairros e formações. “Tem de tudo, estudante, empregado, desempregado do extremo sul”. As reuniões podem acontecer em praças, casas, igrejas, ruas, etc.

É claro que a criação desta linha é, no mínimo, inusitada. Quando questionados a respeito dos motivos que os levaram à ação, os moradores apontam sempre a questão da distância. Eles têm projetos de percurso para as novas linhas – um deles é o mesmo executado durante os três dias de circulação da alternativa.

Os novos trajetos são imortantes, segundo Faustino, porque as pessoas demoram entre uma e três horas para chegar em casa após descerem no último ponto de ônibus das linhas existentes. Ele acrescenta que as estradas não têm iluminação adequada, são esburacadas e sem asfato, oferecendo riscos de assalto, abuso sexual, etc. para os moradores que precisam utilizá-las.

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“A gente entende que o transporte não deve ser tratado como mercadoria”, aponta Vinícius. O coletivo defende a tarifa zero no transporte, mas para ele em primeiro lugar está a criação das novas linhas para atender a população.

Vandoir José de Souza, 53 anos, padeiro,  é um grande entusiasta da causa. “Como morador eu apoio muito a luta”, diz. Preocupa-se especialmente com os riscos vivido por crianças, idosos e pessoas com mobilidade reduzida, enfatizando a distância até a UBS mais próxima. “Há um tempo atrás, tive um AVC e foi difícil chegar à UBS (…) Acho a luta muito válida”, conta.

Morador da região do Barragem há 22 anos, Vandoir diz que as mudanças ao longo dos anos foram poucas. De casa até o ponto de ônibus mais próximo, ele gasta em torno de 45 minutos de caminhada. “Alguns amigos, que trabalham no centro, saem de casa às 2h ou 2h15 para pegar o primeiro ônibus, que sai às 3h50”. Ele usou a linha popular mais de uma vez. O ônibus saía com quinze ou vinte pessoas a cada viagem fora do horário de pico.

Em todos os depoimentos dos moradores duas frases foram muito repetidas: “Há demanda” e “É possível”. O coletivo não pediu autorização da prefeitura de São Paulo para a ativação da linha durante estes três dias de maio (13,14 e 15). Fez isso para enfatizar o caráter de protesto da ação.

“Quem tem a obrigação de colocar as linhas nos bairros é o Estado e não a comunidade”, comenta o militante Cleber. Ele  também afirma que o plano não é continuar com a linha, mas chamar a atenção dos responsáveis para a necessidade do local e mostrar que “é possível implementar o que estão pedindo”. Eles conseguiram ligar os holofotes e o assunto repercutiu na própria mídia conservadora.

“Algumas pessoas ficam desanimadas, porque já temos dois anos de luta e pouca coisa aconteceu (…), mas a gente explica e eles acabam se animando de novo”, cita a estudante Fabrícia.

Este protesto, verdadeiramente pacífico, foi um sinal do poder de articulação dos moradores, que através de rifas e outros eventos, arrecadaram o dinheiro necessário para o aluguel do ônibus e cravaram, eles mesmos, uma estaca demarcando território em sua luta pelo transporte público. Expressaram sua força através desta ação, mas cientes de que os caminhos do protesto são quase tão longos quanto é, para alguns deles, voltar para casa…

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