Transporte sobre trilhos: um leque de opções

VLT

Limpo, silencioso e eficaz, o VLT dispensa desapropriações e grandes obras

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Para reverter o sequestro das cidades pelo automóvel, há quatro modalidades básicas de transporte coletivo limpo. O Brasil tem se esquecido do VLT — que é barato e fácil de implantar

Por Rogério Centofanti* do São Paulo Trem Jeito

Grosso modo, pode-se dizer que externalidade refere-se ao impacto de uma decisão sobre os que dela não participam, mas que estão sujeitos a sua consequência. A ideia central de “impacto ambiental” é um bom exemplo, uma vez que uma decisão do homem pode afetar a vida de seres de outras espécies, e que, logicamente, não participaram e nem poderiam participar da decisão humana.

Externalidade, portanto, diz das consequências que uma decisão pode gerar como benefícios ou malefícios a terceiros, o que permite falar em externalidade positiva e negativa.

No caso de decisões no setor metroferroviário, pelo fato de envolver interesses públicos, pensa-se no custo e no benefício de uma “oportunidade social”.

O setor metroferroviário está, no presente, norteado por dois pilares: tempo e segurança. Interessa, portanto, um sistema que encurte distâncias no menor tempo possível, mas com segurança. O atendimento a tal binômio, entretanto, tem muitas vezes um custo financeiro elevado para que os benefícios sociais sejam produzidos, mas, em boa parte das discussões, em torno das “externalidades”.

Habituados aos aspectos técnico e econômico, entretanto, os teóricos que trazem o conceito de externalidade ao setor metroferroviário estão, em nosso entendimento, promovendo um viés na discussão, uma vez que preocupados com aspectos tipicamente quantitativos de fenômenos que não podem ser mensurados.

Vamos melhor entender:

Quando falamos de transporte de pessoas sobre trilhos, em ambiência metropolitana, nos ocorrem quatro modos: trem metropolitano, metrô, monotrilho (ou aeromóvel) e VLT. Todos eles, respeitadas as limitações técnicas, atendem ao binômio tempo-segurança. Quanto mais velozes, entretanto, e por conta das condições de aceleração e frenagem, maiores são os intervalos entre estações, uma vez que, se tais distâncias forem reduzidas, o benefício “tempo” ficará completamente prejudicado. É o caso de trem metropolitano e metrô. Nessa medida, a produção do benefício tempo gera uma externalidade negativa, a saber, um intervalo relativamente longo entre uma estação e outra. Onde está a externalidade negativa? As pessoas não gozam dos benefícios do tempo do trem metropolitano e do metrô na porta de casa, exceto as mais beneficiadas, muitas vezes por conta do acaso.

Por que as pessoas preferem o metrô ao trem metropolitano?

Não há, entre eles, muita diferença quanto ao benefício tempo, e tampouco quanto ao quesito segurança, mas o metrô apresenta uma enorme externalidade positiva: circula no coração dos aglomerados, enquanto o trem metropolitano circula nos arredores dos aglomerados, na periferia dos aglomerados. Tem também o metrô outra externalidade positiva: circula pelos subterrâneos dos grandes aglomerados, em nada interferindo ou deixando-se interferir pelo que acontece na superfície. Enquanto o usuário circula com velocidade e segurança pelos túneis do metrô, deixa para a superfície o caos do trânsito e do transporte da “vida sobre pneus”. O trem metropolitano, pelo fato de circular na superfície, e em via própria, tem a exterioridade negativa de separar, de segregar os habitantes e os veículos automotores de um lado e do outro das linhas, motivo dele viver as voltas com reclamações em torno de passagens de nível ou com reivindicações por mais viadutos e passarelas. Por outro lado, no que toca ao custo financeiro, investimentos na infraestrutura de trem metropolitano são bem menores do que na de metrô.

Há, entretanto, outra externalidade negativa nos trens metropolitanos, e que foge ao pensamento meramente quantitativo: pelo fato de ser um transporte de superfície, e de circular em via segregada, o trem metropolitano necessita de estações (coisa que o metrô prescinde, ao menos no conceito convencional) e de cercamento ao longo de toda a sua malha. Nessa condição, além dos aspectos financeiros e operacionais, prepondera uma externalidade negativa de conteúdo tipicamente humano – o aspecto estético. Exceto as poucas estações preservadas, a grande maioria é composta por caixotes horrorosos, de um mau gosto inigualável, impossível de produzir nos usuários um sentimento de admiração e de apropriação. Trata-se, portanto, de uma externalidade negativa de motivação sócio-existencial – de uma economia existencial -, e que pode ser revertida em externalidade positiva, isto é, em motivo de satisfação e prazer. Não há, entretanto, preocupações nessa direção, uma vez que o pensamento em voga tem caráter meramente operacional e quantitativo.

Quanto à segregação das linhas, não há motivos que sustentem a construção de muros feios, sujos e mal cuidados. Por que “muros”? Mais uma vez, estamos diante de uma exterioridade negativa de motivação sócio-existencial. O que dificulta a construção de viadutos, mas principalmente de passarelas confortáveis por sobre as linhas, é a altura do suporte da rede aérea. Isso, entretanto, pode ter alguma solução técnica, ao menos nos trechos das passarelas. Como se pode ver, porém, nada que não possa ser solucionado.

O que muda de forma substancial, entre trem metropolitano e metrô, é que metrô dirige-se para onde as pessoas estão concentradas, enquanto trem metropolitano, em torno de suas linhas, cria lugares para onde as pessoas se irão se dirigir. Esse é um dos motivos pelos quais o Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana (base CPTM), defende a construção de um ferroanel metropolitano em volta da Região Metropolitana de São Paulo, conforme projeto da década de 70. São Paulo cresceu ao redor das ferrovias.

Por que o governo está investindo em monotrilho?

Monotrilho tem, em comum com o metrô, a propriedade de deixar as coisas na superfície do jeito que estão. Enquanto o metrô circula pelo subterrâneo, o monotrilho (ou o aeromóvel) circula pelo alto, paira sobre ruas, avenidas e carros. Tem, sob o metrô, no aspecto financeiro, a vantagem de ter uma construção mais econômica. Não requer muitas desapropriações, por exemplo. Por outro lado, não atende ao quesito tempo, uma vez que sua velocidade é reduzida quando comparada ao metrô e aos trens metropolitanos. Tem, também, problema de acesso dos usuários, pois não está no nível da superfície, além de menor capacidade de transporte, quando comparado aos trens metropolitanos e metrô.

Monotrilho e metrô têm, portanto, como externalidade positiva, o fato de deixarem as coisas na superfície do jeito que estão, pois não conflitam com carros, ônibus, caminhões e motos. São obras caras apenas para sustentar convivência pacífica com os modos rodoviários.

Por que não se fala em VLT?

VLT é, dentre os “irmãos” do modal, o mais econômico para implantação e operação. Não atende – quando comparado a trem metropolitano e metrô – o fator tempo (embora o monotrilho também não), mas não requer necessariamente estações, e tampouco longas distâncias entre paradas. Como os demais também não é poluente. Sua capacidade de transporte é razoável (um pouco menor do que a do monotrilho) – pois não é transporte de massa -, mas apresenta uma externalidade “negativa”: disputa espaço com carros, ônibus, carros e motos. Do nosso ponto de vista, trata-se de uma externalidade “positiva”, pois reduz o volume de “pneus” dentro dos grandes aglomerados, assim como suas terríveis consequências (poluição do ar e sonora, bem como engarrafamentos, etc.). Fala-se em corredores de ônibus (linhas segregadas para transporte de pessoas sobre pneus), mas não se fala em corredores de VLT.

Ao fim e ao cabo, portanto, todos têm aspectos de externalidades, sejam positivas ou negativas. Que tal, agora, pensar nas externalidades do transporte de pessoas sobre pneus, e comparar com as várias possibilidades do transporte de pessoas sobre trilhos?

Está aberta a discussão.

* Rogério Centofanti é consultor do Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana

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