No Cairo, a revolução não vai às urnas

Nos cartazes, Abdel Abolfotoh, um dos candidatos islâmicos com chances na disputa

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Jovens rebeldes que derrubaram Mubarak em 2011 têm pouca incidência nas eleições para presidente — polarizadas por um ex-ministro da ditadura e dois candidatos islâmicos

Nenhum país é tão crucial, para o futuro, para o futuro da Primavera Árabe, quanto o Egito. São 70 milhões de habitantes, enorme influência no Oriente Médio, duas grandes revoluções em meio século. Ao mesmo tempo, exército forte e articulado, polícia e paramilitares rudes e violentos, laços especiais com Estados Unidos e Israel. Por isso mesmo, em nenhuma parte do mundo árabe houve tantas reviravoltas, desde que a ditadura foi deposta, em fevereiro do ano passado. Na derrocada do regime, e num surto insurrecional posterior, em outubro, saiu vitoriosa a juventude articulada em redes, que transformou a Praça Tahrir num grande experimento de invenção democrática. Nas disputas institucionais por meio das quais vai se constituindo um novo poder, prevalecem ou os militares (que souberem livrar-se do ditador), ou os partidos islâmicos. É o que volta a se desenhar às vésperas das eleições presidenciais, marcadas para 23 e 24 de maio, com provável segundo turno em junho.

Três candidatos parecem ter, a vinte dias da escolha, chances de chegar ao segundo turno: Amr Moussa, um ex-ministro do Exterior e secretário-geral da Liga Árabe; Abdel Abolfotoh, um antigo militante da Irmandade Muçulmana, perseguido pelo regime de Mubarak e rompido com o grupo islâmico há cerca de um ano, sem no entanto confrontar-se com ele; e Mohammed Morsi, o postulante oficial da Irmandade, maior força política egípcia, com quase 50% das cadeiras no Parlamento e na Assembleia Constituinte.É fácil compreender a proeminência dos dois candidatos islâmicos. Durante décadas de ditadura, a fé muçulmana, amplamente majoritária no Egito, foi contraponto ao regime — laico, porém corrupto e repressor. Em teoria, a Irmandade Muçulmana, um grupo com ramificações em boa parte do mundo árabe e vasta rede de estabelecimentos de Ensino, Saúde e Assistência Social, teria facilidade em eleger o presidente. Porém, a força dos militares pesou. No final de abril, a comissão eleitoral (nomeada nos tempos de Mubarak, mas fortemente ligada ao exército) excluiu da disputa dez candidatos, entre eles Khairat el-Shater, o nome mais forte da Irmandade.

Entre os islâmicos restaram, com chances reais na disputa, Abolfotoh e Morsi. O primeiro afirma com mais clareza o caráter laico de sua candidatura. Porém, tirou proveito da rivalidade entre os dois grandes grupos muçulmanos. Dissidente da Irmandade, tornou-se palatável aos Salafitas — uma ala ultra-ortodoxas e fundamentalistas, mas que teme ficar à sombra da Irmandade. Morsi está em terceiro, nas pesquisas, mas não deve ser desprezado. Nas semanas que faltam para o pleito, a rede de militantes Irmandade pode fazer intenso trabalho em seu favor. É algo que pouco aparece nas sondagens, mas torna-se, às vezes, decisivo nas urnas.

Já as chances Amr Moussa, que  foi auxiliar de Mubarak durante dez anos, repousam em dois fatores. Primeiro, sua identificação com Liga Árabe. Embora ligado ao ditador, ele ocupou um posto que lhe permitiu alguma independência. Soube aproveitar-se dela. Tornou-se conhecido pelas constantes críticas a Israel e, em especial, à invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003. Declarou, à época, que a aventura militar da Casa Branca, “abria as portas do inferno”.

Além disso, sua independência em relação às organizações islâmicas é um sinal de alívio para parte importante (ainda que minoritária) do eleitorado, que teme a opressão religiosa. Embora a Irmandade Muçulmana declare seu compromisso com um Estado laico, têm surgido sinais inquietantes de conservadorismo ligado à fé. Algumas universidades provinciais estabeleceram, por exemplo, medidas estritas para segregar os estudantes por sexo, nas salas de aula e especialmente nas atividades que envolvem viagens. Num cenário em que nenhum candidato expressa vontade clara de mudança social, rejeitar o risco de islamização pode ser um atributo decisivo, inclusive para os eleitores à esquerda.

Seja como for, o espaço para debater o futuro do país está aberto. Na noite de quarta para quinta-feira, a TV egípcia transmitiu, pela primeira vez na história, um debate ao vivo entre candidatos a um posto político. Foram convidados apenas Moussa e Abolfotoh, que lideram as sondagens (vistas por todos como pouco confiáveis…) Ainda assim, a possibilidade de uma polêmica pública, envolvendo temas nacionais, polarizou atenções.

Kahled Ali, o candidato ligado à Praça Tahrir

Incapazes, por enquanto, de articular planos comuns, os jovens rebeldes esperam. Têm, no momento, dois pequenos motivos para celebrar. Foram, ao menos, capazes de constituir um candidato — Khaled Ali, um advogado em favor dos direitos humanos, pouco conhecido porém valente. Sem vínculo com partidos, é relativamente jovem (40 anos) e pode ter futuro. Destacou-se por defender causas trabalhistas célebres, durante a ditadura Mubarak Teve papel ativo na sequência de lutas que levou à queda do regime e estabeleceu redes de contato importantes.

Também à última hora, o Prêmio Nobel da Paz, Mohamed El Baradei, anunciou que formará um novo grupo político — o  Partido da Constituição. É um lance visando o futuro. Baradei, que foi muito cotado, durante as mobilizações do ano passado, para disputar a Presidência, não conseguiu articular-se para tanto. Mas tem expressão nacional (especialmente nas grandes cidades) e apoiou claramente a revolta que derrubou a ditadura. Caso se viabilize, a agremiação que ele tenta construir pode converter-se, também, em espaço importante para expressão institucional da juventude que quer levar a revolução adiante.

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Um comentario para "No Cairo, a revolução não vai às urnas"

  1. Anderson De Jesus Santos disse:

    kkkk eu não li maiis eu acho q deve ser intereçante (Y)

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