Zizek: "Não vejam o Tea Party como inimigos"

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“Nós nos sentimos livres porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade”

O filósofo esloveno Slavoj Žižek parece ter conseguido sentir o pulso, senão de todos, certamente da maioria dos milhares de manifestantes que andam ocupando praças públicas pelo mundo afora — e que, no próximo dia 15 de outubro, prometem uma acampada simultânea em várias cidades do planeta. Em discurso proferido no Zuccotti Park, também conhecido como Liberty Plaza, onde está concentrada a juventude que encarna o movimento Occupy Wall Street, em Nova York, Žižek teve sua voz amplificada pelo “microfone humano” para defender as recentes manifestações e alertá-las sobre os ataques que logo começarão a arremeter-se com força sobre elas. Outras Palavras reproduz sua intervenção pública graças ao Blog da Boitempo, que conseguiu, junto ao autor, o texto do discurso e o traduziu para o português.

“Da mesma maneira que compramos café sem cafeína, cerveja sem álcool e sorvete sem gordura, eles tentarão transformar isto aqui em um protesto moral inofensivo”, preveniu o filósofo. “Mas a razão de estarmos reunidos é o fato de já termos tido o bastante de um mundo onde reciclar latas de Coca-Cola, dar alguns dólares para a caridade ou comprar um cappuccino da Starbucks que tem 1% da renda revertida para problemas do Terceiro Mundo é o suficiente para nos fazer sentir bem. Depois de terceirizar o trabalho, depois de terceirizar a tortura, depois que as agências matrimoniais começaram a terceirizar até nossos encontros, é que percebemos que, há muito tempo, também permitimos que nossos engajamentos políticos sejam terceirizados — mas agora nós os queremos de volta.”

Assim como Toni Negri e Michael Hardt, em texto publicado ontem pelo Outras Palavras, Žižek também acredita que o grande desafio do Occupy Wall Street — e dos demais movimentos contestatários espalhados pelo mundo — será construir um novo tipo de organização social que substitua os valores vigentes. “As alternativas do século 20 obviamente não servem”, atesta. Na completa falta de alternativas prontas, o filósofo acrescenta que o traço mais importante das manifestações é exatamente o de haver oferecido um caminho para que os descontentes do mundo comecem a articular verbalmente o motivo de sua indignação. Afinal, se não sabemos explicar as razões de nossas frustrações, como poderemos comunicá-las aos demais? Pior, como podemos, com a língua enrolada, elaborar saídas à realidade vigente? Sim, além de filósofo, Žižek também é psicanalista.

Mas outras coisas foram ditas pelo pensador barbudo no Zuccotti Park — coisas que não constam do discurso traduzido pelo Blog da Boitempo. Entre as afirmações que faltam, há algumas bastante controversas, resgatadas pelos repórteres do Huffington Post e New York Observer que estiveram lá: “A tragédia é que muitas pessoas do Tea Party podem estar do nosso lado. É aí que devemos trabalhar. Eles podem ser estúpidos, mas não os encaremos como inimigos”, recomendou. Outra ideia de Žižek que possivelmente desagradou a alguns manifestantes foi sua crítica ao consumo de alimentos orgânicos: trata-se de “pseudo ativismo”, disse, segundo o New York Observer. De acordo com o filósofo, os produtos ecologicamente corretos foram desenhados para fazer com que os consumidores tenham a sensação de, ao adquiri-los, estarem causando impactos positivos sobre o planeta. Assim, sentem-se automaticamente absolvidos de olhar para questões mais destrutivas do sistema.

Slavoj Žižek também declarou que apoia o megaespeculador húngaro George Soros, que cansou de ganhar dinheiro na bolsa de valores. Soros ficou conhecido por quebrar economias inteiras manipulando sua fortuna e também por investir pesado para que George W. Bush não fosse reeleito como presidente dos Estados Unidos. Hoje, o bilionário apoia financeiramente a legalização da maconha na Califórnia e está investindo parte de seu patrimônio no desenvolvimento de tenologias limpas. Enfim… Falando aos manifestantes novaiorquinos, o filósofo esloveno comparou Soros a uma espécie de “chocolate laxante”, imagem que, disse, comunica uma contradição em si. “Primeiro, eles roubam bilhões de você, depois devolvem metade. E isso faz deles os maiores filantropos humanitários do mundo”, ironizou, sugerindo aos jovens: “Ganhem dinheiro, claro, mas não deixem de lutar para derrubar o sistema que faz com que o dinheiro seja necessário.”

Além de Žižek, já passaram pelas praças tomadas pelo Occupy Wall Street o cineasta Michael Moore (Tiros em Columbine, Farenheit 11/09) e a escritora Naomi Klein (No Logo), além de atores, como Susan Sarandon. — @tadeubreda

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3 comentários para "Zizek: "Não vejam o Tea Party como inimigos""

  1. Pedro Martins disse:

    Imagino que o discurso que a Boitempo publicou seja um texto prévio à fala que ele teve na manifestação. Daí alguns trechos dessas duas reportagens linkadas não constarem no documento.
    O problema, ao meu ver, é a falta de contexto da frase atribuída a ele a respeito do Tea Party. Fui nos sites dos jornais ler as matérias e também não vi detalhamento. É uma frase de efeito, mas que fica sem sentido solta. O Tea Party é um movimento de direita, reacionário, que está interessado em diminuir totalmente a participação do Estado na economia e na sociedade. É diametralmente oposto ao Ocupy Wall Street. Fico especulando que ele pudesse estar falando de uma possível união de forças a partir de uma estratégia de convencimento por parte da galera que está nas ruas.
    Mas também o Zizek é sempre controverso e polêmico. Faz isso de propósito. Trazê-lo para este espaço é sempre uma ótima pedida, inspiradora.

  2. Tadeu Breda disse:

    Oi, A. Carlos. Obrigado por seu comentário. Não quis insinuar que a Boitempo “teria interesse em suprimir” partes do discurso proferido por Zizek na Liberty Plaza. Se por acaso meu texto deu a entender essa ideia, gostaria de desfazê-la. Apenas observei que, no discurso enviado pelo intelectual à editora brasileira, não constam alguns trechos que, sim, são relatados pelos jornais estadunidenses. Isso não quer dizer absolutamente nada além do que quer dizer. O objetivo do post é complementar o discurso publicado em português com algumas outras informações que não haviam chegado até nós — e que também são interessantes, como as afirmações sobre o Tea Party. Em relação a George Soros, entendo que Zizek apoia — com as devidas ressalvas — a nova onda do bilionário, que está gastando uma parte de sua fortuna em causas “progressistas”. Naquele esquema: melhor gastar com tecnologias limpas e com a legalização da maconha do que, sei lá, torrar tudo com champanha. Essa simpatia não impede a avaliação posterior de que Soros roubou bilhões e agora está devolvendo a metade e ficando com a fama de filantropo.

  3. A. Carlos disse:

    Creio que há incorreções na notícia.
    1. A afirmação de que Zizek apoiaria (!) Soros não tem sentido, quando – algumas linhas depois – o articulista nos informa que, segundo Zizek, Soros seria daqueles que “roubam bilhões de você, depois devolvem metade. E isso faz deles os maiores filantropos humanitários do mundo”;
    2. Não entendo que interesse teria a Boitempo em suprimir qualquer parte do discurso que lhe foi encaminhado pelo próprio Zizek, tanto mais porque este – em mais de um de seus escritos – já observou que o povo do Tea Party é integrado por pessoas indignadas que, por equívoco, defendem teses erradas. Povo esse que, segundo Zizek, deveria ser trabalhado e conquistado pela esquerda.

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