Ivana Bentes: lembrem-se de 2013

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“A virada de página passa também por um deslocamento radical dos imaginários das esquerdas, que têm dificuldade de se movimentar fora da forma-partido, da forma-Estado, do centralismo.”

Por Ivana Bentes

Outras Palavras está indagando, a pessoas que pensam e lutam por Outro Brasil, que estratégias permitirão resgatar o país da crise (Leia a questão completa aqui e veja todas as respostas dos entrevistados aqui).

Para começar temos que nos perguntar: como “virar a página” simplesmente, quando a página, o Estado de Direito no Brasil, foi rasgada e se produziu um ambiente social e político tóxico e instável? Enquanto essa situação persistir, a do governo Michel Temer, não vejo saída para barrar a virada ultra conservadora e a demolição em dominó de conquistas sociais que pareciam irreversíveis. Por isso a primeira saída seriam eleições diretas já, e assegurar que as forças em disputa hoje no Brasil possam estar representadas nas eleições de 2018.

Essa é a virada de página “por dentro do Estado”, mas sabendo dos seus limites, sabendo que o Estado brasileiro é uma máquina que serve há 500 anos a uma elite financeira, a elite do dinheiro e que se constituiu antes de termos um projeto de sociedade. Ou seja, esse Estado que ai está não existe sem comandos das corporações, do judiciário, da mídia, das igrejas. Não tem virada de página por dentro do Estado sem explodir, hackear, desconstruir essa rede de comandos de dentro. Reforma política?

Nesse sentido, a virada de página também passa pela forma que a sociedade brasileira vai reagir ao “choque do real”, as revelações dos esquemas estratosféricos de corrupção sistêmica por dentro e por fora do Estado, que produzem certo anestesiamento e conformismo, por um lado, mas também uma enorme indignação.

Em 2013 experimentamos essa potência do que se vayan todos, um momento extraordinário de imaginação social, de ruidocracia, em que as forças vivas da sociedade expressaram outros desejos: de democracia direta, de repúdio da velha política, de crise da democracia representativa, um laboratório incrível (inclusive das redes de ódio e de intolerância também) mas que foram reprimidos e abortados. 2013 já mostrou que é preciso saber o que fazer depois que a gente sai das ruas! Por mais que as ruas sejam o lugar da nova política.

A virada de página passa também por um deslocamento radical dos imaginários das esquerdas que têm dificuldade de se movimentar fora da forma-partido, da forma-Estado, do centralismo. Não vejo como virar a página sem potencializar esses novos sujeitos do discurso e da política que emergiram pré e pós-2013 e que questionam e desconstroem (inclusive dentro das esquerdas) a brancocracia, o machismo, o racismo.

Não vejo como virar a página sem sair de um pensamento desenvolvimentista e fordista, não vejo como virar a página sem trazer para a política pensamento da diversidade cultural ou as cosmovisões indígenas.

Em 2015 participei de um exercício de cenarização chamado “Alerta Democrático”, com lideranças e ativistas indígenas, parlamentares, professores, padres, empresários, inovadores em diferentes campos e de toda a América Latina. O desafio era pensar quatro cenários para a Democracia na América Latina nos próximos 20 anos.

Eu trabalhei com os dois cenários mais positivos. Como a democracia participativa, a governança, a cultura das redes poderia produzir um outro imaginário social e político. O cenário da mobilização e da transformação. Mas o Brasil me jogou na real, os cenários da democracia em tensão e agonia.

Como sou otimista, acredito que depois do “choque do real”, quando parte das nossas crenças caíram por terra e se amesquinhou o campo do possível, temos que apostar em um “ponto de mutação” nem que seja por saturação, por trauma, por rejeição de “tudo o que está ai”. Mas na real, essa página não se rasga e nem se vira, se escreve e é um processo coletivo e imprevisível.

Aqui os quatro cenários e as duas saídas que hoje se superpõem e se misturam no jogo da democracia:

  1. Democracia em agonia – É o cenário mais negativo e nele a democracia encontra-se influenciado pelo comércio ilícito das drogas, corrupção, pelos poderes mafiosos e fáticos. Os cidadãos mostram-se sem esperança e apáticos por viver em um ambiente tomado pelo crime organizado e pela corrupção. É o cenário da violência, do medo e onde a democracia parece derrotada;
  1. Democracia em tensão- As lógicas são as de inércia e reconcentração do poder político e econômico. É o cenário da democracia apenas de forma aparente, onde ocorre a tensão e disputas de poder entre diversas forças políticas e econômicas e produz uma frustação social;
  1. Democracia em transformação. A América Latina demanda de forma generalizada a reformulação das instituições democráticas para que se permita a superação progressiva dos problemas estruturais urgentes. É o cenário do fortalecimento da democracia na região e inovação institucional;
  1. Democracia em mobilização. A mobilização social contínua e em tempo real é consolidada e começa a promover transformações em fluxo na sociedade. É o cenário que a participação e a inovação cidadã ganham força diante do poder tradicional, com a emergência da democracia participativa, a cultura das redes, a economia solidária e colaborativa e a diversidade cultural se torna a base de todo processo político.
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Um comentario para "Ivana Bentes: lembrem-se de 2013"

  1. Volnei Batista de Carvalho disse:

    “… a primeira saída seriam eleições diretas já, e assegurar que as forças em disputa hoje no Brasil possam estar representadas nas eleições de 2018.”; a se construir na plataforma democrática (a vontade direta expressa pelo povo) e que aproveite a institucionalidade posta (o Orden. Júridico parcialmente esculpído pela CF/99), desarmando a execrável legislação partidária-eleitoral vigente e purificando o processo segundo a vontade popular, com isto criando uma norma eleitoral encaixável no modelo de base de autêntica Democrácia, somente com eleições gerais com candidaturas livres e com poder constituinte revisional (previsto na CF/88 a partir de seus princípios pétreos). É momento pré revolucionário para que a nação, que descrê, desconfia de todos os partidos e seus líderes políticos, ilegitima o governo e o Estado, decida entre todos cidadão em condições de igualdade com o democrático exercício da expressão de vontade e voto, votar e ser eleito, propondo-se a governar ou escolher quem haverá de governar. Evidente que para que haja eleições gerais necessário que se construa um projeto normativo, de reengenharia técnica política e de participação dos cidadãos na base democrática, tarefa à intelligentsia brasileira e que exige à arquitetura normativa o plebscito -> eleições gerais -> referendo. A norma eleitoral democrática é ampla em disciplinamento, desde o Judiciário (Eleitoral) com sua urna eletrônica até a isonomia do eventual universo de candidatos. Tarefa nada fácil; tarefa da intelligentsia nacional democrática (espelhada no conceito de que Democracia é o governo do povo, pelo povo para o povo e com o povo em geral. Todos. Na Democracia todas as ideias são conhecidas, debatidas e excluídas da plataforma democrática, ou seja, diminuindo algumas ou até anulando outras por predominância do consenso (harbemasiano) Ademais, a se ver uma sociedade dividida em minorias (Junho 2013 e os mais de 1/3 de votos de protesto; igual se dando em todos os demais países, v.g., na França, recentemente). Enfim, (…) A proposta inconsciente e inconsequente ou a falta de especificidade do grito de eleições diretas (já), simplesmente, e sem anulação das regras postas, pode servir aos propósitos de legitimação do status quo, o que cedo ou tarde conduzirá a nação à 2a. via, o conflito violento de classes ou ao completo subjulgo da sociedade. Portanto, ao pensar e agir como conquista ou costrução primeiro da base democrática..

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