Desafinidades obsessivas

Ou de como um colunista da Folha, carente de argumentos políticos ou éticos, maltrata a aritmética para e sugerir que o desemprego é “natural” – quando serve ao baronato financeiro…

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Minha confessa obsessão por ler, todas as manhãs de todos os domingos, a coluna econômica do físico Samuel Pessôa publicada pela Folha – dada a fantástica propensão do colunista ao boquirrotismo, que candidamente confessa o que Homer Cado faz enormes esforços para ocultar — tem uma correspondência especular nas obsessões do professor.

A mais notória delas é uma tara irrefreável pelo desemprego. Dos outros, é claro.

Ontem (11/2), Samuca, depois de um passeio pela deforma das aposentadorias — em que brinca de numerologia interessada, a ponto de fazer “comparações globais” sem levar em conta as mastodônticas distâncias de porte de PIBs e PIBs per capita entre os “comparados” -, regurgita, mais uma vez, o que habita sua alma:

“Em 2014 (…) havia hiperemprego de três pontos percentuais: 6% de desemprego, ante estimativas — inúmeras — que sugerem que a taxa natural de desemprego brasileira é de 9%.”

É absolutamente natural para o escriba que a mais de 10 milhões de brasileiras e brasileiros, aptos e desejando trabalhar, seja simplesmente negada a possibilidade de fazê-lo, para “equilibrar o modelo” nas planilhas dos empregados pelo capital financeiro.

Os neoliberais são tão avessos à empatia com outros seres humanos que não eles próprios que criaram até uma sigla (que lembra algum atol desabitado do Pacífico, NAIRU), para naturalizar a chaga social do desemprego em larga escala (dos outros, como obsessivamente friso).

NAIRU é o acrônimo, em inglês, de algo como “taxa de desemprego que não acelera a taxa de inflação”.

É um constructo sádico — de duvidosíssimas bases empíricas — que guia os porta-vozes do dinheiro grosso, disfarçados de acadêmicos e jornalistas, na tentativa de defender pela aritmética o socialmente indefensável.

É um numerito para justificar a manutenção de multidões no desemprego e assim reduzir, por concorrência e medo, o preço da força de trabalho de todo o contingente empregado.

É um embrulho “técnico e neutro” para o presente que Homer Cado sempre quer dar a si mesmo, a maximização de lucros e acumulação de capital às custas do trabalho alheio. Ou da negação do emprego para quem precisa e quer trabalhar.


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