Bustani: o brasileiro que poderia ter sido Nobel da Paz

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Quando dirigia organização contra armas químicas, agora laureada, diplomata negociou com Iraque e foi afastado. É o que ele conta, onze anos depois

 

Por Vinícius Gomes

 

“Ele disse que eu tinha 24 horas para renunciar, do contrário teria de encarar as consequências”. Com essa frase, o diplomata brasileiro José Bustani inicia entrevista ao The New York Times sobre o Prêmio Nobel da Paz de 2013, entregue sexta-feira passada (11/10) à Organização de Proibição de Armas Químicas (OPAQ). O diplomata relembra o episódio que levou a administração Bush a forçar sua saída da direção da agência, há mais de 10 anos.

O homem que deu o ultimato a Bustani chama-se John R. Bolton, e na época era subsecretário de Estado dos EUA. O norte-americano justificou como incompetência o afastamento do diplomata brasileiro da chefia da OPAQ, motivo contestado tanto por Bustani como por pessoas que acompanharam o caso, à época. Agora, foi desmentido publicamente com as informações trazidas à tona pelo diplomata.

Às véspera da invasão do Iraque, José Bustani, hoje embaixador brasileiro em Paris, havia iniciado negociações com o regime de Saddam Hussein para que o Iraque se juntasse à Convenção de Armas Químicas. O país árabe teria de entregar uma lista do estoque e concordar com a inspeção e eliminação de seu arsenal químico – exatamente como a Síria concordou em fazer poucas semanas atrás.

Essas negociações esvaziariam a argumentação de Washington sobre a necessidade de invadir o Iraque, já que iam de encontro à retórica oficial – a de que Saddam Hussein e suas armas de destruição em massa ameaçavam o mundo. “Todos sabiam que não havia nenhuma [arma química no Iraque]. Uma inspeção tornaria isso óbvio e anularia por completo a justificativa para invadir”, afirma Bustani.

Dez anos depois, a decisão de entregar o Nobel da Paz à agência parece ser o reconhecimento de que, ao impedir a escalada das hostilidades no Oriente Médio, a OPAQ tem papel importante na construção da paz. “Em 2002, o governo dos EUA estava determinado a impedir que o Iraque se juntasse à convenção contra as armas químicas, as quais eles nem tinham”, diz Bustani. “Dessa vez, acatar a convenção e permitir a presença dos inspetores no país tornou-se parte do plano de paz na Síria. É uma mudança fundamental”.

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5 comentários para "Bustani: o brasileiro que poderia ter sido Nobel da Paz"

  1. milton cordova junior disse:

    Esqueceram de mencionar que Bustani foi indicado ao Premio Nobel da Paz. Mas, obviamente, Oslo foi devidamente manipulado pelos EUA e o Nobel da Paz de 2003 foi para a advogada iraniana Shirin Ebadi, ex-juíza e ativista dos direitos humanos. Algo mais ou menos assim: o bote ganhou do transatlântico, sem demérito algum para o trabalho desenvolvido pela iraniana (que não se tem a menor ideia de qual a sua magnitude para merecer um Oscar).

  2. antonio cristovao disse:

    Os criminosos que já contabilizam 400 mil mortos no Iraque nunca vão ser julgados enquanto os países como Brasil China não assumam a sua grandeza no smedia mundial e deixem que os media de Londres e americanos dominem as narrativas bem elaboradas mas mentirosas e hipocritas que posseguem há anos

  3. Vale ressaltar que Bustani não abriu a boca somente 11 anos depois. Na época foi publicada entrevista com ele nas páginas amarelas da Veja e alguns outros artigos trataram do assunto:
    veja.abril.com.br/010502/entrevista.html‎
    http://jus.com.br/revista/texto/21678/direito-e-diplomacia-internacional-embaixador-jose-mauricio-bustani-o-brasileiro-que-poderia-ter-evitado-a-guerra-do-iraque
    http://resistir.info/varios/opaq_spguimaraes.html
    http://www.correiocidadania.com.br/antigo/ed409/asemana.htm

  4. YONE M. FERNANDES disse:

    Para o embaixador Bustani:
    “The only kinds of fights worth fighting are those you are going to lose, because somebody has to fight them and lose and lose and lose until someday, somebody who believes as you do wins. In order for somebody to win an important, major fight 100 years hence, a lot of other people have got to be willing – for the sheer fun and joy of it – to go right ahead and fight, knowing you’re going to lose. You mustn’t feel like a martyr. You’ve got to enjoy it.” (I.F. Stone)

  5. Igor Fuser disse:

    A matéria está excelente, mas faltou dizer:
    1) Na ocasião (primeiro semestre de 2002), Bustani pediu ajuda ao governo brasileiro (o presidente era Fernando Henrique Cardoso, e o chanceler, Celso Lafer, ambos do PSDB), que se omitiu vergonhosamente, viabilizando o afastamento do diplomata pela pressão dos EUA;
    2) Logo depois da posse, em 2003, o governo Lula reconheceu a postura firme de Bustani e o nomeou embaixador do Brasil em Londres. Hoje ele exerce o mesmo cargo em Paris.

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