Acusado de narcotráfico e derrubado pelos EUA, ex-ditador panamenho é “devolvido” ao país

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Antes parceiro da CIA, o militar Manuel Noriega foi derrubado e preso sob acusações de envolvimento com o narcotráfico

Apoio a ditadores não é novidade na história da política externa estadunidense. Retirada cínica deste apoio e “lavada de mãos” também não. Intervenções militares exteriores sob a justificativa do combate às drogas tampouco, assim como também não é segredo que a CIA tenha participado diversas vezes do comércio das substâncias ilícitas que diz combater.

Mesmo assim, a trajetória de Manuel Noriega, hoje com 77 anos, traz novidades. Derrubado pela “Operação Causa Justa”, realizada pelos EUA em 1989, Noriega foi o primeiro estadista a ser acusado e punido por tráfico de drogas por outro país — e também o primeiro a ser destituído pelos Estados Unidos após a queda do Muro de Berlim.

Nascido em Guachimango, em 1934, Noriega desde cedo alcançou posições de mando no exército panamenho, tendo realizado estudos de inteligência e contra-insurgência na Carolina do Norte. Aos 30 anos, tornou-se chefe do Serviço de Inteligência do Panamá. Especula-se que desde então esteve a serviço da CIA, que por sua vez sabia bem das conexões de Noriega com o comércio de drogas.

Visto como aliado frente ao perigo vermelho representado pela revolução na Nicarágua, Noriega assumiu o poder em 1983, dois anos após a morte do também ditador Omar Torrijos Herrera, falecido em uma misteriosa explosão de avião, atribuída por alguns ao Tio Sam, por outros a Noriega, por outro ao acaso.

Acusado de fraudes eleitorais, corrupção e envolvimento com o narcotráfico diversas vezes desde então, Noriega chegou a deixar o comando do país, e o presidente Del Valle tentou inclusive destituí-lo de seu cargo no serviço secreto, em 1988. A reação de Noriega foi impressionante, e a Assembleia Nacional panamenha se posicionou em favor do militar, o que levou à queda de Del Valle, que fugiu para os EUA – que exigiram que o ditador não estivesse no governo seguinte.

Manuel Solis Palma, então ministro da educação, assumiu o comando e não mostrou disposição em acatar as determinações dos EUA, que reagiram com um pesado bloqueio econômico ao Panamá. Após eleições polêmicas vencidas pela oposição, Noriega dá um golpe e assume novamente o governo, posicionando-se imediatamente de forma beligerante aos Estados Unidos. George Bush pai decide então invadir e bombardear o Panamá, com o objetivo de capturar o ditador e “proteger os interesses norte-americanos” no país.

E as drogas? Segundo o jornalista José Arbex Jr,

A Operação Causa Justa não tinha como objetivo prioritário combater o narcotráfico, tal como alegava Bush, mas sim assegurar a permanência do controle de Washington sobre o Canal do Panamá. A invasão marcou um momento importante na política externa dos Estados Unidos, por ter demonstrado efetivamente o poder da superpotência vencedora da Guerra Fria e por ter introduzido a aplicação prática de algo novo na formulação doutrinária da política externa de Washington. O inimigo, agora, não era mais representado pela “ameaça comunista”, mas sim pelo tráfico de drogas.

Vencedor das eleições desrespeitadas por Noriega, Guillermo Endara assume a presidência, obviamente sem que consumo e comércio de substâncias ilícitas sejam afetados. O ex-ditador foi condenado a 20 anos de prisão em um tribunal de Miami, onde ficou encarcerado até 2009, ano em que foi libertado. Em 2010, no entanto, foi extraditado para a França,onde enfrentou acusações de ter lavado US$ 3 milhões de dinheiro vindo do narcotráfico e sentenciado a sete anos de prisão.

Com a França divulgando nesta quinta, dia 7, a “devolução” de Noriega, o governo panamenho pretende julgá-lo pelo assassinato de três opositores nos anos 1980. E o comércio de drogas segue muito bem, obrigado, como sempre.

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2 comentários para "Acusado de narcotráfico e derrubado pelos EUA, ex-ditador panamenho é “devolvido” ao país"

  1. Apoiam e depois destituem, invadem!

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