Moysés Pinto Neto: Esquecer a esquerda

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“Desde 2013, lulismo descaracterizou-se — mas seus apoiadores tornaram-se, paradoxalmente, cada vez mais sectários. Precisamos do contrário: propor transformações muito efetivas na vida da maioria, sem exigir credenciais”

Por Moysés Pinto Neto

Outras Palavras está indagando, a pessoas que pensam e lutam por Outro Brasil, que estratégias permitirão resgatar o país da crise (Leia a questão completa aqui e veja todas as respostas dos entrevistados aqui).

Vejo que há um redemoinho que suga a maior parte das energias políticas para falsas questões. Por exemplo, a questão da esquerda. “Quem é de esquerda? Qual a esquerda legítima? Como unir a esquerda?” E se o problema não for a resposta, e sim a pergunta? E se, em vez de construir um campo de força dentro da dinâmica política, está-se pensando o que precisa ser feito em termos de “quem pode frequentar o meu clube?”

Vou fazer um comentário bastante arriscado, mas me parece que é bem possível pensar que a mudança no cenário político, com a crise atual, se dá a partir da virada do primeiro lulismo para um segundo, sobretudo a partir de 2013, com as manifestações, e 2014, com as eleições. No primeiro cenário, a esquerda discursava como centro, no máximo centro-esquerda, mas promovia efetivas transformações sociais. Qual foi o principal símbolo do sucesso do lulismo? O Bolsa-Família, política que muitos nem associavam à esquerda. O Bolsa-Família foi defendido de um modo muito simples e banal: todo mundo precisa comer, independentemente de qualquer coisa. Isso convence qualquer um. E assim foi com uma série de outras questões.

A partir de 2013/2014, no entanto, a discussão começou a vir de outra forma: “isso é de esquerda? Quero ver suas credenciais!” E, curiosamente, quanto mais esquerdista ficava o discurso, mais centrista, ou até direitista, ficava o governo na prática. Energias dissipam-se com facilidade se não estão organizadas. Discutir apenas o aspecto simbólico, sem tocar nos problemas concretos, é o que tem afastado a maioria da esquerda. É preciso reencontrar o diálogo pragmático, em torno dos problemas e não das identidades, a fim de se recolocar na disputa. Esqueça-se a questão da esquerda; o importante são os problemas. Não estou dizendo com isso que direita ou esquerda não existem, ou que a própria distinção seja irrelevante. Estou falando de um modo de colocar problemas. Colocar o problema da aposentadoria como “é a o avanço do neoliberalismo! É o consenso de Washington!”, sabemos que só atingirá uma pequena, minúscula na verdade, porção da população. Mas colocar: “você acha que as pessoas mais velhas não têm direito a viver com conforto depois de terem contribuído?” é tocar o mesmo problema de um modo totalmente diferente.

No que ia fracassando no governo, a esquerda ia regredindo no discurso, adotando um jargão cada vez mais próprio, falando só para si mesma e menos capaz de dialogar. Quem absorveu a energia de indignação, então, foram as organizações de direita com a pauta da corrupção. Buscar a maioria significa buscar se aproximar de outra forma do senso comum, refazer o trabalho que foi abandonado no meio do caminho por uma retórica mais pedante, que manda ler livros de história ou escracha de mil outras formas, mas continua presa na própria bolha. E, com isso, afunda na melancolia. No momento, a percepção de grande parte das pessoas menos politizadas é que a esquerda emperrou no meio do processo. Foi capaz de promover mudanças sociais importantes, mas quando os emergentes buscaram alternativas para crescer, não encontraram nenhuma ideia ou saída. Só havia um imaginário megalômano forjado a partir da geopolítica mundial e dos projetos desenvolvimentistas que povoaram o século XX. Quem ocupou esse espaço foi a direita.

Mas, ao mesmo tempo, recentemente houve uma discussão para saber se a pesquisa em São Paulo sobre convicções políticas da periferia indicava mesmo adesão ao liberalismo ou era simplesmente uma leitura muito dogmática, petrificada, preconceituosa em relação a redes informais de solidariedade que convivem com um protoanarquismo de outras valências. Para pensar esses fenômenos, é necessário se despir da atitude “self-righteous” e buscar entender o que deu errado, o que pensam as pessoas. Mas não vejo muita gente indo nessa direção. A coisa está tão rala que meramente pensar isso, propor os problemas, já é encarado como “centrismo” ou algo pior. Temos que pensar se a invocada “resistência” não pode também ser lida em sentido psicanalítico.

Onde devemos concentrar esforços? Nas eleições de 2018? Num processo mais profundo de lutas sociais? Mas, neste caso, começando por onde?

O processo de 2018 dificilmente vai mudar alguma coisa. O tempo foi curto para se construírem alternativas reais e provavelmente a decisão será pragmática. Com Lula na disputa, a cena se mantém no mesmo lugar. E, se vencer, o ciclo atual perdurará no mínimo mais quatro anos. Haverá a alternativa Marina de novo e provavelmente, como novos nomes, Ciro, Bolsonaro e Dória ou Alckmin – nenhum auspicioso…. Para quem acha que está tudo certo, bem, tudo certo. Mas para quem vê um deserto de imaginação e mantém-se fiel à energia destituinte de 2013, parece que há um obstáculo a ser superado.

Na reconstrução do diálogo com a maioria, seria desejável inverter a estratégia que está dando errado. Há um bom tempo cada passo em direção à direita na ação corresponde a um tom mais alto à esquerda no discurso. Seria possível imaginar o inverso? Baixar o tom do discurso, tornando-o uma tradução mais concreta e vinculada à vida das pessoas, e aumentar a radicalidade das ações? Boa parte da população está insatisfeita com os serviços públicos, com a desigualdade social, com a falta de cuidado com as cidades, com a qualidade da democracia e o problema ecológico. Tudo isso abre espaço para discussões radicais, como educação fundamental de qualidade, respeito à diversidade, combate à obsolescência programada, renda mínima, mudanças nas estruturas das cidades que tirem o poder da mão da construção civil, entre outras. É perfeitamente possível formular isso sem precisar passar pela mediação vermelha. Aliás, a maioria das lutas da década passada e início desta foram construídas sem passar por um conceito ou uma identidade de esquerda. Por exemplo, luta indígena e aliados pelos direitos dos índios, Marcha da Maconha, Marcha das Vadias, Ocupa Estelita, movimentos contra o corte de árvores em Porto Alegre, Ocupa Rio, entre outros, até desaguar em 2013 — tudo foi construído sem precisar cair na bizantina discussão em torno da identidade de esquerda.

Ou seja, parece ser perfeitamente possível articular um discurso radical sem precisar passar por uma legião de ídolos, sacramentos e imagens que podem ser úteis para dar coesão a um grupo específico da sociedade, mas não tem a chance de conversar com a maioria. O problema a colocar, portanto, não é o problema da esquerda. O problema são os problemas concretos e como se dirigir a eles de modo que seja pragmático e, ao mesmo tempo, radical. Como garantir direitos básicos a todas as pessoas? Como reduzir nossa pegada ambiental? Como construir formas de vida que possam trabalhar menos? Como viver melhor o ambiente urbano? Como ter uma alimentação saudável e acessível a todos? Como sair das organizações verticais e permitir mais participação e controle sobre as instituições? Essas questões são questões para a maioria das pessoas, mas não necessariamente precisam receber uma coloração específica, não se confundem com a defesa de líderes e podem ser recolocadas de muitas maneiras. Para isso acho que vale a pena dirigir a energia.

* Moysés Pinto Neto é graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS e doutor em Filosofia nessa mesma instituição. Leciona no curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil – Ulbra Canoas.

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6 comentários para "Moysés Pinto Neto: Esquecer a esquerda"

  1. João Luiz P. Tavares disse:

    O UBER é o protótipo para entender a esquerda. E “por tabela” compreender o PT, e sua doutrina, o petismo. Ei-lo:
    O UBER é legal?, além de atual, moderno, e o representante do próprio futuro. Nem brega e tão pouco barango.
    Ilegal é dilma & Lula. Vigaristas e picaretas. Além de EM-BUS-TEIROS. Ponto final.
(o mesmo pode se dizer dos SATÉLITES do PT & do petismo).
    Viva o UBER!
    Viva a beleza natural! A água, o rio, o mato. A beleza do corpo sadio. A beleza cultural… a beleza da INFORMÁTICA e da «Ciência da Computação».
E viva a beleza artística!
    Mas, por outro lado…; no PT… [e nos satélites do PT, tal qual o PCdoB, PSOL…]:
    O que vemos?
Olhe à frente!
¿OlhOu?
Veja bem!
Uma brega!
    Vamos deixar de sermos ingênuos e naïve em relação a Dilma!
    Abaixo! Fora! Rua! ¡Fora a «Orquestra Sinfônica Brasileira» (a do RJ)! Música de E-LI-TE, abstrata! Instrumental; sem letras. Eurocêntrica… Viva, sim, a dilma Coração Valente© Rousseff! Isso sim!
    Viva o Sertanejo Universitário©, da Era Petista! Viva!
    Que tal pensar (e re-fle-tir) sobre o pensamento de uma presidenta incompetente e de um mau gosto fabuloso? [a «Pátria Educadora»].
    Que tal PENSAR sobre a ALMA baranga de uma presidenta?? rss.
Não seria esse um bom motivo, — também?
    Uma presidentA© de mau gosto.
    Bregona?
    Não!, Barangona mesmo! Kitsch.
    Reflita & pense!
    “Barangos(as) unidos jamais serão vencidos”

  2. Oswaldo Venudo Jr. disse:

    “Quem diz que não há mais esquerda e direita é de direita”(Allain)

  3. Helena Schiel disse:

    Moyses, esses movimentos ” luta indígena e aliados pelos direitos dos índios, Marcha da Maconha, Marcha das Vadias, Ocupa Estelita, movimentos contra o corte de árvores em Porto Alegre, Ocupa Rio” todos são associados à esquerda. Podem não ter usado a retórica habitual mas se consideram e são associados à esquerda. Uns dias atrás comentei no facebook, um tanto escandalizada, sobre um mapa na página “Mapa é tudo” que pretendia mostrar as afinidades “etnico-culturais” da região sul. Tudo o que não era europeu (italiano, alemão, eslavo) entrava na rubrica “gaúcho”. Não costumo usar essa retórica mas falei de “política de embranquecimento”. Cadê os índios? Ou eles acham que os gaúchos são autóctones? De onde vem o poncho, a erva mate, o chimarrão, o tererê. Fui xingada de esquerdista, me perguntaram se eu votava na Luciana Genro. Também é sobre pertencimentos.
    Gostei muito do seu artigo, acho que essa necessidade de rotular e pertencer (fora o pedantismo de se achar superior e mandar o oponente ler livros de história… geralmente coisa de quem não lê nada e forma opinião a partir de memes) tem empobrecido demais o debate e está fazendo a esquerda perder terreno e diálogo. Mas não sei se o caminho desses movimentos que você citou é a melhor alternativa. O que me incomoda mais em todo tipo de reivindicação da atualidade é que tudo está pautado em lutas individuais, pautas individuais. A luta dos negros não é por justiça social mas para que indivíduos negros ocupem mais lugares que indivíduos brancos ocupavam. A luta feminista não é uma luta por uma sociedade menos machista mas uma luta para que indivíduos-mulheres se sintam respeitados por indivíduos-homens.
    Aguardo os ventos de 2013 soprarem sobre a insatisfação generalizada pra que a crise de representatividade daquele ano consiga obter transformações mais profundas na sociedade.

  4. Luiz Fernando Nunes Rodrigues disse:

    Caro Azevedo, se vc grita apenas contra o PT e o PMDB você não é anticorrupção e sim oposição.

  5. Arnaldo Azevedo Marques disse:

    Temos de, na tentativa de encontrar uma saída, levar em consideração duas situações. 1) Estado abrangente em detrimento de estado mínimo tem possibilidades e limites. Os limites são a incompetência e a corrupção. 2) O desenvolvimento da tecnologia da informação.
    Que golpe esse esquerdismo de fancaria do Brasil está sofrendo com esse petismo e pmdbismo!

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